Iamni é poeta, tradutora e pesquisadora, autora de “De dentro do ônibus um aceno” (Urutau, 2021).

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
A rotina é um sonho do qual nunca me vejo livre. Estou sempre trabalhando no seu horizonte, e por isso mesmo, sempre fracassando. É um modo de vida: organizar um planejamento para falhar em seguida. E vejam, eu me empenho nisso. Consigo passar um dia inteiro assistindo vídeos sobre como criar uma rotina. Há aí uma entrega absoluta, que no fundo, é uma entrega ao próprio perjúrio. Acontece que outro dia, estava refletindo sobre o assunto e concluí que é muito possível que o fracasso também seja planejado. Digo, no íntimo, no inconsciente. Acho que se um dia eu finalmente me visse diante de uma rotina que funcionasse, ficaria desesperada. Ficaria sem saída.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu trabalho melhor nos três ou quatro dias que antecedem o prazo final. Ou seja, dificilmente atraso uma data limite, desde que ela exista. Só atraso aquilo que não tem um prazo claro. Penso, por exemplo, que o prazo da chamada da editora Urutau foi imprescindível para que eu terminasse a escrita do meu livro. São em contextos como esse que consigo me dedicar verdadeiramente à escrita e às coisas que me proponho fazer.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Acredito que o tempo todo haja períodos mais produtivos, de maior volume criativo, intercalados com fases de zero produção. Ainda não consegui compreender a lógica dessa irregularidade, nem prever quando virá a próxima fase produtiva na escrita. Mas sempre aproveito bastante quando ela chega.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Gosto muito de trabalhar em poemas que eu já escrevi. Diria até que essa parte é mais prazerosa do que o momento da criação que é sempre um tanto descontrolado. Entendo que a escrita do poema já configure a pesquisa em si.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Tenho um horário marcado na minha agenda pessoal reservada para chorar. É toda quinta às 17h. Por coincidência, é exatamente no mesmo horário em que faço análise. Todos os assuntos que permeiam a poesia (e tudo o que envolve a escrita de poesia), também permeiam a análise, embora acredite que é preciso haver uma distinção entre elas. Ou seja: fazer poesia não pode ser confundido com o fazer da análise. Mas acredito que o exercício da fala em análise pode colaborar para uma produção literária mais confiante.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso muitas vezes, até quase enjoar de todos eles. Aí talvez estejam mais ou menos prontos. Tenho alguns leitores importantes ao meu redor, para quem volta e meia mostro. Mas também gosto de pegá-los de surpresa, publicando coisas do nada (nas redes sociais). Algumas vezes me arrependo e apago. Há uma espécie de humilhação no ato de postar e rapidamente apagar em seguida, mas estou sempre disposta a fazer isso.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre no teclado – do celular ou do computador. Minha escrita à mão é bastante lenta.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Talvez a gente possa pensar nas ideias como aquelas moscas volantes que surgem na nossa visão quando coçamos os olhos. São pontos de luz que sobretudo insistem, não importa para onde a gente olhe. Estão lá e permanecem, à revelia da nossa vontade. Um dos exercícios que os oftalmologistas indicam é direcionar o olhar para elas, segui-las, acompanhá-las em seus movimentos. Pode ser que não sejam ideias especialmente boas ou produtivas, mas ao menos exercitam o olhar… Essa metáfora pode servir para responder sua pergunta, exatamente porque não responde de onde as ideias vêm, mas fala sobre o que procuro fazer quando elas surgem.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
A principal mudança foi que hoje eu mostro muitas coisas que escrevo, e antes não mostrava. Se eu pudesse dar uma sugestão para a Iamni do passado, diria: “isso mesmo, não mostre, guarde, treine, não tenha pressa.”. Meu primeiro livro, “De dentro do ônibus um aceno”, sai exatamente no ano em que completo 30 anos. O nome original desse livro era “Não dá mais tempo de ser prodígio. Então, vamos com calma”, mas na última revisão acabei mudando.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho o projeto de escrever um livro, à la Sophie Calle, acompanhando os cães de ruas durante 1 ano, seguindo suas movimentações, tomando nota dos trajetos, das cruzas, das ninhadas, das mortes. Talvez esses poemas, que já comecei a rascunhar a partir de cães dos pontos de ônibus de Curitiba, componham meu segundo livro. Livro este que só sairá se um prazo me for imposto. Por enquanto, vou apenas imaginando como essa obra poderia ser…