Isabela Coelho é escritora e professora.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Geralmente acordo cedo, pois tenho uma carga horária pesada como professora, mas também gosto de correr ao ar livre e cuidar do jardim pela manhã. Isso foi muito terapêutico durante a pandemia. Gosto de escrever meus sonhos, então faço isso logo pela manhã também.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Já fui de escrever muito de madrugada, isso foi da adolescência até o mestrado. Depois, como professora, com a rotina que tenho, eu percebi que não tem muito uma hora certa. Eu gostava muito de escrever no ônibus. Inclusive, mesmo tendo carro, eu pegava o ônibus para observar a cidade, as pessoas… e escrever mesmo quando o motorista passava com tudo nos buracos. Minha letra piorou muito como isso, mas valeu bons poemas. Acho que era um ritual.
Tenho pequenos rituais semiconscientes. Por exemplo, planto sementes, podo plantas, cavo a terra e de repente preciso escrever. Lá vou eu com a terra ainda entre as unhas para o caderno. Apesar de meus poemas não terem muita musicalidade, eu gosto de escutar algumas músicas específicas quando escrevo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Como eu tenho um diário, eu acho que escrevo um pouco todo dia. Mas nem sempre rola. Tem dias que respirar já é um esforço e uma vitória. Não tenho metas. A regra é nunca deixar para depois.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Uma sensação, uma imagem, me impulsiona a escrever e sigo o fio condutor dela até sentir que fechei uma projeção. Não creio que seja difícil, mas um pouco demorado. Recentemente, me dei conta de dois poemas que estão só esquematizados, esperando mais pesquisas e leituras para ficarem prontos. Isso nunca tinha acontecido antes. Mas não estou me perturbando com isso. Escrevi o suficiente para sentir o ritmo interno deles. Como são sobre assuntos muito caros a mim, o sagrado feminino e o inconsciente, não vou abandoná-los. Claro, faço anotações do que me interessa.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Saio para andar, me perder. Tudo menos as páginas. Às vezes fico cozinhando por muito tempo, dando voltas no que precisa ser feito. Nesses “passeios” trago alguma novidade para a escrita. Noutros momentos a distância traz limpeza. Este é meu elogio à procrastinação. Seja um prazo curto ou longo, acabo fazendo o principal no último minuto, de forma frenética. Não, não é muito saudável, não recomendo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Demoro um pouco, mas não muito. Se leio e sinto que basta, já “abandono” o poema. Mas passo uns dias com ele apurando ao longo das leituras. Se “lamber” demais já acho que ficou sintético. Recentemente, transcrevi uns que estavam em cadernos e reli outros jogados em arquivos. Em alguns encontrei formas de organizá-los melhor e em outros não troquei uma vírgula. Depois disso aprendi a não deletar tanto o que esboço. Eu tinha muita vergonha de mostrar, como se fosse mostrar às pessoas uma parte proibida de mim. Depois de ler tantas mulheres e de conversar com amigas escritoras sobre o papel da escrita para nós e para a sociedade, eu venho perdendo o medo. Lembro sempre de Toni Morrison: “Nós falamos, escrevemos, fazemos linguagem. É assim que as civilizações se curam”. Estou fazendo da minha forma e é válido. Às vezes eu estranhamente assedio as amigas com algum poema, mas não é sempre. Tenho receio de mandar algo inconcluso.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Não muito bem, sou do time dos caderninhos. Tenho espalhados no quarto e organizo por assuntos diferentes. Mas, por questões de praticidade, quando estou na rua escrevo no celular e às vezes mando áudio para mim mesma quando estou com pressa. É engraçado, pois não gosto de escutar a minha voz lendo meus poemas (outras pessoas sim, aviso desde já). Depois passo tudo para o computador, aí vem outra revisão mais exigente. No computador eu visualizo melhor a estruturar que quero dar ao poema, troco palavras, etc.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Sigo o conselho de Rilke: “deixe tudo acontecer a você, Beleza e terror”. Sou aquariana, gosto de todo e qualquer tipo de informação. Mas também tenho a lua em peixes, me apaixono muito e perdidamente por tudo: arte, música, lugares, pessoas. Quem regula isso tudo é meu ascendente em capricórnio criando pequenas rotinas para tudo, sendo bastante analítico e realista. Ou seja, disciplina, paixão e atenção. Procuro formas diferentes de alimentar essas nuances. Mas estar atenta não quer dizer que consumo tudo. Ser seletiva é primordial.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Com certeza houve uma grande mudança. Quando mais jovem, lia muitos os poetas clássicos e românticos, aquela melancolia melosa, cáustica me servia bem. Tentava imitá-los, consequentemente. À medida que fui expandindo meu universo de leitura (Cecília Meireles e João Cabral de Melo Neto têm muita culpa nisso), percebi que as palavras se friccionavam de outra forma na minha cabeça e fui experimentando isso. Hoje vejo que quem eu sou e o que eu escrevo estão juntos num projeto em constante desenvolvimento. Eu diria a mim mesma para parar de escrever poemas românticos, isso não te cai bem.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Escrever em prosa, sempre acho que junto mal as ideias e acabo desistindo. Gostaria de ler os livros que ainda estão nas gavetas das minhas amigas.