Graziela Barduco é atriz, diretora, arte-educadora e escritora, autora de “Na Rima da Menina” (Versejar).

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Em geral, adoro dispor de vários projetos em andamento, ao mesmo tempo. Sou do tipo mais agitada e com a pandemia meu ritmo de trabalho acabou dando uma desacelerada, principalmente pelo fato de as atividades teatrais terem sido canceladas. Desta forma, mergulhei de cabeça nas atividades literárias, e como tenho esta necessidade de estar desenvolvendo várias coisas ao mesmo tempo, com a literatura não foi diferente. Recentemente também passei a integrar um coletivo formado por mulheres que produzem e difundem a literatura de cordel feminina por meio de diversas ações artísticas, o Teodoras do Cordel – Artevistas SP , com o qual tenho desenvolvido uma série de atividades relacionadas à literatura e às artes em geral, seguindo esta mesma premissa de estar envolvida em vários projetos concomitantemente.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Na maioria das vezes deixo fluir. Inicio um projeto e deixo irromper as ideias subsequentes. Eu acredito que finalizar é sempre mais difícil. A ideia inicial, em geral vem rapidamente, já que somos bombardeados por estímulos o tempo todo, de modo que encontrar um disparador para tanto não é difícil. Porém lapidar um trabalho até que fique adequado, satisfatório e apropriado, é sempre a parte mais difícil.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
O silêncio não é assim tão primordial, mas estar em um lugar confortável e agradável, ajuda consideravelmente, assim como respeitar o ritmo que cada trabalho demanda.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travada?
Eu percebi, há alguns poucos anos, que o mar me estimula demais a escrever e a “destravar” a escrita, quando me sinto mais enredada com alguma ideia. Me dei conta disto entre o período de uma pós-graduação em Interpretação para Musical e de meu mestrado em Artes da Cena. Neste espaço de tempo, fui visitar minha sogra na praia por diversas vezes, com artigos para terminar e entregar, e indubitavelmente eu conseguia finalizá-los por lá de forma muito rápida, contemplando o mar e escrevendo, como em um passe de mágica.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
Eu acredito que foram meus textos mais técnicos, como artigos científicos e afins que me deram mais trabalho. Minha dissertação de mestrado, que na realidade não é uma dissertação e sim um memorial descritivo e analítico de meu processo de criação teatral, me deu muito trabalho! Mas gosto muito do modo como ficou, porque mesmo sendo algo mais acadêmico, não deixou de ter uma atmosfera mais lúdica e poética, de forma que pude imprimir nele minha essência e meu estilo de escrita. Recentemente lancei um livro infantil intitulado “A Menina e o Pé” (pela editora Guismofews) e foi meu primeiro deste gênero literário. Eu gostei muito do resultado porque na realidade ele é uma adaptação do espetáculo mais recente da minha companhia teatral, que foi fruto do meu processo de pesquisa de mestrado. Estávamos a todo vapor com este espetáculo antes da pandemia e tínhamos muitos planos para continuar a circular com ele. Porém, nos vimos obrigados a suspender nossas atividades no início da pandemia. Eu fiquei muito angustiada porque é um projeto pelo qual tenho uma profunda paixão. Transformá-lo em livro foi uma maneira que encontrei de continuar a vivenciá-lo, transpondo-o para esta nova realidade na qual estamos inseridos.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém uma leitora ideal em mente enquanto escreve?
Na maioria das vezes as ideias brotam de alguma angústia ou inquietação. A partir deste “start”, deixo-as livres para tomarem os mais diversos rumos, até que desemboquem em algo que realmente valha a pena. Neste processo de fluxo de ideias, costumo me alimentar das mais variadas referências. Assim como vislumbro a ideia de poder abarcar os mais variados tipos de leitores. Não sei muito bem até hoje se isso se dá desta forma mesmo, sei que há diversos tipos de leitores que “consomem” minha arte, mas acredito que é mais uma ávida expectativa de poder ser lida por um público diverso.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Eu tenho o hábito de mostrar meus primeiros rascunhos para meu companheiro de vida, que costuma sempre me dar seu parecer antes de eu seguir com algum projeto. Tenho também o hábito de compartilhar com alguns amigos e amigas que também escrevem e que têm a ver com meu estilo. Sinto-me mais segura assim, bem como, se hesito com algo, em geral eles me estimulam a seguir em frente.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Eu digo que me descobri escritora em meio ao meu processo de pesquisa de mestrado. Na realidade eu sempre tive o hábito de escrever poesias, desde muito pequena, mas era sempre como uma espécie de desafogo perante as angústias com as quais me deparava. Durante o desenrolar do mestrado, que é um período muito intenso, bem como extremamente estressante, passei a escrever quase que desenfreadamente, como forma de alívio perante as angústias e demasiada ansiedade do momento em questão. Como acabei ficando com uma produção muito extensa (e intensa) ao final deste período, acabei decidindo publicar meu primeiro livro, o “Na Rima da Menina” (pela editora Versejar), além de passar a publicar em diversas coletâneas e antologias desde então. E daí por diante não mais parei. Na sequência veio meu segundo livro, o “Lutei Contra 100 Leões – Todos os 100 Eram Jumentos” (pela editora Feminas) e mais recentemente o infantil. Tenho alguns outros projetos em mente, porém como estou na reta final de minha gestação, passei a finalmente permitir-me desacelerar para curtir este que considero o momento mais sublime e especial de minha vida.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
Acho que a maior dificuldade é sentir-me aceita. Escrever é um ato de coragem, pois penso que você acaba por se colocar em uma posição de vulnerabilidade, de certa forma, por deixar-se desnudar por meio da exposição de suas ideias e de seus mais profundos pensamentos, ao mesmo tempo que você tem a possibilidade de se munir de uma intensa força e potência ao conseguir expender seus pontos de vista, e fazer-se ser ouvido. Penso que o estilo vem enquanto consequência deste permitir-se desnudar ao escrever, bem como consciência do processo o qual você escolheu engendrar e de como você escolheu esboçá-lo e tecê-lo. E em meio a esta imensa diligência que foi começar de verdade a escrever, não consigo escolher uma só autora ou um só autor que tenham me influenciado. Há um compêndio das mais variadas inspirações, vindo dos mais diversos tipos de escritores e escritoras, de modo que se escolhesse algum (ou alguns) para discorrer sobre e encaixar nesta titulação, eu certamente estaria por cometer certa injustiça ao acabar deixando de citar alguma (ou algumas) importante influência e referência para mim.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Durante a pandemia, acabei conhecendo muitas pessoas com as quais fui descobrindo muita afinidade, bem como tive a possibilidade de ler muitas pessoas interessantes. Uma delas foi uma educadora e escritora que acabou virando uma grande amiga. “O Amor e Outros Abismos” foi o segundo livro da Tamires Brayner que li (o primeiro foi “Mulher de Um Homem Só”) e eu fico simplesmente extasiada quando mergulho em sua escrita! Ela tem um jeito tão gostoso de conduzir o leitor que é como se deslizassemos pela trama, guiados pela cadência de cada frase, como que experienciando de forma ávida, cada situação por ela apresentada. Eu chego a sentir aqui comigo, cada respiro ou palpitação de seus protagonistas, de modo que, em determinados momentos, suas reações, escolhas, dissabores e desventuras acabam sendo quase que intrínsecos à minha alma. No mais, há em sua obra uma voz necessária, que quer fazer-se ouvida e, para tanto, perpassa o limiar da marginalização inerente ao contexto social no qual estamos inseridos, fazendo-se assim valer. É um grito de permanência em meio ao universo efêmero da realidade. E, com toda a certeza, é sempre um prazer deleitar-me com a poesia que repousa em suas tão eloquentes construções gramaticais.