Helena Arruda é poeta, contista e ensaísta, autora de “Há uma flor no abismo” (Urutau, 2021).

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Todas as vezes em que tento organizar uma rotina de trabalho, algo sai do lugar e impede que esse acontecimento seja totalmente previsível, todavia, imponho-me alguns horários e regras em que me sinto confortável e mais apta para produzir: pelas manhãs e ao fim das tardes, de preferência todos os dias, com exceção dos fins de semana, que tiro para relaxar e ler o que não consegui durante a semana. Tenho sempre vários projetos acontecendo em concomitância, a exemplo do que vem ocorrendo com meu livro de contos, já o interrompi inúmeras vezes para dar à poesia o seu lugar: a ideia, a imagem, a palavra vêm e eu paro tudo para burilar aquela ideia, colocá-la logo no “papel” para não a perder. Daí quando dou conta, já tenho tantos poemas que cabem num novo projeto. A poesia me captura sempre. Ainda bem que ela me salva de mim. Ela sempre acontece junto com a prosa. Ela acontece como uma prece diária. Nunca consigo me dedicar inteiramente a um único projeto.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Antes eu não planejava muito, como falei na última entrevista que dei a você, mas, de uns tempos para cá, procuro focar muito no que quero. Eu havia iniciado o meu primeiro livro de contos e o interrompi também por querer concebê-lo de uma outra forma, com mais planejamento e mais calma. Não acho muito difícil a primeira (antes até pensava que era) nem a última linhas, o perigo está justamente na travessia, em alcançar o fim sem perder o propósito, em segurar no leme com firmeza para o barco não perder a direção. Então, quando venta forte, acho melhor ancorar e esperar passar a tempestade. Se me perco, paro até encontrar a bússola para me indicar um novo caminho, ou um caminho antigo com novas perspectivas.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Como eu disse anteriormente, a rotina muitas vezes é quebrada por acontecimentos cotidianos, todavia, estou começando a tentar seguir uma rotina sim, melhor dizendo, procuro escrever nas horas em que rendo mais, em que minha cabeça está pensando melhor, está mais desperta (durante as manhãs e fins de tarde e também à noite, a depender do cansaço).
Desde que li Um teto todo seu, da Virgínia Woolf, e faz muito tempo, vi que era necessário ter um lugar, um espaço todo meu para produzir, para estar em paz e em silêncio. Consegui a duras penas construir esse lugar só meu, onde o silêncio só é quebrado pelo ronronar dos gatos e pelos pássaros, ou pelo carteiro me trazendo livros. Moro no meio do mato, por escolha.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travada?
Não acredito que haja técnicas pré-concebidas para lidar com a procrastinação, que é algo tão individual quanto existencial. Se for para dar uma pequena dica (que estou trazendo para minha vida), eu diria, rompa com aquilo ou com aqueles que não lhe deixam trabalhar, que não lhe fazem bem. Ache uma nova fórmula, busque o que lhe dá prazer, o que lhe dá tesão de continuar: novos temas, novas pessoas, novas propostas, novos editores etc., a depender do caso de cada um/a. Na verdade, procrastinar faz parte do processo de qualquer pessoa, especialmente de escritores, porque lidar com as narrativas internas não é fácil. Há muitos fatores que nos levam à procrastinação. Um deles é a desmotivação gerada por fatores exteriores a nós, e não são poucos. É aí o ponto de virada, de rumar para novas propostas.
Eu, por exemplo, procrastinei esta entrevista até que meu novo livro de poemas fosse lançado. E graças a Editora Urutau, ele está aí, vivo, bem-nascido, com uma concepção de capa e diagramação sensacionais, uma joia bem lapidada, eu diria, como são todos os livros da Urutau. Há uma flor no abismo – nome com o qual o batizei (na outra entrevista estava com o nome provisório de A mulher habitada, que mantive apenas num dos poemas do livro) – foi gestado entre os anos de 2019 e 2021 e ficou em suspensão dentro de mim, até que o enviei ao Tiago Fabris Rendelli que o acolheu de pronto. Resolvi meu problema de procrastinação desde que decidi internamente que enviaria o livro a alguém que levasse meu sonho adiante, sonhando-o junto comigo, e a Urutau fez isso de forma pontual, em todos os aspectos.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
Nenhum texto é igual, mas hoje, me orgulho muito dos meus três últimos livros: Corpos-sentidos (Editora Patuá, 2020), Identidades em fuga: personagens-escritoras no romance brasileiro do século XXI (Editora Urutau, Selo Margem da Palavra, 2021), que foi selecionado num concurso da Editora e, por fim, o livro que é o meu xodó, porque acho que minha escrita amadureceu muito, Há uma flor no abismo (Editora Urutau, 2021), editado no fim do ano passado e lançado em 2022. Retomando a pergunta, o livro mais trabalhoso foi o acadêmico, porque foi fruto de quatro anos de pesquisa do meu doutorado na UFRJ.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém uma leitora ideal em mente enquanto escreve?
Como estou ainda trabalhando no meu livro de contos, mas com um romance em vista, o tema e/ou temas são aqueles que me dão prazer, que me sinto mais próxima, temas com os quais tenho condição de dialogar, mesmo que sejam doídos. Atualmente, com o amadurecimento da minha escrita poética, penso sempre num fio condutor, alguma temática que atravessará o livro.
Quanto à leitora (não sei se ideal) está sempre em mente, porque se enquanto leitora eu não gostar do que escrevo, como imaginar que outras pessoas gostem? Não há como desvincular a escritora da leitora que sou.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Acho que só me sinto segura para mostrar meus manuscritos se o livro já está com a minha cara, ou seja, se já imprimi meu estilo e já caminhei no texto de forma que sei em que lugar quero chegar na narrativa ou na poesia.
As pessoas que lerão meus manuscritos, em poesia ou prosa, serão escritores em quem confio e acredito no trabalho. Também aquelas ou aqueles em quem confiarei os paratextos, por exemplo.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Escrevo desde a adolescência, mas só pude me dedicar à escrita bem recentemente, de 2014 para cá. Publiquei em 2014 e 2016, depois fiquei três anos sem publicar, até concluir meu doutorado. Daí publiquei um livro em 2020 e dois livros em 2021. Tenho mais um livro pronto que pretendo publicar ainda este ano e pretendo parar tão cedo.
Quando a gente inicia de forma crua e até um pouco crédula, pelo menos comigo foi assim, eu não sabia quase nada do funcionamento do mercado editorial, nem tampouco das editoras. Fui aprendendo com o tempo e com os tropeços. Continuo aprendendo.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
Acho que meu estilo ainda está em andamento, nada é próprio, tudo é mimese desde sempre, pois muitas são as influências, inclusive as influências ficam lá, escondidas no subconsciente ou no inconsciente, e, sem que percebamos, elas vêm à tona, fruto do que aprendemos, lemos, pensamos e vivenciamos. Com a literatura não seria diferente, contudo, sempre há aquelas e aqueles que nos influenciam mais, porque apreciamos mais a sua obra. Há muita gente que admiro muito na literatura clássica, brasileira e estrangeira, e na literatura contemporânea, brasileira e estrangeira. Nos últimos anos, tenho me dedicado muito à leitura de poetas e ficcionistas contemporâneas/os.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Não consigo escolher apenas um.
Todos os livros de Clarice Lispector, por exemplo, especialmente A paixão segundo GH.
Os poemas de Antonio Gamoneda, Alejandra Pizarnik, Orides Fontela, Louse Glück, Hilda Hilst (prosa e poesia), Drummond, Adélia Prado, Olga Savary, Marina Tsvetáieva, Neruda, Bolaño, Quintana, Marguerite Duras, Virgínia Woolf, Cortázar, Mario Benedetti, Gonçalo Tavares, Octavio Paz, Elvira Vigna e mais uma infinidade de escritores geniais.