Gabriela Araujo é escritora e tradutora literária.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Uma rotina matinal é bem complicada para mim, admito, porque de manhã sou bem preguiçosa (risos).
Porém, tenho tentado manter uma rotina de exercícios ou ioga pela manhã assim que acordo e depois tomo o café da manhã.
Aí então eu começo o meu dia de afazeres (geralmente resolvendo algo no computador).
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sinto que trabalho melhor na parte da tarde/noite.
Eu trabalho com redação/tradução para clientes e tradução literária além de desenvolver os meus próprios projetos. Quando estou trabalhando com a literatura, seja escrevendo minhas próprias obras ou traduzindo, sinto que flui melhor especialmente à noite.
Não tenho um ritual de preparação não. Geralmente escrevo de acordo com a disponibilidade de tempo e disposição física/mental, e mando ver.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu gostaria de responder que tenho uma meta sim, mas estaria mentindo (risos). Tenho escrito muito pouco ultimamente, porque recentemente me mudei (morando sozinha pela primeira vez!) e também por conta de outros trabalhos (para clientes e a editora para que presto serviço). Então admito que os meus projetos pessoais no momento estão um tanto parados.
Acho que a meta de escrita pode funcionar para algumas pessoas, mas até então comigo não deu muito resultado. Eu não necessariamente preciso estar “inspirada” para escrever, porque acredito sim que uma boa escrita é um hábito adquirido e que por isso a recomendação é ter a atividade dentro da sua rotina (ou seja, não façam como eu hahahaha).
Para mim, escrever nos meus projetos pessoais tem muito a ver com o meu humor no dia. Isso porque não é a minha fonte de renda principal e porque tenho passado por momentos de instabilidade, com muitas mudanças ao mesmo tempo.
Acho que é importante sim se cobrar a ter constância, mas não pode também ser algo que te consome de maneira negativa. A realidade da maioria dos escritores brasileiros é ter ao menos um outro emprego que é a fonte de renda principal, aliada ao trabalho com a literatura, então precisamos ter consciência sobre os nossos próprios limites, sabe?
Quem tem um trabalho CLT fora de casa, por exemplo, precisa pegar transporte público, passar o dia em um escritório, pegar condução (geralmente lotada) de volta para casa, dedicar-se a afazeres domésticos etc. A realidade da maioria é ter dois ou três empregos ao mesmo tempo, então não é justo esperar uma disposição 100% todos os dias.
Eu trabalho de casa, o que para mim é o sonho realizado, mas tenho prazos e obrigações como qualquer pessoa. Isso significa que nem sempre estou em condições físicas e/ou psicológicas de terminar “o trabalho que paga as contas” no dia e engatar nos meus projetos pessoais.
Como sou freelancer, geralmente dedico tempo às minhas obras quando os dias são mais tranquilos, então quando a noite chega, ainda estou com gás para me doar mais um pouco.
Eu gostaria de ter mais tempo e disposição, porque escrever literatura é a minha paixão, mas é preciso respeitar o meu tempo. Demoro muito, muito, muito para escrever, mas já compreendi e aceitei que eu faço o que posso para entregar o melhor trabalho possível dentro das minhas possibilidades.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu sou o tipo de pessoa que amaaaa um planejamento (capricorniana na casa, hahaha). Infelizmente isso significa que fico enrolando muito no planejamento e escrever que é bom… Haja procrastinação.
Então sim, para mim é muito difícil começar. A síndrome da impostora logo bate e sinto que os rascunhos de planejamento estão muito melhores do que a capacidade que eu teria para escrever a história. Isso está acontecendo agora mesmo com o livro que estou escrevendo.
O tema é muito importante para mim e creio que seja relevante para os debates que temos hoje em dia sobre papeis de gênero e a forma como eles ainda afetam e moldam as vidas de mulheres. Por conta da responsabilidade que acredito que o tema traz, eu me sinto muito insegura sobre a qualidade do trabalho – de maneira geral, sou muito novata na literatura.
Comecei escrevendo fanfics lá pelos 15 anos, mas só fui publicar algo em 2020, que foi um livro de poesia. Depois disso, publiquei dois contos de ficção. Todos de maneira independente. E essa obra que estou escrevendo agora é o primeiro livro de ficção que planejo publicar, então é bem desafiador.
Eu acho que é essencial ter um mínimo planejamento inicial, mas a hora exata de se sentar para escrever varia de autor para autor.
Tenho tentado ser mais espontânea na hora de escrever porque acredito que existe beleza na ideia de que a história que você está escrevendo possa te surpreender. Algo como, em meio à escrita, o personagem falar com você o que vai acontecer na vida dele a seguir. E aí você: “boom! Era exatamente isso que estava faltando”.
O momento da escrita traz revelações e aguça a criatividade, então acho interessante dar margem para essa criatividade crescer sem ser limitada por completo por um enredo todo fechadinho.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Quando estou me sentindo muito insegura, e esse é talvez o meu maior defeito (com certeza toma muito tempo na terapia), tento relembrar porque eu faço o que eu faço. Porque optei por aquela história, aqueles personagens, aquelas frases… Se for preciso até releio uma coisa ou outra que escrevi.
No fim das contas, é impossível que todo mundo goste da sua maneira de escrever ou de suas histórias. Existe uma cobrança saudável que deve ocorrer para que nos desafiemos e possamos fazer o melhor trabalho possível naquele momento.
Qualquer sentimento adicional que esteja te causando angústia, aflição ou impedindo que você continue fazendo o que precisa fazer, não tem espaço na sua vida.
Acho que é muito real que a expectativa que primeiramente precisa ser atendida é a nossa. Quando nós estamos satisfeitos com o trabalho, conquistamos maior segurança para lidar com a repercussão que vem depois que ele é publicado.
E quando ele é publicado? Não tem muito mistério. Busque aprender com as críticas construtivas e ignore aquelas que não têm conteúdo algum além de maldade. Para isso, a recomendação é evitar ler resenhas e avaliações dos livros.
Geralmente, os feedbacks bons chegam a nós de uma maneira ou outra. Seja porque alguém compartilhou, ou porque a própria pessoa gostou tanto da história que nos manda uma mensagem ou um e-mail com elogios. Esses feedbacks são valiosos.
Mas se você batalha com a insegurança constante, como eu, recomendo mesmo ficar longe das avaliações públicas em sites de publicação como a Amazon ou de organização de leitura como Skoob e Goodreads. Também evite pesquisar hashtags com os nomes dos livros em redes sociais. Os resultados nem sempre são positivos.
Quanto à ansiedade para projetos longos, apenas tento respeitar o meu tempo e aceitar o tempo das coisas. Hoje vivemos uma vida de agitação, correria e urgência em todo tempo. A urgência de responder uma mensagem, maratonar uma série ou finalizar um livro.
No fim das contas, eu me pergunto: por que a pressa?
Não, não temos todo o tempo do mundo para fazer tudo o que gostaríamos. Definitivamente a vida acaba em uma vírgula, não no ponto final que decidimos dar. Mas, para mim, nada que realmente faz sentido precisa ser apressado ou adiantado.
Mais uma vez, é a questão do equilíbrio. Respeitar o nosso tempo é diferente de procrastinar… E identificar quando estamos fazendo uma coisa ou outra é possível só se conhecermos a nós mesmos, nossos impulsos, desejos e, principalmente, medos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Antes de responder, preciso dizer novamente: não façam como eu! Hahahaha.
Eu reviso muito, mas isso é péssimo. Isso me trava, causa dúvida, insegurança etc. Como fico muito tempo sem escrever, quando retomo gosto de reler ao menos o último capítulo ou cena para “entrar na história”. Mas quase sempre acontece que eu quero já mudar alguma coisa, aí volto para o início e vou lendo.
Enquanto eu deveria estar escrevendo!
Então, por favor, não façam isso. Sigam o acordo com vocês mesmos. Quer ler só a última cena ou capítulo? Então faça somente isso. Vou tentar seguir o meu próprio conselho.
E não, não mostro o trabalho para ninguém antes de publicá-los. Só se eu decidir fazer uma leitura beta. No geral, a única pessoa que lê antes de todo mundo é a profissional que faz a leitura/crítica e revisão para mim e a profissional que faz a diagramação do texto.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo tudo no computador. À mão, hoje em dia, só se eu quiser escrever algo num estilo desabafo, como um diário.
Os meus projetos pessoais são sempre digitados diretamente. Caso eu tenha alguma ideia e esteja longe do computador, uso um aplicativo no celular chamado Evernote.
Acho que escrever à mão tem sua magia, mas a verdade é que a vida tecnológica hoje me afastou muito desse costume, então acabo sendo escrava da tecnologia mesmo.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Não tenho um conjunto de hábitos muito específico, busco me cercar de referências em filmes, séries e livros mesmo. Recentemente comecei a ouvir podcasts, algo que eu tinha dificuldade até um tempo atrás porque não conseguia me concentrar.
Mas no geral, as ideias para minhas histórias vêm das minhas relações, com as pessoas e com o mundo. Gosto de escrever sobre conflitos, inseguranças, medos e violências sofridas por alguns grupos, sobretudo mulheres negras (já que me insiro nesse grupo), ou anseios e situações que, como seres humanos, enfrentamos.
Então, conversar e ouvir outras pessoas é o meu jeito predileto de desenvolver novas ideias. Através do desabafo do outro, consigo responder à pergunta: “que história seria importante para essa(s) pessoa(s) hoje?”
Escrevo para mim, mas publico porque quero ser lida. E mais do que isso, eu publico porque quero que as minhas palavras causem impacto e, com muita sorte, reflexão. Não há nada melhor do que ouvir de alguém que se sentiu representade pelo que escrevi ou que ajudou essa pessoa de alguma forma.
Vivemos e por vivermos, causamos impacto em outres. Acho que deveríamos nos esforçar para garantir que esse impacto seja mais positivo do que negativo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu diria a mim mesma para não parar de escrever. Tive um hiato muito grande na escrita, principalmente durante a faculdade. Diria para manter a constância na escrita, para acreditar que aquele era realmente o caminho para mim. Isso teria me dado um norte melhor na vida naquela época.
O que mudou no meu processo de escrita foi acreditar que poderia profissionalizar essa paixão que eu acreditava, no passado, não ser um caminho viável. Escrever é hoje o que eu faço, em todos os meus trabalhos, e é uma realização que sou grata por ter encontrado e por estar vivendo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Não sei se o livro que quero ler ainda não existe. Talvez já exista e eu só não conheça hahaha. Acredito que hoje a literatura está bem mais plural e isso é absolutamente incrível. Principalmente com a publicação independente, muitas pessoas cujas histórias eram negadas ou escondidas conseguem escrever sobre o mundo a partir de novas perspectivas.
Acho que o livro que ainda quero muito ler pode estar sendo escrito nesse exato momento e não sei ainda a história que ele conta, mas é uma extremamente relevante.
Sobre o projeto futuro… Planejo escrever uma série de noveletas num estilo bem levinho e cômico sobre a minha experiência trabalhando a bordo de navios de cruzeiro. Sou formada em Turismo e passei um ano trabalhando a bordo, até o início da pandemia.
As noveletas serão fictícias, mas alguns acontecimentos serão baseados nas minhas experiências pessoais. Já tenho o planejamento para o enredo de 3 noveletas, mas ainda não comecei e provavelmente ainda vai demorar.
No momento estou escrevendo o livro que comentei, que vai falar sobre maternidade compulsória, e um livro de contos sobre relações familiares (de sangue e não).
Então são nesses projetos que estou focando por agora.