Isabel Cintra é escritora, autora de “Corvo-correio”.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
O relógio biológico que adquiri desde que saí do Brasil e deixei de ter a minha mãe para me despertar, ainda funciona bem! E hoje em dia me desperta por volta das 6.00hs. Com as meninas em idade escolar, é melhor iniciarmos cedo para não deixar o motorista da “Van” esperando. Aqui na Suécia o atraso é considerado algo terrível, um defeito feio mesmo…!
Inverno ou verão, é preciso um olhar atento no app de meteorologia para decidir a vestimenta do dia, sim porque por estas bandas o sol brilhando forte lá fora e transmitindo calor intenso através da vidraça, pode também significar baixas temperaturas.
No inverno, por aqui a estação mais longa do ano, ver tudo branquinho pela janela dá aquela sensação quase que incontrolável de simplesmente se deixar estar na cama… Mas é preciso tomar fôlego para pôr as crianças de pé!
O barulho do aparelho liquidificador ajuda bastante: leite, aveia e banana. Enquanto preparo, fico imaginando quando será que elas decidirão mudar o cardápio de quando ainda eram bem pequenas…
Kristina (6) é a primeira a seguir com a Van às 7:30.
Caroline (4), segue mais tarde às 8.40 para a creche.
A partir daí é que vou aquecer água para uma boa caneca de chá que, enquanto esfria, vou pensando se vou para o “doce” ou “salgado”.
Será iogurte ou pão com manteiga.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu sonho com o dia em que finalmente conseguirei escrever durante o dia e ter a noite para dormir. Assim acompanharia o ritmo familiar…
A questão é que me sinto mais livre e cheia de vontade de escrever durante a noite. As ideias vêm como enxurrada, e isso é tão maravilhoso! Se estou acompanhada de uma caneca de chá (qualquer aroma serve), já não me falta mais nada. É só começar a escrever.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo por períodos. Eu preciso estar uns tempos só observando e pensando sobre as coisas, as pessoas… durante este tempo surgem muitos rabiscos, frases que chegam de repente, palavras soltas, nomes, etc. Anoto tudo no verso de folhas de sulfite usadas do pequeno escritório que temos em casa. Vou juntando as folhas e enumerando a lápis. Ficam empilhadas numa bancada que tenho na cozinha.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
As ideias são sempre muitas, muitas!!! Por isso a necessidade de apontar tudo. Quando me vem algo a cabeça e eu não consigo anotar por estar ocupada fazendo o jantar ou outra coisa por ex, fico muito chateada! Daí a ideia de manter os papéis para apontamentos na cozinha, rs.
Eu só preciso começar a escrever, dar o “pontapé” para iniciar a história. Essa é a parte mais difícil pra mim. Começar.
A partir daí a mente vai criando e moldando sentimentos em palavras. Depois de algumas páginas já escritas é que volto lá no início para detectar pontos que merecem atenção no que diz respeito a significados, datas ou fatos históricos, etc. Aí vou pesquisando e dando continuidade ao texto.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Meu primeiro projeto longo está acontecendo neste momento. Pela terceira vez pensei ter terminado, mas afinal ainda não. Será o tal medo? Poderá ser. E por muitas vezes a ansiedade para terminar e poder finalmente ouvir o “veredito” da editora é grande, fato que acaba por tornar esse medo um elemento necessário para que o trabalho em questão ganhe mais tempo. Para ser relido, reavaliado, de certa forma até melhorado e ganhando maiores chances de seduzir o leitor.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Se tratando de textos infantis, sempre mostro ao meu irmão que é quem ilustra meus livros. Ele costuma ser bem sincero. Para o sim e para o não. É sem dúvida muito importante que ele, o ilustrador, se reflita e se emocione com personagens para que as ilustrações possam comunicar-se por si só com os leitores. Falando dos textos em geral, depois de decidir que o texto chegou ao fim, fico algumas semanas sem vê-lo. Depois deste tempo, volto e acabo sempre mexendo aqui e ali. Gosto muito da opinião de alguém que está na área da literatura a muito mais tempo que eu e por isso adquiri por hábito sempre enviar meus textos á uma revisora experiente.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Engraçado que meu primeiro emprego assalariado, foi de assistente de uma contadora e ela me ensinou a trabalhar com a máquina de datilografia. Eu fazia cópias te textos que ela me deixava sobre a mesa, preenchia holerites (naquela época, “demonstrativos de pagamento”) e na hora do meu almoço eu escrevia pequenos trechos de pensamentos que me vinham assim como que frases soltas.
Era poético. Já pensei em adquirir uma máquina daquelas só para sentir a atmosfera daqueles dias tão bonitos.
Por agora, permaneço escrevendo usufruindo da agilidade e praticidade do computador. Quem sabe um dia ainda encontro uma máquina de datilografia para os dias de poesia…
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As ideias simplesmente chegam. Sem hora e nem lugar. Acredito que a criatividade nasce com a gente e se expande ou não conforme a nossa personalidade.
Uma vez, por telefone, uma prima me lembrou de quando a gente (aí por volta dos 10, 11 anos) ficava sentada na sargeta da rua em frente minha casa e certa vez, enquanto passava um grupo de formigas enfileiradas, eu as nomeava e narrava qual seria o destino de cada uma depois que entrassem no buraquinho da calçada. Eu já não me lembrava mais disso.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Praticamente a estrutura como um todo. O enredo é bom, a ideia é boa, mas é como se faltasse articulação entre as palavras. É gostoso reler, já pensei em mexer e de repente reaproveitar, mas decidi deixar como uma lembrança da escritora daquele tempo.
Talvez eu diria: Menina, você leva jeito para escrever histórias!
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu gostaria de escrever tanta coisa. A experiência de escrever um livro em conjunto com outro escritor (a), é algo que eu gostaria muito. Escrever sozinha é um exercício confortável do ponto de vista de que eu decido os rumos da trama, eu escolho os nomes, eu estou no comando. Escrever com outra pessoa põe de lado este “egoísmo” deve ser um exercício interessante.
Ainda não descobri este livro, talvez o escreva.