Humberto Conzo Junior é escritor, apresentador do Canal Literário Primeira Prateleira e idealizador do Clube de Literatura Brasileira Contemporânea.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu tento fazer uma pequena rotina dentro de dias que não apresentam uma agenda fixa.
Eu trabalho como biólogo autônomo, realizando controle de pragas em residências. Sou o que popularmente se chama de dedetizador. Ganho a vida matando baratas, formigas, ratos, traças e pulgas nas casas das pessoas.
Isto faz com que meus horários não sejam fixos. Há dias que marco meu primeiro serviço para algo em torno das 9h30, há dias que só trabalho fora de casa pela manhã, dias que só trabalho à tarde e dias em que tenho que cumprir apenas as tarefas de escritório, dentro da minha própria casa.
Os momentos dentro de casa precisam ser organizados entre tarefas da empresa e as tarefas domésticas. Levar e buscar filhos na escola, fazer comida e coisas do tipo.
A tudo isso encaixo também as tarefas ligadas à literatura. Tempo para ler, gravar vídeos para meu canal no YouTube e produzir conteúdo para as redes sociais do canal e do clube de leitura conjunta que mantenho, o Clube de Literatura Brasileira Contemporânea. E, quando possível, escrever.
Além disso, tenho as variações sazonais. As pragas, objeto do meu trabalho, na maioria delas insetos, tem ciclos de vida que dependem das condições climáticas. Estes bichos reproduzem-se muito mais no verão do que no inverno e, consequentemente, também trabalho muito mais nos meses de calor do que nos de frio.
Os únicos pontos previsíveis no meu dia são a hora que acordo, sempre por volta das 8h30 e a hora que vou dormir, sempre depois da uma da manhã, muitas vezes depois das 2h00.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Quando comecei a escrever, na adolescência, era sempre no horário do fim da noite e da madrugada que eu escrevia. Era o momento em que tudo estava quieto e que eu ficava agitado.
Com o passar dos anos, e agora que já tenho quase 50. Que vivo com esposa e filhos e que tenho as obrigações do trabalho como biólogo, me forço a escrever dentro do horário comercial. Posto este limite, tenho que programar para escrever quando o tempo surge. Se só vou sair de casa à tarde, me isolo pela manhã para escrever. Se saio pela manhã e almoço em casa, vou para o escritório no período da tarde. Quando tenho o dia todo livre, escrevo um pouco pela manhã, paro para o almoço e retomo por volta das 14h.
Ainda acho que teria mais disposição para escrever de madrugada mas, se faço isso, fico muito agitado e acabo prejudicando minhas horas de sono que já não são muitas.
Meu ritual para escrever é simples. Pego tudo que preciso, me fecho em meu escritório, que fica nos fundos do terreno de minha casa, separado do resto, abro o computador e começo a encarar a tela em branco, esperando que o ritmo da escrita vá se acelerando aos poucos.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Até gostaria de escrever todos os dias. Pelo menos acho que eu gostaria, já que nunca consegui tentar isto por um tempo maior que uma semana.
Escrevo quando dá, mas normalmente em períodos mais concentrados. Se eu não tiver pelo menos duas horas disponíveis, nem tento escrever.
Sempre me programo para escrever principalmente quando tenho um período inteiro livre, uma manhã ou uma tarde. Mas, mesmo assim, nunca consigo escrever por várias horas seguidas. Me canso logo e começo a não produzir nada que presta. Infelizmente, meu tempo ótimo de escrita não costuma durar mais do que duas horas.
Quando escrevo contos me coloco metas. Preciso começar e acabar a primeira versão de um conto em um único dia. Talvez por isso meus contos nunca são longos. Aí deixo para revisar no dia seguinte ou após um prazo maior de tempo. Aí não tem limite. Posso retrabalhar o mesmo conto por vários dias.
Escrevendo romance também tento sempre finalizar pelo menos um capítulo por dia.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Normalmente fico semanas ou meses ruminando a ideia de um conto ou de um capítulo na cabeça. Vou fazendo apenas algumas anotações de ideias ou coisas que surgem durante leituras e que acho que podem me ajudar. Aí chega uma hora que não aguento mais, fica tudo já transbordando e preciso arrumar um tempo urgente para sentar e passar para o papel. Eu adoro passar por estas enxurradas. É como uma represa muito cheia e que abre suas comportas. É mágico ver tudo jorrando para fora. É a parte da escrita que mais gosto. É o momento que fico mais empolgado e que tenho mais vontade de sentar e escrever todos os dias.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
As travas na escrita surgem para mim sempre depois das enxurradas. O momento de retrabalhar o texto é sempre o mais difícil para mim. É a parte que menos gosto e que portanto mais encontro desculpas para deixar para depois. Mas há uma função nestes hiatos de tempo. A empolgação da escrita inicial tem que passar para que eu possa analisar o texto mais friamente. Na hora que ponho tudo para fora parece que sou um gênio, e só o passar do tempo vai mostrar o quanto de erros e falhas há para consertar. Às vezes também preciso de tempo para encontrar ou enxergar a solução para um impasse. O texto está sempre no meu pensamento e o caminho para a reescrita pode surgir a qualquer momento. Mas tudo isto também são justificativas que crio para procrastinar. Eu sou mestre nisso, e muitas vezes fico achando que sou vagabundo e que não tenho as características necessárias para ter a escrita como uma das minhas atividades principais.
Com relação às expectativas, a princípio as minhas próprias já são o bastante para me preocupar. Sempre fica aquela sensação de que não consegui transmitir da forma maravilhosa que estava em minha cabeça. Só fico com medo da opinião dos outros depois que entrego para a pessoa ler. Aí dá sempre uma insegurança.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
É difícil eu achar que um texto está pronto, principalmente textos mais longos. Venho trabalhando no meu primeiro romance há mais de quatro anos e sei que nunca acharei que está pronto. Entregarei ele por exaustão. Por achar que era só até aquele ponto que consigo ir.
Já nos contos, como normalmente são curtos, após umas, duas ou três revisões consigo ficar contente e achar que esta redondo. É neste momento que mostro para as primeiras pessoas.
Antigamente mostrava para minha mãe, minha esposa. Hoje faço parte de um grupo de escritores que se reúne a cada 15 dias para analisar os textos uns dos outros e que estão sempre prontos para receber um texto de forma emergencial.
No romance ou com um conjunto de contos que já pode gerar um livro, acho fundamental passar por uma leitura crítica, de um profissional do ramo. Fiz isto com meu romance e farei sempre com qualquer obra antes de enviar para uma editora.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
À mão escrevo apenas notas e ideias que podem surgir a qualquer momento. Já cheguei a esboçar contos inteiros com papel e lápis. Mas a escrita mesmo, sempre no computador.
Escrevo no Word. Já tentei usar programas como o Scriviner mas não me adaptei.
Quando termino a primeira versão, aí imprimo o texto e faço as correções à mão, para depois inseri-las no arquivo.
É também com os capítulos ou contos todos impressos que tento espalhá-los pelo chão e achar a melhor configuração ou achar buracos que ainda precisam ser preenchidos.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Na ficção, as ideias vem sempre do mundo que me cerca e dos temas que me são caros, das questões que me afligem como pessoa e da minha experiência de vida. Sou daqueles que acham que sempre escrevemos sobre nós mesmos, mesmo em histórias sobre alienígenas.
Na área de livros informativos, de não ficção, voltados para crianças ou para o público geral, setor onde já publiquei quatro obras, inicio as pesquisas sempre sobre temas que despertam minha curiosidade e que possam despertar também o interesse dos leitores. Adoro pesquisar sobre animais, ciências e história, já que tenho formação como biólogo e historiador.
Acho que sou criativo por natureza. Sempre fui muito curioso e também bastante sensível, sempre observando o mundo ao redor e captando detalhes.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu comecei escrevendo poesias aos treze anos. Publiquei meu primeiro livro aos dezesseis. Depois comecei a esboçar os primeiros contos e parei de escrever por décadas. Retomei a escrita escrevendo não ficção para crianças, depois me aventurei nos primeiros manuscritos de ficção infantil e finalmente retomei os contos e me aventurei no romance. Vejo tudo como um longo caminho de aprendizado, de alguém que gosta de escrever e que gosta de ver como a leitura pode mexer com as emoções das pessoas. O que foi mudando em mim ao longo deste processo foi perceber o quanto a escrita se baseia muito menos no dom, na ideia e muito mais no trabalho árduo e cansativo.
O conselho que eu daria para o eu escritor da adolescência é: Nunca pare, exercite sempre. Escrever depende de preparo físico. Só com o treino é que tudo vai ficando mais fácil e 90% do que escrever irá para o lixo e isto é normal e importante, não significa que você não leva jeito. Não desista de procurar, de conhecer e de se misturar com outros que tenham a mesma necessidade de escrever. Escrever pode ser um trabalho solitário, mas ser escritor é um trabalho que depende do coletivo, de compartilhar com os outros, de dividir experiências.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu sempre tenho muitas ideias que acho que dariam bons livros. Tenho que terminar meu primeiro romance e dar corpo a um livro de contos. Mas assim que possível quero retomar um projeto que iniciei há quase trinta anos. Este é o livro que ainda não existe e que quero ler. Trata-se de uma distopia que envolve muita leitura, algo que deixei de lado quando jovem por perceber que eu não tinha maturidade suficiente para levar aquela ideia adiante. Agora, acho que o momento chegou. A minha represa já está com 100% de sua capacidade e já é hora de deixar a água seguir o seu curso.