Guilherme Giesta Figueiredo é historiador, professor e escritor, autor de Trópico de Capricórnio.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
A primeira coisa que faço quando acordo é olhar pela janela e ver como está o dia. Dependendo da visão isso afeta muito como irei passar as próximas horas. Um dia frio e nublado me convida mais a ficar introspectivo e consigo focar melhor nas tarefas que tenho que fazer. Um dia ensolarado e quente me dá mais ânimo para sair e buscar influências no cotidiano exterior à minha casa. Tomo meu café, leio as notícias do dia, respondo mensagens, vejo os e-mails. Não gosto de fazer nada pela manhã na verdade. Quando faço, é por motivos de força maior e tento tirar o maior proveito desses momentos.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Meu horário de trabalho predileto é de madrugada. O cenário é convidativo pra trabalhar, é silencioso, quase não há distrações e a cacofonia da madrugada é inspiradora, pelo menos pra mim. Não é o horário mais saudável e a conta sempre chega no dia seguinte, mas ainda não consegui me adaptar a outro horário. E acredito que não tenho rituais de preparação para a escrita. Acho que a única coisa que faço que possa ter certa ritualística é sempre estar tomando algo enquanto escrevo. Seja água, café, vinho ou qualquer outra coisa. Preciso algumas vezes recostar na cadeira com a bebida na mão e reler o que acabei de escrever. Assim como na minha escrita não gosto de me apegar a certos “vícios” ou manias que me “engessam”.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Um pouco dos dois. Todos os dias algumas escritas já começam a se formar. Seja na minha cabeça em formas de ideia, seja em frases que decidi anotar, seja numa cena que vi do outro lado da rua. Minha escrita acontece praticamente 24h por dia. Mas, o ato de escrever e organizar todas essas influências, símbolos, cenas, frases e sinais, eu prefiro fazer em períodos concentrados. Quando vejo que tenho muitas referências se acumulando sei que é hora de sentar e escrever.
Eu não me imponho metas. Tem semanas que escrevo três ou quatro poemas, tem semanas que escrevo apenas um e já tive semanas que não escrevi nada. Mas, quando são os outros que me impõem uma meta eu simplesmente adoro, encaro como um desafio e tento montar o texto com o que tenho de referências. Nada mais motivador que um prazo a ser cumprido.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Como falei anteriormente, eu absorvo muitas coisas ao meu redor, essas coisas eu trato como influências e vão ser os materiais com os quais eu irei escrever um texto. Existe uma frase de um cineasta que eu gosto muito, chamado Jim Jarmusch, onde ele exalta a importância da influência, desde filmes antigos, filmes novos, músicas, livros, pinturas, fotos, poemas, sonhos, conversas aleatórias, arquitetura, pontes, placas, árvores, corpos d’água, luz e sombras. Tudo é material para a escrita, e uma vez que eu já estou cheio de materiais, sei que é então a hora de usá-los. Gosto de comparar o escritor com o pintor, ambos fazem arte com diferentes materiais. Se o pintor deseja desenhar um pôr do sol, provavelmente ele vai usar das cores quentes, se o escritor quiser escrever sobre o pôr do sol, ele deve saber quais são suas cores quentes. Lembranças da infância? Uma tela de Kandinsky? Here Comes The Sun? Tudo isso pode ser as cores quentes do escritor. Este processo pra mim não é tão difícil de ser realizado, muitas das vezes é até intuitivo e o fluxo de influências discorre bem na construção final do texto.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Nestes casos os prazos ajudam muito. Seja um edital para um revista ou um texto a ser publicado num site com dia e hora marcados. Mas, claro, travas acontecem sempre, bloqueios criativos ou uma autocrítica desmedida sobre mim mesmo. O que me ajuda muito nesse momento é conversar com outros escritores e ver os processos deles, suas manias, suas inspirações e como também eles lidam com essas travas. Às vezes travo lutas de horas e horas com o computador para escrever algo que já estava bom. Então, essa é outra tática que tento adotar, todo texto é genial e medíocre em certos níveis. Escrevo, não gosto, espero algumas horas passar, vou no mercado, vejo o episódio de um seriado e depois volto. Todo texto que escrevo é parte de mim mesmo, logo é um movimento dialético entre o ‘eu’ escritor e o ‘eu’ que está escrito, algumas vezes esses dois ‘eus’ não concordam muito e acabam se desentendendo. É preciso paciência com a escrita, mas não posso me dar ao luxo de desgostar do que escrevo, deixo isso pra quem me lê. O escritor é um trabalhador como qualquer outro que tem que bater o ponto e pagar as contas. Para escrever não é preciso uma iluminação divina ou epifanias. Trata-se de juntar bem as palavras, só isso.
As expectativas e ansiedades na minha visão devem ser mais auxiliadoras do que travas. É maravilhoso trabalhar em projetos longos e complexos. Ansiedade é normal, e significa que eu estou animado com aquilo, mas busco usar isso a meu favor. E a expectativa é algo muito ambíguo ainda para mim, as vezes penso alto demais e a realidade tende a ser outra. Longe disso ser um problema só na escrita, na verdade. Por outro lado, gosto de certas expectativas porque sei que posso alcançar determinados objetivos com minha escrita. Todo escritor é um pouco vaidoso e não sei se consigo fugir um pouco disso.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu gosto de revisá-los umas duas vezes. Geralmente quando escrevo um texto eu espero uma semana para revisá-lo, depois reviso uma última vez antes de publicá-lo. Quando o tempo é curto e não tenho essa uma semana para revisão, geralmente a faço no dia seguinte. Gosto de me distanciar um pouco no tempo entre a produção e a revisão. Enxergar o texto com olhos diferentes. Nem todos os textos eu mostro para outras pessoas antes de publicá-los, não gosto de fazer isso com poemas por exemplo. Já outros textos eu envio para uns dois leitores diferentes e depois da crítica deles faço as revisões necessário ou não.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu alio bem as duas formas de escrever. Para as influências e pesquisas eu gosto de escrever tudo no papel. Os caderninhos ficam sempre a postos para isso. Gosto de anotar coisas que vi e que senti. Gosto de rabiscar, desenhar e fazer perguntas a mim mesmo. Para isso, o papel é indispensável. Agora, quando vou organizar todas essas informações para construir o texto, prefiro fazer no computador. A tela em branco do computador com o cursor piscando é o convite ideal para costurar todas as ideias numa coisa só.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias vem das pessoas. De qualquer pessoa. Das que eu convivo, das que eu não convivo mais, das que eu não conheço, das que não existem e de tantas outras. As pessoas, o que elas fazem, produzem, dizem e tudo mais. São elas que no final fazem as coisas acontecer e são daí que minhas ideias proliferam. Meu hábito principal para cultivar a criatividade e consumir mais arte. Ler é fundamental. Ler outros autores e diferentes gêneros, diferentes nacionalidades e diferentes objetivos com a escrita, isso é muito inspirador e sempre me recarrega criativamente. As outras artes são fundamentais também nesse processo. Uma tarde num museu ou algumas horas no cinema fazem toda a diferença no processo de se manter criativo. E acredito também que é possível buscar a inspiração em nós mesmo para a criatividade fluir. Muitas vezes gosto de lembrar da infância onde eu brincava com meus brinquedos e as narrativas sempre fluiam, era sempre muito fácil e não necessariamente precisava de certa originalidade, a intenção ali era se divertir, acredito muito nessa despretensão como forma de criatividade. Deixar que a entropia seja o guia da criatividade.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Maturidade. Minha escrita amadureceu com os anos. E essa maturidade nasceu da aceitação do que é minha escrita. Acho que antes eu tentava escrever da mesma forma que outros autores, o que obviamente não dá certo. Hoje eu pego um texto que escrevi e me vejo ali, vejo o motivo de ter escolhido determinadas palavras, vejo alguns vícios e marcas minhas. Antes eu não conseguia ter essa noção, eu enxergava alguém se forçando a escrever de uma maneira que não era a melhor pra ele. É um processo gradativo e que requer uma autocrítica sincera. Outra mudança que eu percebo também é justamente a questão da crítica. Nós escritores somos os primeiros críticos de nós mesmos, e isso nem sempre é bom, às vezes pesamos demais a mão na crítica e matamos a paixão. Aprendi a pegar leve com isso, alguns textos são melhores que outros…Paciência.
Eu acho que não diria nada a mim mesmo. Sou historiador, e sempre enxerguei o historiador como um fantasma que consegue ir ao passado mas não consegue falar com ninguém nem interagir com ninguém. Acho que se não fosse o caminho que percorri eu não teria chegado onde eu cheguei.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu tenho vontade de escrever um romance. Hoje escrevo somente poesia, e me encontro perfeitamente bem nessa zona de conforto. Mas, um romance seria um verdadeiro desafio para mim. O livro que eu gostaria de ler e não existe é a autobiografia da minha família. Ler as mesmas histórias várias e várias vezes por diferentes olhos, descobrindo cada segredo ou “não dizeres” que guardamos, tudo isso numa experiência bem intimista.