Guilherme Cavallari é escritor.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minha produção literária mescla, além de escrever, intensa atividade esportiva, mais pesquisa. Minha rotina muda conforme o momento do projeto. Se estou me preparando para uma grande expedição, que vai gerar um novo livro, treino quase todos os dias pela manhã. Caminho forte, subindo as montanhas da região onde moro, pedalo mountain bike aqui pela Serra da Mantiqueira, faço exercícios com peso ou alongamentos. Assim vai a primeira parte das manhãs. Na segunda parte, costuma ler e pesquisar sobre o tema de meu próximo projeto. Quando estou na fase de escrever, propriamente dito, continuo fazendo treinamento físico pela manhã, depois sento na frente do computador e escrevo, reescrevo, corrijo, edito.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Como expliquei acima, o ritual é o treinamento físico matinal, depois do café da manhã. Não consigo enxergar um momento do dia em que estou mais inspirado ou mais concentrado. Sou uma pessoa diurna, então paro de trabalhar com o por do sol. Acordo cedo, então o dia rende. Tem dias em que consigo produzir volumosamente, noutros dias reviso e reescrevo uma mesma página repetidamente. Não tenho muito contato com outros escritores, infelizmente, portanto não sei dizer o que poderia ser considerado “normal” ou “mais comum”, mas tenho a impressão que sou relativamente bem concentrado e produtivo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não funciono com metas. Sou regrado, sento todos os dias pra escrever e fico concentrado. Digo que “fico à disposição” da escrita. Alguns dias flui mais, noutros flui menos. Mas meu método é sentar todo dia pra escrever. Às vezes paro pra pesquisar, ler um artigo, um verbete, um livro, ou reler algo já lido que cabe no momento da redação. Esse intervalos podem durar em alguns casos dias.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Durante minhas expedições, faço diários regularmente. Volto dessas longas viagens com vários cadernos preenchidos. Eles são a base de toda minha narrativa. Os exertos vêm dos muitos livros e artigos lidos, às vezes antes das expedições, às vezes depois, já durante o processo de escrita. Mas, não seria exagero dizer que meus livros são escritos, primeiramente, nas viagens. O trabalho de redação do livro muitas vezes é apenas reescrever os que já foi escrito nos diários de viagem.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Tenho perfil de atleta competitivo de alta performance. Desde criança fui doutrinado a ter disciplina. Escrever não é muito diferente, no sentido da entrega, aos treinamentos esportivos que ocuparam grande parte da minha infância e juventude. Inclusive, penso que é preciso bastante preparo físico pra sentar oito a dez horas por dia na frente de um computador totalmente imerso e concentrado. Sem esse preparo físico, não acredito que conseguiria escrever do jeito que escrevo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Escrevo e reescrevo incansavelmente, compulsivamente. Jogo fora capítulos inteiros se não fico satisfeito com o resultado. Tenho revisores que leem meu material quando considero que está pronto. Sou meu próprio editor, então tenho por hábito fazer leitura crítica do meu próprio trabalho com o máximo de isenção. Obviamente, isso não é seguro, mas consigo fazer boa autocrítica. Depois da revisão, que acontece tanto na ortografia, estrutura, ritmo e conceitos, reescrevo o que acho necessário. Não tenho leitores voluntários que leem meus textos antes da publicação.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Só uso o computador, desde o começo. À mão, escrevo apenas meus diários de campo. Escrevo muito em expedições, pelo menos uma hora por dia, todos os dias. Goto de escrever à mão, mas quando estou redigindo os livros prefiro o computador, sinto que a estética das páginas digitadas fica mais próxima do livro pronto, o que me ajuda também a entender se o ritmo está bom. Associa o ritmo da narrativa com números de páginas também. Bons livros, na minha opinião, não podem ser muito curtos, nem muito longos. Não se trata de uma relação com a quantidade de páginas, mas com o conteúdo, o volume de informação em determinado espaço impresso. Acho difícil de explicar isso, mas sinto como se fosse uma espécie de fôlego. O leitor tem um fôlego, que pode variar muito de pessoa pra pessoa, mas tem limites de máximo e mínimo que consigo intuir. Tento permanecer dentro desse limites.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Como escrevo literatura de viagem e de aventura, as ideias são aquelas da realidade da jornada empreendida, das percepções que os locais suscitaram, das emoções sentidas. Tudo isso está transcrito em meus diários. Muita coisa eu revivo, na fase de redação, ao olhar fotos e filmes feitos em campo. A memória também ajuda muito. Quando escrevo eu revivo a viagem dia a dia, hora a hora. Junto dessa vivência vou também inserindo elementos da pesquisa histórica e cultural, além de conceitos que acho procedentes.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Sinto claramente que escrever também é um ofício, um artesanato, além de uma arte. Existe um elemento importante da técnica que vai sendo lapidada com o tempo, com o empenho, com a persistência no processo. No começo eu era mais intuitivo, talvez. Hoje a intuição tem embasamento prático, se alimenta da experiência. Meus primeiros textos eram mais errantes, no sentido de tentar várias coisas ao mesmo tempo à espera do acerto. Hoje, já entendi que certas abordagens, certas construções, dão certo. O segredo, atualmente, é não me repetir, tentar ser inovador, criativo, mesmo depois de tanto trabalho já executado.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Considero meus livros já publicados exatamente isso: textos que eu gostaria de ler e não encontrei no mercado. Considero esse como talvez minha maior conquista pessoal. Tenho vários projetos literários não executados, ideia que não sei se eu teria capacidade de executar. Isso, em geral, está relacionado com projetos de maior peso literário e menor peso aventureiro. Tenho por hábito não discutir ideias. Acho que as ideias não amadurecidas precisam de silêncio e segredo para fermentar. Só divulgo minhas ideias que ganharam ares de projetos.