Gisele Hansen é escritora, cientista social e educadora.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Com uma prática de Yoga e meditação. Faço no mínimo uma soltura das articulações e algumas respirações. A duração da prática depende de fatores externos, mas me esforço para ter três minutos que sejam de contato comigo mesma, de aterramento, de consciência dos sentimentos que nascem com o dia e das expectativas que se abrem com o movimento do meu peito respirando. Preciso senti-las para deixá-las ir.
Tenho mania de temperatura. Me dá sensação de controle saber se tem previsão de chuva ou frio para o dia e gosto de um chimarrão seguido do café da manhã. Após algumas cuias, me sinto pronta para o trabalho.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
São partes diferentes de mim que trabalham em casa hora do dia e sempre tenho vários projetos acontecendo em paralelo, cada um em fases diferentes da escrita. Trabalhos que exigem mais racionalidade e objetividade são feitos pela manhã – leituras de correção e ajustes de textos, fichamentos e pesquisas. Trabalhos intuitivos me chegam à noite, minha imaginação aflora, ela vem como um acalanto para o peso dos dias, essa é a hora que tenho mais ideias e é quando escrevo a primeira parte de todos os textos. À tarde eu deixo para terminar pendências e para as leituras mais leves, me entrego aos romances e à ficção.
Não tenho um ritual específico para escrita, gosto do meu chimarrão comigo pela manhã e de um chá à noite. De dia, lido bem com os barulhos das pessoas, me aquieta por dentro. Ao contrário do silêncio da noite, que movimenta partes mais profundas de mim.
Mas também há aquelas ideias que me surgem fora dessas delimitações, em horários e situações inesperadas. Meu celular está cheio de anotações e tem caderninho de ideias em tudo que é mesa e bolsa que me acompanha. Em algum momento, talvez isso tudo seja aproveitado, ou o simples fato de ter colocado devaneios em palavras foi o movimento necessário.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Todos os dias eu escrevo, no mínimo em meu diário, sobre os fatos do dia, minhas alegrias e angústias.
Já fiz exercícios de meta diária, tenho originais nas gavetas resultantes desses exercícios, mas isso não é regra. Escrita para mim é alívio de sentimentos e pensamentos. Não quero que seja um peso e um compromisso, não quero que tenha rigidez e nem mesmo que me afaste de partes de mim que só acesso com a escrita.
Acho que o ideal é um meio termo entre o comprometimento e o respeito com o próprio tempo. Cronos e Kairós podem caminhar juntos.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu vejo movimentos diferentes em mim.
Já ocorreram situações que pesquisei, compilei notas e quando me dispus a construir um texto não saiu nada.
Outras em que não pesquisei nada previamente, sentei, escrevi e fui pesquisando conforme surgia a demanda.
Teve pesquisa que ficou guardada por anos e quando me senti pronta transformei anotações em obra literária.
Eu deixo fluir. Pesquiso quando sinto necessidade, dou atenção ao que me surge em insight, escrevo, guardo ideias que chegam sem aviso e tento fazer mapas de escrita, roteiros, que às vezes dão certo e outras não. O processo de escrita para mim é um exercício de me conhecer, de conhecer os universos dentro de mim e de descobrir o que fazer com isso tudo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Às vezes sofro, choro e me culpo.
Outras respiro fundo e espero passar.
Tenho sempre livros ao meu lado, ler me acalma e me ajuda a mudar pensamentos. Faço terapia, refletir sobre meus processos é essencial para não pirar.
Respiro e muitas vezes, ainda assim, a loucura vem, não durmo e sou consumida pelos futuros que imagino.
E escrevo, qualquer besteira que seja. Escrever me acalma, me ajuda a organizar todos os sentimentos contraditórios dentro de mim e me coloca no eixo, me ajuda a retornar para os projetos.
Depois de um tempo, o ciclo costuma recomeçar e sigo girando, dançando entre sonhos, expectativas e frustrações.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não tenho uma quantidade de vezes determinada. Até sentir segurança, até me sentir em paz com cada texto. Alguns nunca chegam a ficar prontos, outros nascem quase prontos. Alguns são revisados duas ou três vezes, outros mais de dez.
Sim, eu sempre mostro para alguém. Jaqueline, minha irmã, é minha principal leitora e Relindes, minha tia, também me auxilia muito também nesse processo.
As duas foram as maiores incentivadoras para que eu tirasse os textos dos arquivos e os colocasse no mundo, a opinião delas me deixa confortável.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Diário eu escrevo à mão, em cadernos intocáveis por qualquer outra pessoa que não eu.
Tenho cadernetas espalhados e utilizo do bloco de notas do celular para ideias urgentes, mas na maioria das vezes gosto mesmo é do computador. A agilidade dos dedos nas teclas acompanha melhor o fluxo dos meus pensamentos do que o deslizar da caneta no papel.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Do dia a dia, das minhas relações com pessoas, das leituras, das experiências que já vivi, dos sonhos e dos lutos. Das Giseles que já enterrei em mim e daquelas que ainda não nasceram. Dos meus ideais e dos meus medos. De lugares desconhecidos e de lugares fantasiados.
Para mim, as leituras, as conversas com pessoas mais diversificadas possíveis e exercícios meditativos são os hábitos que alimentam minha criatividade.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
O engessamento. Eu me colocava muitas metas e era ansiosa demais para a coisa acontecer, para me reconhecerem como escritora, para ter livro publicado, para ser conhecida e para viver da escrita.
Hoje eu vejo que eu já vivo da escrita, mesmo que isso não pague minhas contas, que eu sempre fui escritora mesmo antes de ter livro publicado e que o reconhecimento dos outros, apesar de ser delicioso de sentir, não é o principal benefício da escrita na minha vida.
Eu diria para a Gisele que enviou seu primeiro texto à uma seleção: “Calma” E vai que vai, garota!”
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de vivenciar uma nova experiência espiritual, continuando na linha do meu primeiro livro, “Da pele para dentro”. Ainda não senti o chamado do lugar onde possa aprofundar e fazer o campo da pesquisa. Aguardo esse momento chegar.
Um livro sobre a revolução das mulheres, a derrubada do patriarcado.