Flávia Noronha Dutra Ribeiro é professora de Gestão Ambiental na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu sempre começo o dia tomando café da manhã, mesmo quando saio cedo para dar aula. Nesse momento, repasso mentalmente todos os compromissos do dia e confiro se organizei os horários da melhor maneira possível, pois tenho que conciliar as aulas, atendimento a alunos, reuniões, o desenvolvimento da pesquisa e a escrita, além dos compromissos pessoais.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu prefiro trabalhar de manhã, mas não gosto de escrever enquanto tenho outras questões para resolver, pois isso prejudica minha concentração. Então tento resolver o que é urgente e rápido pela manhã e depois me sento para escrever, de preferência sem ter horário para parar. Ultimamente isso está cada vez mais difícil, então tive que aprender a escrever enquanto tenho tempo e, se necessário, parar e retomar depois.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu não tenho uma meta, a não ser que tenha algum prazo a ser cumprido. Minha pesquisa envolve principalmente a realização de simulações computacionais e análise de dados. Assim, passo muito tempo realizando cálculos, produzindo gráficos e investigando o significado científico desses números. Dessa forma, escrevo quando tenho algum resultado científico bem estabelecido ou tenho uma ideia para uma nova proposta de pesquisa.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Sempre acho a parte mais difícil começar, mas tenho tentado usar algumas técnicas que fui aprendendo. Quando vou escrever um artigo científico, antes de começar a escrever faço uma lista dos principais resultados que quero apresentar, depois escolho os gráficos e tabelas que melhor mostram esses resultados. Escrevo a seção dos resultados primeiro e depois a metodologia utilizada. Aí faço mais uma pesquisa bibliográfica e a utilizo, além dos textos que já vinha utilizando, para escrever a introdução. Depois escrevo a conclusão e penso num título. Finalmente escrevo o resumo. Uma vez terminado o rascunho, mando para meus colegas e iniciamos um processo de discussão, científica e do texto, no qual várias novas versões do artigo surgirão. Uso um processo parecido para escrever propostas de pesquisa, mas nesse caso não há resultados, apenas a proposta de obtê-los. Então a lista inicial é de resultados esperados e a discussão entre os colegas é principalmente sobre a metodologia mais adequada.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu não tenho uma técnica para lidar com essas travas. Quando não consigo escrever, às vezes releio algum artigo que me ajuda a ver como outra pessoa descreveu algum resultado, às vezes tento rever os objetivos principais e voltar à essência do que quero transmitir, às vezes tenho que parar um pouco e fazer outra coisa, pois no dia seguinte pode sair melhor. O medo e a ansiedade existem, mas, com o tempo, vamos percebendo que eles não podem nos impedir de continuar. Se ainda não está bom, continuamos trabalhando até melhorar. Realmente, quando temos uma série de compromissos, horários de aula, reunião e atendimento a alunos, o desenvolvimento da pesquisa ou da escrita pode ser mais lento do que gostaríamos, o que causa um pouco de frustração. Mas temos que continuar trabalhando, pois eventualmente obteremos os resultados. O que aprendi na minha carreira é que esses sentimentos são naturais e que a maior parte do tempo estaremos tentando. Só uma pequena parte do tempo estaremos satisfeitos com os resultados, então não adianta querer fazer mais que o possível.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu reviso várias vezes, algumas partes do texto mais do que outras. Todos os meus textos até agora foram colaborativos, então eu sempre mostro aos meus colegas envolvidos no projeto. A versão final sempre compreende sugestões dos colegas. Considero esse processo muito importante, pois uma afirmação ou mesmo uma figura que parece clara para mim pode não ser tão clara para outra pessoa, e a colaboração sempre melhora a qualidade do texto e da discussão científica contida nele. Quando os coautores acham que ficou clara a mensagem do texto, considero o texto pronto.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu escrevo alguns tópicos à mão, as ideias principais, mas começo a escrever o texto no computador. Para mim, a vantagem do computador é que, quando fazemos alterações, podemos apagar tudo o que não interessa e o texto fica limpo. Mas também podemos guardar as versões anteriores e voltar às ideias originais, se quisermos.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Quando iniciei minha carreira na universidade, logo após terminar o doutorado, tive que me fazer algumas perguntas essenciais: o que eu realmente queria pesquisar, quais as lacunas nessa área de pesquisa, como minha pesquisa poderia ser relevante para melhorar a vida das pessoas. Para responder a essas perguntas, tive que estudar e daí surgiram minhas ideias iniciais. Foi um começo difícil e lento. Mas, conforme começamos a pesquisa, novas perguntas vão surgindo e novas colaborações vão acontecendo. As novas ideias surgem dos resultados anteriores e assim vai. Para isso, é preciso manter-me atualizada. Tento sempre ler os mais novos artigos científicos e participar de congressos, conferências, palestras e atividades de divulgação da minha escola. As colaborações ou mesmo conversas informais com pesquisadores tanto da minha área quanto de outras áreas também são muito importantes.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Eu sempre tive dificuldade em escrever, então tenho feito alguns cursos sobre como escrever melhor. Acho que, na época, demorei muito para começar a escrever a tese, preocupada que estava com os resultados das simulações. Hoje eu faria um pequeno diário das dificuldades, descobertas e discussões científicas que foram acontecendo durante o processo da pesquisa, para facilitar a escrita da tese.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu me interesso bastante sobre o processo de ensino e aprendizagem de Ciências e Matemática e adoraria escrever material didático. Mas esse objetivo se distancia da minha pesquisa atual e terá que esperar até que eu tenha condições de estudar essa área. Quanto ao que eu gostaria de ler, para além da literatura científica, tenho alternado entre livros de ficção e livros sobre acontecimentos históricos. Tenho uma lista interminável de livros que ainda quero ler, então não consigo pensar nos que não existem…