Fernando Ignez é escritor, autor de “Manhãs de Sábado” (Penalux, 2021).

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Gosto de acordar cedo e poder fazer as coisas com calma, embora nem sempre isso seja possível. Quando me lembro, faço um alongamento rápido antes de me levantar da cama. Então passo um café preto e tomo vendo o movimento da rua. Depois preparo alguma coisa para comer e cuido das plantas. Dou comida para o cachorro e saio para passear com ele. É hora de ver o dia de perto.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Acredito que trabalho melhor pela manhã, depois de voltar desse passeio. Observar as pessoas pelas ruas, além de espairecer, me inspira. É o momento em que sinto mais facilidade para criar. Gosto desta sensação de que o dia está só começando e ainda há muito por vir. Não costumo escrever de tarde. Depois do almoço eu me dedico a tarefas mais objetivas e tento reservar um tempo para fazer trabalhos manuais. Tenho me aventurado na arte da serigrafia. Por enquanto só consegui manchar de tinta várias roupas e também alguns tapetes. Não tenho um ritual muito específico para escrever. Às vezes me sento na cadeira com vista para o quintal, fico olhando as plantas e tentando caçar as palavras. Outras vezes coloco uma música bem baixinho e espero uma frase aparecer na cabeça. De noite, as ideias costumam vir depois de duas latinhas de cerveja.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Em períodos concentrados. Admiro quem consegue escrever todos os dias, mas eu preciso de dias de absorção antes de conseguir botar algo pra fora. É quando eu procuro ler novos autores (novos apenas para mim, porque gosto mesmo é dos clássicos), assisto muitos filmes e escuto músicas diferentes das que eu estou acostumado. Nesses momentos, até deixo passar uma ou outra ideia para uma poesia ou crônica. Eu deixo a ideia ir embora. Se ela for boa, ela volta. As boas sempre voltam. Mas tenho um caderninho para anotar as ideias que podem ser boas, mas ainda não tenho certeza. Quando chega a hora de escrever, passo o olho no caderninho e decido se a ideia vai ganhar vida ou vai pro lixo. O caderninho é o purgatório das ideias.
A primeira vez que me botei uma meta de escrita foi escrevendo Manhãs de Sábado. Achei que os poemas mais antigos envelheceram mal, então resolvi escrever outros para substituí-los. Queria poemas mais de acordo com o título do livro, que para mim é bastante otimista. Descartei alguns poemas com cara de fossa e coloquei uns mais leves. Estava lendo bastante Manoel de Barros. Entraram também alguns poemas de versos livres.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Me esforço para terminar o que comecei a escrever, mesmo quando não sei direito como terminar aquilo. Na maioria das vezes, deixo esse esboço dormir antes de pegá-lo novamente para reescrever. Depois de reescrito, vou mudando alguns detalhes ao longo de alguns dias, até achar que está pronto, que é quando eu bato os textos a máquina. Procuro não mexer neles depois de datilografados, porque acho importante botar um ponto final nos textos. Mas é claro que isso nem sempre funciona, e me pego mexendo em textos antigos.
Em dias inspirados, quando escrevo dois ou três poemas, percebo que os últimos são os que eu mais gosto. O primeiro é geralmente sobre aquilo que eu quero falar. Os últimos são sobre o que eu queria falar e nem sabia.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu procrastino bastante, mas nunca para escrever, porque é algo que me dá prazer. Se eu me atrevesse a escrever um romance, poderia ser diferente, por ser uma tarefa mais árdua e talvez mais complexa do que escrever um poema. Digo talvez porque não podemos subestimar a complexidade de um poema só pelo fato dele ter menos linhas que um romance. Já li poemas que me dizem mais que livros inteiros. Drummond taí pra não me deixar mentir. O que me trava de vez em quando é o medo de não corresponder às minhas próprias expectativas. É desanimador escrever algo que eu mesmo considero ruim. Então se eu desconfio que pode ficar ruim, eu às vezes nem começo. Por isso às vezes tento escrever sob a perspectiva de outra pessoa. Se não fica bom, posso botar culpa nessa pessoa hipotética e lavar as minhas mãos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso inúmeras vezes. E procuro mostrar para outras pessoas, de preferência aquelas que estão acostumadas a ler poesia. Mas é importante a gente saber que a meta não é a perfeição. Se a gente mexe muito, a essência pode ir embora. É aquela velha história: se um cantor desafinado fizer muitas aulas de canto, pode ficar soando como vários outros cantores. A desafinação pode ser um diferencial potente. Mas esta é uma linha tênue…
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Não me dou muito bem com a tecnologia. Sei que ela pode ser uma aliada importante, mas acho as invenções pré-computador mais confiáveis. Para mim, é bem difícil começar um texto no computador. É frio demais. Mas o bloco de notas do meu celular já garantiu que várias ideias não se perdessem. Começo escrevendo à mão. Gosto mesmo é da máquina de escrever, que deixa até os textos sem graça mais bonitos.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Quando consigo deixar a razão de lado, o resultado costuma ser melhor. A poesia é um bom campo para isso. Um poema não precisa fazer sentido para comunicar. Sinto que tenho escrito coisas mais subjetivas e abertas a diferentes interpretações. Como já disse, às vezes procuro escrever como se eu fosse outra pessoa, ou como se eu estivesse em outra época. É meu jeito de me manter criativo. Minhas ideias surgem da observação e da atenção aos detalhes. Quando falo sobre os meus próprios sentimentos e opiniões, só funciona se for escrito de uma forma nova, buscando novos estilos, senão fica enfadonho. E minha vida não é mais interessante que a de ninguém.
Mas se há um tema recorrente no meu livro, este tema é o tempo. Ou a falta dele. É para mim um tema inesgotável.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
No começo eu escrevia apenas sobre o que me angustiava. Era uma choradeira danada. Depois passei a escrever só sobre o que me excitava. Eram os hormônios à flor da pele. E escrevia só quando não dava mais para guardar dentro de mim. Então tudo soava como se o mundo fosse acabar amanhã. Com o tempo (olha ele aqui outra vez) a gente aprende a ter mais calma. E com calma a gente consegue olhar além do próprio umbigo. Foi quando passei a escrever sobre outros temas, mais ligados ao cotidiano e aos costumes. Ainda falo muito sobre os problemas existenciais, mas sem querer abraçar o mundo. A dor de dente do meu vizinho pode ser um tema universal, dependendo da maneira como for escrito. Então, se eu pudesse voltar no tempo e me dar um conselho, seria: escreva mais, observe mais.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Quero escrever um livro de crônicas.
Gostaria de ler a continuação de Apanhador no Campo de Centeio. Holden 20 anos mais velho. Seria no mínimo interessante.