Grazi Ruzzante é escritora, tradutora e professora de inglês.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minha rotina matinal muda de tempos em tempos, que nem tem gente que diz que é bom pro cabelo mudar de xampu de vez em quando, sabe? No começo do ano, eu fazia uma sessão de yoga e escrevia por uma hora antes de começar o trabalho como tradutora, mas agora já está diferente. Agora eu faço uma caminhada de meia hora pra tentar repor a vitamina D que perdi com a quarentena e medito antes de trabalhar, mas posso sentir a necessidade de mudar de novo. Acho que o mais importante pra mim é fazer algo que movimente meu corpo e minhas ideias, pra me lembrar de que minha vida não se limita só a trabalho, TV e cama.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu adoro escrever com um vinho e um jazz à noite, que foram o meu combustível pra escrever quase todo o “Antes Eu do que Nós”, meu livro que deve ser lançado pela Rocket Editorial em 2022. Mas ultimamente só consigo fazer isso em alguns fins de semana, quando me sobra energia no fim de noite. O café fica como um bom substituto se consigo escrever um pouco pela manhã, antes de começar os trabalhos de tradução. Mas nos dois períodos preciso de alguma música instrumental pra acalmar os pensamentos do dia e um tempinho pra escrita finalmente começar a fluir. Eu penso e repenso muito cada escolha de palavra, então acho que meu ritmo de escrita é um pouco mais lento.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevi um pouco todos os dias no começo do ano, mas agora estou escrevendo em períodos concentrados. Acredito que metas diárias não funcionam comigo, porque no final fico me cobrando de ter que escrever muito mais do que, de fato, escrevendo. Talvez dependa um pouco do que eu estiver escrevendo.
Nos 4 anos escrevendo o “Antes Eu do que Nós”, por exemplo, cheguei a passar 6 meses inteiros sem tocar na história, mas sempre carregando ela comigo de alguma forma. Escrevendo o “Querida Quarentena”, minha primeira noveleta, escrevi diariamente por 30 dias, mas às vezes mais palavras, às vezes menos, dependia de acordo com o momento em que a história estava.
Acho que o essencial pra mim é me sentir conectada com o que eu estou escrevendo naquele momento, seja pensando sobre isso no banho ou escrevendo no final de semana – isso se eu não estou exausta até no sábado e domingo e não fico encarando a página em branco por meia hora até finalmente entender que não adianta insistir muito.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu sou bem “arquiteta” na hora de escrever, mas acho que tanto planejamento pode me intimidar um pouco no começo. Por isso, eu prefiro começar a escrever sem base nenhuma, só com a primeira ideia, pra não perder aquele fio que vai conduzir todo o resto. Daí então eu parto para pesquisas e anotações, que daí vão gerando mais ideias pra continuidade do texto. Se eu travo de novo no texto, volto pra pesquisa, e assim por diante.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Tento sempre voltar pro meu desejo mais básico, que é escrever algo que eu gostaria de ler e me divertir no processo de escrita, por mais difícil que pareça de vez em quando. Entendo que algumas pessoas acreditam que o processo de escrita é dolorido, mas eu só me disponho a escrever histórias que me empolguem desde a primeira palavra escrita. Acho que a ansiedade chega justamente porque gosto muito das ideias iniciais e fico me perguntando se vou conseguir executar da melhor forma. A terapia e a meditação me ajudam bastante a voltar sempre a esse espaço mental quando bate a ansiedade.
Acho que é sempre bom lembrar também que o tempo de criação nem sempre é o tempo que a gente gostaria ou consideraria “ideal”. Quando é possível, tento respeitar meu tempo, não importa se isso signifique continuar escrevendo ou fechar o computador e assistir um novo reality show ruim (que eu adoro).
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Acho que reviso demais porque gosto de reler o que escrevi nas sessões de escrita anteriores para começar uma nova sessão, daí sempre acabo já editando também. Escrevendo o “Antes Eu do que Nós”, eu fiz muito esse processo e ainda revisei duas vezes o livro integralmente. Foi muito exaustivo e não tenho certeza se a qualidade realmente ficou melhor por conta disso.
Me forcei a me desapegar de tanta revisão com o “Querida Quarentena”, em que eu ia escrevendo e publicando um pequeno capítulo por dia, sem chance pra me revisar muito. Tenho aprendido aos poucos a deixar esse processo de revisão pro final, pra depois de receber as críticas de um amigo de confiança que também me ajuda na edição e revisão. Acho que, em média, tenho revisado meus últimos contos duas ou três vezes, quase sempre lendo em voz alta.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Geralmente só escrevo no computador com o Word, raramente algum textinho me vem em algum guardanapo ou caderno à mão. Mas gosto das anotações à mão. Quanto a textos mais longos, só no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As ideias podem vir de qualquer lugar, desde uma música, uma peça de teatro ou até um reality show. Acho que o mais importante é não me deixar levar pelo modo de produção acelerado que meu trabalho como tradutora exige (o que acontece de vez em quando, ainda assim). Pra manter minha atenção de forma bem intencional, a rotina de meditação, movimento, descanso e terapia tem sido extremamente importante pra mim.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Apesar de escrever em diários e blogs desde sempre, só em 2016 que eu comecei a escrever ficção. Eu simplesmente não acreditava que eu tinha criatividade suficiente para tanto. Lembro de pensar que eu estaria quase que mentindo para o leitor se escrevesse ficção, porque não conseguia ver como colocar minha verdade real em algo inventado. Desde lá, comecei a entender como colocar meu ponto de vista real em histórias ficcionais e percebi que a mesma criatividade está presente na ficção e não ficção, só que de formas diferentes. O “Antes Eu do que Nós” é minha primeira obra de ficção e surgiu exatamente assim, usando minhas experiências pessoais como base e depois extrapolando cada uma delas com pesquisa e imaginação. Sem dúvidas, eu diria a mim mesma para experimentar mais e me divertir mais com a minha imaginação, sem tanto julgamento.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu quero muito escrever um livro envolvendo a Fórmula 1, um esporte pelo qual me apaixonei durante a pandemia, e pilotos mulheres na categoria. Quero começar esse projeto justamente porque adoraria ler algo assim, que ainda não vi nenhuma mulher escrevendo aqui no Brasil.