Henrique F. Cairus é professor titular de Língua e Literatura Grega da UFRJ.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo conforme a necessidade alheia ou de trabalho na Universidade. De modo que não sou senhor do meu acordar. Jamais como ou tomo nada antes das 10 da manhã, porque não sinto fome nem sede até essa hora. Meu ritual de despertar se dá com um breve banho.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Escrevo quando tenho tempo e paz de espírito. Às vezes, isso se dá por momentos rápidos. Por isso, quando o sono permite, a noite é mais propícia para escrever. Mas nem isso é regra. Se tenho ritual não me dou conta, mas acho que se houver, é só para obter a paz mínima.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo quando possível, mas para cada linha escrita geralmente há muitas páginas lidas, e, assim, o tempo de escrita geralmente perde para o tempo de leitura que é mais exigente. A escuta é sempre mais exigente do que a fala.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Desde e o advento do computador, ouso mesclar anotações com a escrita que se pretende definitiva, e isso poque o computador o permite. Há algum tempo escrevo meus textos no google docs, sempre partilhando com outras pessoas que podem me ler em tempo real, intervir e me corrigir, mas quem tem tempo para isso? De sorte que escrevo sozinho, mas com a ilusão da companhia. Isso me agrada. Também alimento a ilusão de que sempre posso voltar, corrigir, acrescentar, melhorar, mas vem a hora em que você tem de parir o texto e isso tem fim. Não é muito bom quando me dou conta de que não posso mais voltar. É sempre nesse momento em que eu e todas as pessoas começam a ver seus erros e incompletudes que não eram vistos antes.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Jamais tenho travas, mas também tenho de me policiar para não ser demasiadamente sintético. Ainda não encontrei o bom termo. Gosto de projetos longos. Só me dá ansiedade quando penso que posso não ter vida suficiente para terminá-los, mas passa logo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Tenho muita dificuldade de ler meus textos e de ouvir minhas gravações. Evito. Tenho de incomodar alguém para que leia o que escrevo, mas, como eu disse, quem é que tem tempo ou paciência para isso? Meus textos têm invariavelmente muitos erros. Tenho vergonha deles, mas são meus. Não posso exigir que alguém leia um texto meu que nem eu mesmo gosto de ler.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sou um rascunho permanente de mim mesmo. Por isso, trabalho muito bem com computador. Como eu disse, há algum tempo escrevo tudo no Google docs, partilhado com o máximo de pessoas, com a esperança de que alguém me corrija. Quem veio, como eu, da máquina de escrever, não pode senão amar escrever no computador. Ops… não: há casos de masoquismo saudosista e de saudosismo masoquista. Escrever à máquina tinha, sim, um certo romantismo, mas francamente…
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Penso que a gente sempre escreve por provocação. É uma regra da qual só escapam os grandes gênios criadores. Eu escrevo por provocação. Algo que vejo, que leio, que percebo e que me exige uma reação: é isso que me faz escrever. Coloco minha formação de classicista a serviço dessa reação, dessa vontade de endireitar o torto. A provocação pode ser algo grande, como racismo, por exemplo, ou pode ser uma coisa menor, como uma difamação ou negligência literária. A ausência da palavra, a negligência, também me provoca muito.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
No meu processo de escrita quase nada mudou. Talvez ele esteja um pouco menos romanticizado. Na minha juventude, eu montava, às vezes, um cenário para escrever (e à máquina). Isso acabou há muitos anos, mas nada além disso. Quando eu volto aos meus textos do começo da década de noventa, penso que gostaria de voltar a escrever daquele jeito, mas pensar como hoje. Acho que é assim mesmo; faz parte. Melhor conformar-me.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Estou gestando um livro que quero escrever, um segundo volume do meu último livro (A natureza degenerante). Pensei em chamá-lo de “A raça degenerada”. Mas estou decidido a não escrevê-lo sozinho, porque a coautoria me dá muito gosto.
Estou satisfeito com os livros que existem, mas ficaria feliz se houvesse um livro de história da teoria e da crítica literária, feita por alguém de Letras em parceria com alguém da área de História. Mas isso não é urgente. Um bom léxico de termos filológicos, literários e retóricos é algo ainda por fazer. Havia o Projeto do Prof. Ceia, mas está parado há muito tempo e ficou incompleto. Isso também não é urgente, mas é mais importante. Um manual de métrica vernácula revisto e atualizado faz falta. Mas o mais urgente mesmo são essas obras que vão amadurecendo e que vão tirando as máscaras várias que as formas violentas e opressoras de tomada e manutenção do poder vestem hoje mais do que nunca. É preciso escrever muita coisa que ajude a reduzir a eficácia desses disfarces perigosos, deletérios e extremamente ardilosos. Nenhum escrito até hoje, por exemplo, teve impacto suficiente em relação às questões ambientais, uma reivindicação absulamente premente da nossa contemporaneidade.