Gustavo Bernardo é escritor e professor de teoria da literatura na UERJ.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo cedo e vou andar por uma hora – antes, ia correr, mas meus joelhos não deixam mais. Depois do banho, sento no computador para passear pelos jornais. Só aí começo a escrever, ou a revisar, ou a reescrever – de preferência, todo dia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Pela manhã. Meu ritual é ver os jornais na tela e me indignar mais um pouco, para só então começar a escrever.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo um pouco quase todos os dias. Não tenho meta diária, tenho vontade diária de escrever.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Nunca é difícil começar, difícil é terminar. Há um momento, ainda no meio da pesquisa, que preciso já esboçar um sumário e começar a escrever, normalmente a partir do primeiro capítulo mesmo. A partir daí, pesquisa e escrita se misturam e às vezes se embolam um pouco.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não sei se “lido”. Não acredito nem em dom nem em missão, logo, escrevo porque quero e porque preciso. Gosto especialmente de projetos longos, alternando longos ensaios acadêmicos com romances. Sinto até que correspondo bem às expectativas dos outros, só não consigo corresponder às minhas próprias expectativas. Ainda não cheguei perto de escrever a obra-prima que persigo há uns 50 anos, 12 romances e 14 ensaios…
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Perco a conta de quantas revisões faço em cada texto. Recomeço ene vezes. É normal jogar fora os primeiros capítulos. Não é comum mostrar meus textos para as pessoas antes de publicá-los. Entretanto, no romance que finalizo agora, chamado “O fantasma da mãe”, estou pedindo a leitura crítica de quatro amigos, dois homens e duas mulheres. Variar o método sempre é bom, para qualquer método.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu passei por todas as tecnologias, do lápis e borracha ao notebook. Com 17 anos, tirei diploma de datilógrafo, que as novas gerações, como a sua, nem sabem o que é. Datilografava direto meus textos, mas não me apeguei à máquina de escrever. Fui um dos primeiros a comprar computador no Brasil — passei por todas as versões do DOS e, depois, do Windows. Rascunho e escrevo direto na tela.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Não me preocupo em ser criativo. Preocupo-me, antes, em dizer NÃO à realidade, assim mesmo, em caixa alta. Daí, tenho sempre que inventar algo e alguéns, os personagens, para pôr no lugar. Meus hábitos são os profissionais. Leio muito, assisto a muitos filmes, dou muitas aulas — sobre literatura, claro.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Recebi críticas muito boas e também críticas negativas. Estas últimas tendiam a lamentar o meu lado piegas. Em menor número, criticavam o meu didatismo. Com o tempo, entendi que estas eram as minhas melhores qualidades: a pieguice e o didatismo. Quero sempre escrever o livro que eu queria ler quando era adolescente.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Meu atual projeto, o romance de que falei, já está perto dos finalmente. Começo a esboçar um ensaio sobre o crime na ficção. Aliás, ler regularmente romances policiais e ficções de crime é um ótimo antídoto contra a tentação de ficar “besta” que todo professor tem. Chegou a hora de escrever sobre isto.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
As ideias para um novo livro ficam “rolando” na cabeça por um bom tempo, normalmente vários meses. Nesse período, evito fazer anotações, para ver se as ideias “pegam”. Quando o projeto começa a se tornar algo parecido com uma obsessão, começo a planejar os capítulos e a própria escrita. Depois de algum tempo planejando, que pode durar dias ou meses também, depende do livro, começo a escrever — quando deixo fluir a escrita, assistindo meio de camarote quando a escrita desobedece o planejamento, o que acontece várias vezes. A primeira e a última frase são igualmente difíceis, tanto que faço trocentas versões de cada uma.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Acordo cedo e vou andar um pouco. Quando volto, tomo banho e sento na frente da tela para digitar, todas as manhãs — ou quase. À tarde, vou trabalhar na universidade. Nos fins de semana, não costumo escrever, mas leio bastante. Normalmente, me dedico a um livro de cada vez — o que não impede que ideias para outros livros tentem se meter no meio do trabalho.
O que motiva você como escritor? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
Acho que tudo me motiva — ou me desanima —, porque escrevo desde criança e não me concebo sem escrever. Eu sou aquele que escreve, ponto. No entanto, nunca me apresento, nos formulários de hotel, por exemplo, como “escritor”, mas sempre como “professor”. Minha profissão, há quase 50 anos, é a de professor. Modéstia totalmente à parte, me considero um excelente professor — mas nunca sei se já sou um bom escritor. A cada livro, que digo, a cada página, as dúvidas me assaltam por todos os lados. Os leitores sempre precisam me dizer se, naquele livro, naquele romance, naquele ensaio, eu consegui fazer um trabalho minimamente razoável.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
As dificuldades são parte intrínseca da construção do estilo e do próprio estilo. Sempre foi difícil conciliar o professor com o escritor, porque o primeiro nega o segundo ao mesmo tempo em que o segundo nega o primeiro. Não à toa recebo críticas, às vezes veladas, às vezes mais explícitas, de que meus romances são um tanto ou quanto didáticos, enquanto que os meus ensaios acadêmicos “parecem um romance”. A saída que encontrei foi a de incorporar as críticas ao estilo, radicalizando os supostos problemas: meus romances são cada vez mais didáticos e meus ensaios são cada vez mais romanceados. As dificuldades, então, viram vetores e soluções. Quanto a autor que tenha me influenciado, creio que vários me influenciaram, inclusive forçando-me a me distinguir deles, para não me tornar nenhum tipo de clone. De todo modo, presto reverência, principalmente, a Machado de Assis.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
Entre os romances, apontaria o primeiro, Pedro Pedra, e o último, que sai agora pela Globo, intitulado O fantasma da mãe. Os mais elogiados, no entanto, são Lúcia e A filha do escritor. Entre os ensaios, gosto principalmente de A ficção cética, A ficção de Deus, e o volume que estou escrevendo agora, já com um monte de páginas, intitulado Filosofia da ficção do crime. Agora, destacar o que mais gosto neles e por quê, é complicado. Na hora em que tentar escrever isto, as coisas vão se inverter: vou desgostar do que gostava e gostar do que não gostava! É melhor deixar os leitores exercitarem o seu próprio gosto.