Heidi Gisele Borges (Celly Borges) é escritora de literatura juvenil e de horror.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
A minha rotina é sempre não querer sair da cama. Amo dormir! Todos os dias levanto às 5h para soltar o Anakin, meu gato, e quando não consigo voltar a dormir pego o celular para anotar ideias e até capítulos inteiros da história que estou trabalhando. Geralmente saem boas ideias assim, quando estou sonolenta. O normal é eu ir direto para o trabalho – que é no escritório ao lado do quarto mesmo. E isso é uma grande vantagem, posso ficar de pijama o dia todo. E eu fico. Aí começo meu trabalho de revisão de textos da Editora Estronho ou de autores independentes.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho uma hora específica. Quando estou animada com um trabalho tento escrever pelo menos um pouco por dia, seja no celular ou direto no computador.
Durante a escrita – e todo o resto do tempo – escuto muito rock alemão. Quando estou travada escuto Dreamer, do Ozzy. Sempre funciona. Ozzy é uma grande inspiração.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho meta. Metas para escrever podem me esgotar ou limitar. Escrevo um pouco por dia. Mas gosto de ver em quantos caracteres estou e em quantos termino naquele dia por brincadeira. Prefiro apenas contar a história quando ela pede pra ser contada.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Preciso sempre ter a ideia geral pronta com um final (ter o final é muito importante). Então, quando tenho uma ideia, preciso desenvolvê-la de uma forma bem simples, em uma ou duas páginas, como um roteiro. Mas não me limito a esse resumo. Ideias surgem, o final vai para outra direção… Os personagens criam vida e pedem outros caminhos.
Meu texto vira uma colcha de retalhos bem colorida. O roteiro é dividido em capítulos – que sempre aumentam – e desenvolvo cada parte conforme me dá vontade. Então hoje posso escrever o capítulo 1 e amanhã, o 2 ou o 15, porque a história que aparece lá na frente me chama para completá-la – é tudo bem doido, mas dá certo no final.
Não é difícil começar. Pode ficar muito ruim ou bom, depois é só voltar e arrumar, melhorar. O importante é escrever. E nunca ter medo de cortar. Não adianta apenas jogar ideias no papel e depois querer usar tudo numa salada sem sentido apenas para o livro ficar com 300, 400 páginas. Uma novela bem escrita é muito melhor do que um romance apenas porque é longo.
Os autores precisam encontrar a sua forma de escrever. Isso é algo muito importante. Cada um funciona de um jeito e seguir fórmulas de outros autores muitas vezes pode ser perigoso para o processo criativo. Eu percebi na prática que essa maneira é a melhor para mim.
Bem, leio bastante e o tempo todo, então quando as ideias vão se formando, já direciono a leitura para o que fizer mais sentido, para o que eu preciso para a minha história.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu funciono bem sob pressão. Isso pode ser uma coisa boa, ou não. Comigo dá certo. Aconteceu com meu livro “O menino que perdeu a magia”. Uns três meses antes da publicação o editor Marcelo Amado disse que ele seria lançado na Odisseia de Literatura Fantástica! Então meu foco se tornou “O menino” e foi muito bom trabalhar nele todos os dias, reler e cortar e mudar, acrescentar com as dicas dos primeiros leitores.
No começo a gente pensa muito no que os leitores vão achar, mas “O menino” eu escrevi exatamente o que eu queria.
Eu já tinha parte dessa história (a colcha de retalhos que falei acima) e tenho certeza de que se tentasse terminar e publicar antes do tempo que foi publicada, não teria saído como eu queria. Fiquei extremamente feliz com o resultado.
O mais interessante de tudo é que muitos adultos me mandaram mensagens dizendo que choraram ao ler essa história. E, claro, fiquei emocionada demais.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Releio muitas vezes. Até não aguentar mais vê-los na frente por um bom tempo. Sempre mostro para algumas pessoas que confio muito na opinião. Peço para que não tenham pena de mim.
Esse trabalho de leitura crítica é muito importante. E é algo que todos os autores precisam ter em mente como o básico. Não adianta que o melhor amigo só elogie e nunca aponte os erros – porque eles existem! Ninguém escreve a grande obra na primeira tentativa.
É um respeito ao leitor que o texto esteja perfeito. Não digo que todos gostarão, pois gostos são diferentes e esse é outro ponto que precisa ser respeitado. Mas os autores devem ter em mente que um texto bem escrito, coerente é o mínimo que se pode oferecer aos seus leitores.
Fico muito decepcionada quando leio histórias que mostram a falta de cuidado na revisão, na estrutura. Trabalho com leitura crítica e revisão de textos, principalmente de autores independentes, e há autores que me contratam e não aceitam o que aponto para eles. Não sou tirana – não muito –, mas esse trabalho também é um respeito ao leitor. Precisamos encarar a escrita como uma profissão séria e que alguém vai ler o que escrevemos e que quer ser respeitado.
E é bom lembrar que o próprio autor nunca pode fazer esse trabalho de revisão final. Se ele quer mesmo ter um retorno positivo precisa contratar um bom profissional.
Outra dica que dou aos novos autores é ler muito, ler de tudo e, principalmente, sempre ir em busca de melhorar seus textos. Há muitos livros que ajudam nisso.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Gosto de escrever no caderno algumas partes, quando estou longe do computador ou do celular e surge algo importante.
É interessante recordar que meu primeiro conto de horror foi escrito numa Olivetti portátil. Coloquei um rolo de papel de fax e fui escrevendo. Isso foi em 2005, talvez… Sou péssima com datas.
A tecnologia ajuda muito. Pesquisas e dicionários, tudo na outra janela para ajudar. É só querer melhorar sempre.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Amo escrever para crianças. E amo ler livros juvenis.
Minhas histórias juvenis sempre têm muitas partes escondidas ali e aqui que remetem a livros que gosto. Em “O menino que perdeu a magia” tem Douglas Adams, Michael Ende, Jostein Gaarder etc. É interessante ver os leitores descobrindo cada parte.
Os contos de horror geralmente são muito mais inspirados em músicas do que em outros livros. Alguns amigos brincam que eu escuto uma mesma banda por vários e vários dias. Mas é daí que vem a inspiração.
Para manter a criatividade sempre leio muito. Nunca estou sem ler um livro – ou três, o que é mais comum. Tudo pode nos dar ideias. Por isso é importante perceber o ambiente, o que acontece em volta de nós. Às vezes um detalhe desperta algo para uma grande história, ou fica guardado lá num cantinho e de repente cabe juntinho naquela parte do conto…
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita dos seus primeiros textos?
Olha, eu adoro aquele primeiro texto que escrevi à máquina, mas já o revisei depois de um tempo, claro. Ele era um tanto amador. Acho que eu adorava um gerúndio naquela época.
É interessante voltar no tempo e ter certeza de que melhoramos. Isso é uma grande vitória, pois o trabalho todo compensa. E volto ao respeito ao leitor. Mesmo que eu goste muito do primeiro texto, ele não estava bom para ser publicado – a sorte que foi num livro apenas para os próprios autores dele.
Há muito material para pesquisa e sobre escrever, então quanto mais lemos e estudamos, melhor nosso trabalho fica.
Se eu voltasse no tempo diria para escrever sempre mais. Durante um tempo eu fiquei parada, talvez isso me ajudasse ainda mais hoje.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O livro que eu gostaria de ler é um romance da ópera-rock do The Who, Tommy. Um sonho de anos! Mas gostaria de ler também histórias bem contadas de autores independentes, que eles parem de ter medo e que mergulhem em pesquisa e não queiram publicar logo que terminam de escrever.
Quanto ao projeto, adoraria escrever um drama, algo tocante e bonito. Tenho algumas ideias, mas o meu foco no momento é a literatura juvenil e de horror.