Giu Yukari Murakami é escritora de fantasia e ficção científica.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Independente do horário que eu acorde o meu dia só começa com café ou qualquer líquido não gasoso que possua o elixir da vida chamado cafeína.
Como ainda sou do grupo de autores que tem um “trabalho que paga as contas”, minha rotina é necessariamente vinculada ao escritório, ou seja, zero disciplina. Às vezes muitas reuniões e prazos tornam alguns dias difíceis, em outros é mais tranquilo.
Sendo assim, na escrita, o que prevalece são pequenas metas diárias não específicas. Então, estabeleço, por exemplo, que irei escrever durante 30min/dia ou 1h/dia, dependendo do quanto de energia sobrar. Mas tento escrever todos os dias ou, ao menos, ler literatura que tenha relação com o que estou escrevendo.
Quando estou de férias do escritório, costumo escrever em blocos de horários diferentes, pois tenho dificuldades em manter o foco por mais de 2h. Costumo escrever de 25min a 25min, dou uma pausa, e continuo até dar 2h. Depois disso — e, às vezes, bem antes, na verdade —, meu cérebro começa a brincar em um parquinho de diversões alternando entre um carrossel, uma montanha russa e uma gangorra. Ou seja, o caos desenfreado que me leva a andar de um lado para o outro ouvindo música ou ver uma série ou ler um livro. Isso se repete, pelo que já notei, três vezes ao dia: de manhã, de tarde e de noite.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Normalmente o período noturno é aquele em que melhor desenvolvo a escrita e em que costumo alcançar as ditas 2h.
Meu ritual envolve café, em especial se for o bloco de escrita da tarde. Se não, meu único ritual é fechar todas as abas do computador para dar um visual limpo na minha vista e encarar o papel em branco com mais empolgação.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Devido à minha rotina, costumo escrever pouco todos os dias, mas se estou livre, escrevo muito em pouco tempo graças à empolgação e ao sentimento de que aquele tempo exíguo é… bem… exíguo. Isso gera uma combustão que me faz escrever bastante. Meu último romance de fantasia nipo-amazônica foi escrito durante o NanoWriMo de julho de 2020 e finalizei em quinze dias corridos. Acho que se houve três dias em que não escrevi foi muito.
Minha meta diária é de tempo: dedicar 1h ou 30min à literatura, seja escrevendo ou estudando.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Já notei que cada história pediu um processo diferente. Algumas em uma noite desenvolvi a escaleta das cenas principais e com isso já criei fôlego suficiente para escrever. Outras ficam maturando durante muito tempo, algumas até em anos, e nada de conseguir concluir as notas que considero relevantes. Mas em todas as ocasiões eu prefiro desenvolver pesquisas gerais prévias, principalmente quando envolve caracterização de personagem. Quando não, opto pela pesquisa durante a escrita quando já tenho a cena fechada.
Sobre cena fechada, devido à minha rotina (nunca sei se amanhã, por exemplo, vou conseguir escrever a história), eu comecei a desenvolver um mini-roteiro dos capítulos subsequentes — principalmente em novelas e romances. Então, ao final de cada capítulo existe uma notinha minha bem rudimentar informando à Giu do futuro que ela precisará escrever aquelas determinadas cenas. Aí cabe à Giu do futuro decidir se vai alterar ou não. Isso mantém a minha própria lógica narrativa enquanto escrevo. Tudo no Word mesmo, eu costumo me perder em programas que possuam muitos recursos.
Em se tratando de começos, noto que não tenho dificuldade em começar (não por esse motivo). Às vezes, terminar é que é o desafio.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu escrevo histórias longas há quatorze anos — desde os meus nove anos —, então, romances sempre são minha zona de conforto. A escrita, em si, é agradável para mim. O primeiro rascunho sempre é emocionante e empolgante. O pós-escrita é que me deixa um pouco ansiosa às vezes, pois sei das necessárias e pertinentes reescritas, edições dentre outros processos editoriais, mas nada que também não acabe me empolgando quando chega a hora de cada uma dessas etapas.
Sobre expectativas, aprendi que elas sempre existirão e nunca nenhuma história minha será o suficiente para agradar todo mundo. Durante muitos anos, dos meus nove aos vinte e um, meu ofício de escrita era solitário. Escrevia meus romances de fantasia sozinha, sem grupo de outros autores porque eu não conhecia. Nesse meio tempo escrevi vinte e sete romances, mas só quando o 26º (“Guardiões do Império – O Selo do Sétimo”) foi lançado, que notei essa imensidão que é o mercado editorial. Passei muito tempo travada, sem conseguir desenvolver nenhuma história porque achava que precisava me encaixar em cada expectativa e escrever sobre tudo e todes, quando na verdade eu precisava mostrar qual é a minha Voz e o que as pessoas poderiam esperar de mim. Permitir-me entregar quem sou e sobre o que escrevo — além dos porquês, que estão imbrincados na minha narrativa, — trouxe-me paz.
Isso, claro, não me isenta de tentar sempre corresponder ao que é certo. Enquanto uma pessoa com determinadas visões ideológicas e vivências próprias, procuro evitar estereótipos. Não se trata aqui de expectativas técnicas, mas sim de empatia e respeito à pluralidade de vozes e vivências que existem no mundo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso de duas a cinco vezes, sempre reescrevendo, mas a revisão do meu próprio texto não é o meu forte porque normalmente estou com leitura viciada já que eu quem escrevi. Sendo assim, gosto de contratar leitores críticos ou enviar para meus leitores beta para que possam dar um diagnóstico. Com suas análises e, caso necessária, da análise de leitores sensíveis, passo aos revisores gramaticais e só assim estarei minimamente à vontade para publicar meus textos.
Estes processos demandam muita paciência e organização financeira, mas sinto que valem a pena para minha própria autocobrança sobre como meu texto chegará aos leitores.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Antigamente, era à mão. Tanto que meu dedo indicador direito com o qual apoiava lápis, caneta e afins, acabou entortando com o tempo. Mas devido à praticidade e à ausência de tempo para passar do papel para o PC, hoje prefiro escrever no computador. Quando mais nova adorava transpassar do papel para a tela porque fazia com calma, apreciando cada reescrita, me dando sermões mentais pelos erros aqui e acolá, então, se eu fosse fazer com pressa hoje em dia, iria me sentir culpada e certamente não seria tão prazeroso como antes.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias são inconvenientes.
Elas vêm de todas as formas em todos os lugares em qualquer momento. Já parei de prestar atenção em aulas e reuniões inúmeras vezes — não com voluntarismo. No ônibus, no banho, lavando louça — por sinal, amo! —, até mesmo dormindo porque algumas histórias nascem de sonhos…
Acredito que minhas inspirações venham dos excessos de narrativas que consumo, em especial de animações. Costumo ler muito, ver muito desenho animado, ouvir muita música, passear pelas galerias de arte online na internet; observo bastante minha cidade — palco de muitas narrativas minhas —, quando como tento entender como a comida foi feita e o quão ela se conecta a mim…
Cada pequena exploração sensitiva me leva a ter ideias.
Além disso, desde criança eu amava contar histórias. Minha maior paixão é essa. Quando me contavam histórias bem pequena, eu interrompia para contar minha própria versão. Sempre amei o ato de narrar então tudo servia como ponto de partida. A diferença é que hoje em dia tenho mais noção de qual o ponto de chegada e qual sentimento ou mensagem quero passar.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Estou mais disciplinada e atenta às questões de mercado. São duas aquisições que considerei importantíssimas para minha carreira. Sair da minha caixinha pessoal não foi fácil, mas entender as engrenagens — ou se esforçar para entender —, despertou em mim um maior senso de profissionalização da minha escrita.
Antigamente eu diria para o Giu-chibi ter paciência. Hoje, um pouco mais madura, eu penso que mesmo se eu dissesse ela não me ouviria porque ela precisava sonhar, precisava desejar ser lida… Ela passava por umas coisas que exigiam esse idealismo. Talvez eu só a aconselhasse a procurar outros autores ou leitores beta. Sinto que ela foi uma criança/pré-adolescente/adolescente, solitária demais nesse ofício.
Posso dizer que não teria desenvolvido minha literatura se não fossem as grandiosíssimas pessoas que conheci desde 2017, ano de lançamento do meu primeiro livro. Escrever só é solitário no primeiro rascunho. Depois disso, é sempre bom e empolgante ter com quem trocar críticas e ideias. Uma pessoa que escreve não se cria sozinha, sem companhia.
Sim, esse seria um ótimo conselho para a Giu-chibi!
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Nossa, como começar? (risos)
Eu tenho inúmeros projetos! Gavetas cheia de rabiscos, computador lotado de pastas, um quadro branco com prompts, uma maletinha com cadernos… Eu não sei se consigo escrever um projeto para falar. Vou responder pela tangente e mencionar que meu atual foco profissional enquanto autora: gostaria de ser publicada tradicionalmente no momento enquanto me esforço para treinar minhas narrativas curtas.
Um livro que gostaria de ler… Bem, eu costumo tentar escrever os livros que gostaria de ler. Mas o que posso responder é que, resumindo, gostaria de ler mais protagonismo asiático. Sinto falta de pessoas asiáticas no foco de narrativas de ficção especulativa. Quando digo asiático, compreendo toda a Ásia mesmo, por isso tenho uma paixão dantesca pelas obras do RR Presents, projeto da Disney-Hyperion que apresenta histórias de mitologias de diversas partes do mundo, incluindo a Ásia.