Hugo Pontes é poeta, escritor e jornalista.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Todas as manhãs reservo o tempo para ler jornais, consultar livros, caminhar e cuidar dos interesses gerais da minha rotina pessoal.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
O melhor horário para trabalhar, no que se refere à leitura e pesquisa, é à tarde. Em relação a escrever, prefiro a noite. Seja para organizar o material pesquisado; e também para o trabalho de criação, qual seja elaborar poemas e ou escrever crônicas.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo um pouco todos os dias, mas não tenho uma meta diária, pois depende muito do desenvolvimento das ideias que surgem ou do momento. Em 1976 comecei um poema que somente foi concluído em 1986. É um poema longo que aborda aspectos do período da ditadura no Brasil. O título é BOI. Foi publicado no meu livro “Poemas Visuais e Poesias”, de 2001 e reeditado em 2007, pela Editora Annablume, de São Paulo. Ou do poema visual NÓS que só foi concluído e publicado em 1977, porque não encontrava um título adequado à imagem criada.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Antes de iniciar uma pesquisa, traço um roteiro sobre aquilo que pretendo buscar como informação. Na certa, durante as consultas, encontramos informações paralelas, não relacionadas com foco da pesquisa, mas que, de uma maneira ou outra, poderão servir em algum momento. Sim. É sempre difícil começar e concluir. Isso porque, pela minha característica, meus textos são sintéticos. Tenho objetividade na comunicação escrita.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Raramente isso acontece. Mas tenho experiência em ter iniciado um projeto e não ter concluído. Assim, deixamos a pesquisa de lado e espero o momento adequado para retomar o trabalho. No que tange ao texto acadêmico devemos ser claros em nossas exposições das ideias. Já no texto criativo, devemos oferecer ao leitor a sua capacidade de fazer a sua própria leitura. Estimular a imaginação. Isso acontece muito com os meus poemas visuais em que imagens e palavras se juntam para oferecer ao leitor um universo de interpretação sem que tenhamos que explicar ou contradizer o que foi a leitura do outro.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Tenho por hábito revisar os textos, sejam curtos ou longos, três vezes. E sempre tive o cuidado de passar para uma ou duas pessoas darem opinião a respeito daquilo que estou escrevendo. Por exemplo: esta entrevista. Já li e reli; suprimi e acrescentei informações.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Bem, tenho 74 anos. Anterior a toda a tecnologia existente, fosse máquina de escrever até o computador, sempre escrevi tendo na mão o lápis ou a caneta (e lá nos anos de 1950 era a caneta-tinteiro). Dessa forma – antes de digitar o texto – o rascunho é feito na ponta do lápis e na folha branca do papel. Nossos dois melhores aliados. Mesmo porque, dependendo de onde a gente esteja, haverá sempre um lápis ou uma folha de papel para nos socorrer.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Posso afirmar com toda tranquilidade que a criatividade vem da observação da realidade, daquilo que nos rodeia no dia a dia. Também somos estimulados pela leitura diária, seja ao ler um clássico da literatura, ou mesmo uma notícia de jornal. Todos nós que escrevemos, adquirimos ao longo dos anos uma grande capacidade de perceber algo diferente em torno do ambiente que nos rodeia. Por outro lado, o estímulo vem do contato diário, da nossa rotina nas conversas com nossos amigos, com os nossos leitores e mesmo os contatos distantes seja com poetas brasileiros ou do exterior.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Em relação aos primeiros textos que escrevi o que mudou foi que, através dos anos, tive enriquecido o meu vocabulário, a minha capacidade para criar fruto da observação do mundo, da leitura e a experiência que a vida nos proporciona. Certa feita, numa palestra, o professor Wander Soares, disse: “Quem não lê, não escreve.” Guardei essa frase para o resto da minha vida, e passei-a à frente para meus alunos.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de escrever um livro que reunisse todo o conjunto de manifestação relacionada ao Poema Visual, desde a sua origem até os dias atuais. Dessa forma, poderia contemplar toda a história desse período no que se refere à origem, à teoria e aos poetas que proporcionaram o surgimento desse movimento experimental rico e criativo desde os anos de 1970 até a atualidade, além da influência que exerceu em toda a criação poética dessa fase. E pudesse contemplar citando todos os nomes que nesse período produziram seus poemas com muita criatividade, sem deixar nenhum nome fora desse momento histórico. Isso porque o Movimento do Poema Visual foi, e é, uma manifestação coletiva. Não tem um guru e nem um pai. É de todos nós, poetas e leitores; divulgadores e promotores de eventos como exposições no Brasil e no exterior; editores brasileiros e estrangeiros.
Enfim, o movimento seja no Brasil ou no exterior contempla as cidades interioranas em todas as partes do mundo e também as capitais. Mas não têm um núcleo principal do qual emanou toda essa ideia. Em resumo o Poema Visual somos todos nós, com todos os NÓS.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Por força da minha formação como professor, tendo que preparar as minhas aulas diárias e programar os conteúdos anuais da disciplina que lecionava, adquiri o hábito de organizar os meus projetos de pesquisa.
Assim, para cada novo tema a ser desenvolvido, faço um plano de trabalho.
Sim, as duas extremidades: o difícil é começar e, ao mesmo tempo, concluir.
Quanto à criação, seja um poema ou uma crônica, há um novo foco, pois criar exige desenvolver uma ideia que surge num dado momento de inspiração. Nesse caso o difícil é escrever a última palavra.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Minha semana de trabalho contempla todos os dias. Por força da minha formação, tenho vários projetos em andamento. E meu foco acaba por dar atenção a todos eles. Incluo nessa rotina revisão de livros de outros escritores que – não raro – me pedem essa colaboração.
O que motiva você como escritora? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
Escrever é, mesmo, motivação e hábito. Sim, iniciei minha atividade como escritor ainda no curso Ginasial, quando o professor de Língua Portuguesa deu-me um dez numa redação e escreveu na folha “você leva jeito para escrever.” Já no ensino Médio, na cidade de Oliveira-MG, tendo a senhora Iolanda Chagas como professora de Língua Portuguesa e Literatura, esta me incentivou a minha desenvoltura nos estudos da Literatura Brasileira e seus mais representativos escritores, notadamente os poemas.
Por outro lado, em contato com o poema Márcio Almeida, em 1963, também na cidade de Oliveira, constituímos um grupo de poesia de vanguarda denominado VIX. Com o grupo publicamos os nossos primeiros poemas em jornais literários e editamos os nossos primeiros livretos. Daí para frente nosso trabalho evoluiu e ganhou uma relativa dimensão.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
Interessante a pergunta. Na realidade nunca me preocupei em desenvolver um estilo próprio. Penso que – se há algum diferencial ou característica – isso surgiu naturalmente. Mas, penso que, no contexto geral, fui influenciado por poemas como Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Ledo Ivo, os poetas do Concretismo e, também, Wlademir Dias-Pino. Entre todos os citados, o que mais me influenciou foi João Cabral de Melo Neto.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
Três livros de autores brasileiros:
- Morte e Vida Severina – João Cabral de Melo Neto;
- Grande Sertão Veredas – João Guimarães Rosa;
- Vidas Secas – Graciliano Ramos.
Em todos eles, no conjunto, destaco a criatividade, o regionalismo e a abordagem social.