Hudson Pereira é poeta e professor, autor de “A tempestade vem por dentro” e “Café Expresso e outros poemas”.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minhas manhãs são as de um professor comum. Acordar, me arrumar para o trabalho, tomar café e só. E mesmo em período de férias mantenho o hábito de acordar cedo. Gosto das manhãs para tarefas práticas e obrigatórias da vida, raramente há espaço para a literatura.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Depende da demanda. O trabalho de professor é período integral, o de escritor também e eles colidem. Quando estou escrevendo preciso de um mínimo distanciamento das outras atividades, por isso normalmente trabalho melhor à noite.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não existe regularidade, mas posso dizer que escrevo um pouco por semana, e não todos os dias, é tudo muito inconstante. Tem dias que simplesmente não vem e aprendi a aceitar isso, então não estipulo metas de criação, apenas deixo acontecer. Somente quando já existe um material em curso que eu começo a pensar em metas de revisão e ajustes. Eu reescrevo meus textos até à exaustão.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu mantenho um caderno a mão o tempo inteiro para as ideias e epifanias que me acontecem. Anoto frases, e às vezes somente palavras soltas que acabam desencadeando um poema. Há tantos temas presentes no meu processo e de formas tão inesperada que o mais difícil é peneirar o que é poesia e o que é irrelevante, pegar tudo que vem organicamente e trazer para o campo do literário. Eu uso muito o dicionário porque gosto de investigar as palavras, seus significados e possibilidades de uso, até mesmo para desobedecer a língua, é preciso se aprofundar nela.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Aprendi a respeitar os bloqueios, lutar contra eles é mentalmente cansativo e raramente garante algum resultado. Quando fico muito tempo sem escrever ou sem ter um projeto é doloroso porque a literatura move minha existência, mas respeito meu tempo e tento extrair dele o que consigo. Meu primeiro livro levou dez anos para ficar pronto, o segundo foi escrito em menos de um ano e os originais foram montados em oito horas antes de enviar para a editora. Por isso entendo que até a procrastinação teve seu valor, pois a pressão de organizar um livro em oito horas foi uma experiência muito interessante e extrema. Mas ainda prefiro o trabalho longo, e releitura e o tempo de distanciamento do texto, o que enriquece o processo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Incontáveis vezes. É uma queda de braço, uma luta corporal: quando o texto está forte o suficiente, ele me vence. Há poucas pessoas em que confio para mostrar meus textos, são outros escritores e também artistas de outras áreas, mas conto nos dedos tanto as pessoas quanto as leituras. Eu sou meu crítico mais ferrenho e acabo seguindo meu instinto.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo à mão na maior parte do tempo, é um hábito que mantenho porque acho importante para registrar a evolução do poema. Gosto de cadernos artesanais, de preferência sem pauta. Depois digito tudo e vou organizando em pastas. Quando percebo que existem poemas que conversam entre si, vou agrupando e assim começo um livro. Trabalho firme com a ideia de que um livro de poesia não é apenas uma seleção de poemas reunidos e sim uma obra que possua uma narrativa, uma identidade. Meu trabalho nasce de tantas fontes diferentes que preciso criar uma unidade para que eles se ampliem em significado.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Música, artes plásticas, notícias, política, sexo, a própria condição de escrever, tudo que permeia minha vida está presente no meu trabalho. Talvez o que eu possa chamar de hábito é buscar inspiração na palavra e buscar formas de dizer até o que não é dizível.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mudou pouco. Quando se é jovem, na busca de encontrar nossa voz, a gente escreve muito por instinto, e idealiza o desconhecido. O que muda é que entendemos que instinto sem conhecimento é um terreno arriscado demais. Eu não mudaria nada na minha trajetória, mas se pudesse me dar um conselho apenas diria: leia muito mais livros, reescreva mais os seus textos.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
No momento, estou no começo do meu terceiro livro e totalmente envolvido com ele, mas no futuro, quero, além da poesia, estudar e escrever dramaturgia. Os livros que quero ler são os dos poetas vivos, os dos poetas do agora, os que estão por aí, na mesma lida que eu.