Francine Bittencourt é publicitária e escritora, foi cronista na Veja SP e atualmente escreve para o UpDate or Die!
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minha rotina é acordar toda manhã e pensar: “Meu Deus do céu, porquê não acordei mais cedo?” Depois disso o objetivo é voar para dar conta de tudo. Trabalho na criação de uma agência de propaganda, e a manhã é sempre muito tumultuada. O trajeto até lá, em especial, é bem interessante. Pegar táxi, ônibus, metrô e observar o comportamento das pessoas sempre rende algum tema para o dia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu poderia ser eleita a pessoa mais sem disciplina do mundo. Não tem horário. Nem ritual. Nem preparação. Mas acho lindo essas pessoas que sentam na frente do computador todos os dias oito da manhã e encerram às 18h, sem nada que possa interrompê-las. Deve ser maravilhoso escrever assim.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Sim, escrevo um pouco todos os dias, mas isso considerando posts e stories. Sou muito assídua nas redes sociais, e pequenos pensamentos que começo por ali podem virar crônicas e textos maiores. Mas livro procrastino bastante, tenho dois pela metade. “Vou terminar em breve, juro.” Repito isso como um mantra.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo é intuitivo e muito caótico, vou escrevendo durante o dia, quando sobra um tempo no meio da correria. Se estiver em casa sem fazer nada não consigo escrever nenhuma linha. Gosto do barulho do dia, com tudo acontecendo ao mesmo tempo. Minha maior pesquisa é a observação das pessoas.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Cumpro prazos como redatora, e já cumpri como cronista de uma revista. E nesses casos é complicado sim, porque tenho que entregar o trabalho de qualquer maneira, não dá tempo de ter trava nenhuma. Mas quando escrevo para mim não tenho grandes culpas, só pequenas angústias tratáveis.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso um milhão de vezes e, mesmo assim, sempre que possível, ainda edito depois de publicado. Tenho um leitor muito especial, que lê quase tudo antes para mim.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo tudo no computador, mas às vezes também faço algumas anotações num moleskine ou no celular.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Quase tudo vem do cotidiano, gosto de temas aparentemente irrelevantes. Acho a banalidade riquíssima. Meu único hábito constante é a leitura, mas não sei se a finalidade é manter a criatividade. Provavelmente tenha esse efeito, só que não leio pensando nisso.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos?
Quando releio textos antigos, agendas e livros (graças a Deus) nunca publicados, tenho vontade de mudar de país de tanta vergonha, mesmo sabendo que ninguém vai ler. Às vezes, chego a sonhar que estão lendo minhas agendas de adolescente num palanque na Paulista, e acordo em pânico, suando e gritando: “Não, por favor não.” Mas, por outro lado, tem coisas que gosto muito também. Por exemplo, quando eu tinha uns sete anos, escrevi um livro no colégio chamado “O chifrinho poderoso”. Infelizmente, não tenho a menor ideia do que se tratava a história porque se perdeu com o tempo, mas sei que amo a criança que escreveu esse título. Tenho vontade abraça-lá, e falar: “Que título, meu amor, parabéns.”
Acredito que o estilo da escrita faz parte da maturidade de cada fase. Hoje, escrevo totalmente diferente do que escrevia há dez anos. Fico pensando se essa mudança também acontecia com os grandes escritores da humanidade. Não dá para imaginar a Clarice Lispector relendo as agendas antigas dela e pensando: “Minha Nossa Senhora, como eu era tonta”. Certamente os gênios não passavam por esse processo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Quero muito conseguir continuar os que já comecei. Não digo nem terminar, só ter tempo para continuar está de bom tamanho. Quanto aos livros, tem um engarrafamento buzinando na minha cabeceira, um querendo passar na frente do outro. Não dá nem tempo de pensar no que não existe. Seria uma espécie de traição com os que já tenho.