Fernando Dezena é escritor.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo cedo, às cinco da manhã. Dedico as primeiras horas do dia à leitura e a escrita. Percebo que neste momento a mente está mais arejada. Leio geralmente dois jornais, acompanho as notícias financeiras, mercado em que atuo, e trabalho na escrita e leitura de uma forma geral.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sem dúvidas o rendimento do trabalho é melhor na parte da manhã. O silêncio é importante. Às cinco da manhã nem os carros ainda circulam com insistência. Bem que é importante separar o tipo de construção: prosa ou poesia. Poesia não tem hora. Quando vem o lampejo com a inspiração, se é que se pode chamar assim os lampejos das sinapses cerebrais, diante de uma cor, de um cheiro, de um movimento, de um objeto, o que quer que seja. Então, quando falo de poesia não tem horário para captar a ideia. Vai para o papel, ou par o celular, ou o que tiver em mãos. Depois, aí sim, pela manhã desenvolvo a ideia e faço as análises posteriores. O trabalho em prosa, não. À prosa, preferencialmente, me dedico pela manhã. À noite, cansado da lida do dia (ainda trabalho rsrsrs), é mais difícil construir em prosa. Mas escrevo alguma coisa também nesse horário.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Procuro trabalhar um pouco todos os dias para a prosa. A poesia pede outro tipo de construção. Não dá para você dizer: vou escrever duas poesias todos os dias. Não é assim que ela acontece. No caso da prosa funciona bem. O gênero crônica, por exemplo, me obriguei a escrever uma por semana há dez anos. Chova ou faça sol, escrevo uma por semana desde então e publico nas redes sociais. A crônica tem uma aceitação incrível do povo brasileiro. Procuro escrevê-las como ensinou Drummond. Disse ele: “O primeiro caderno do jornal é dedicado às guerras, a roubalheira políticas e sangue, muito sangue; o segundo para as notícias regionais, roubos, assaltos, políticos corruptos mas regionais e sangue, muito sangue. Quando chega no último caderno, destinado ao cronista, não dá para o leitor encontrar sangue, muito sangue. A crônica tem que ser leve. Geralmente algo do dia a dia”. Em casa, em férias, viajando a trabalho: é sagrado. Este compromisso tenho com a escrita: uma crônica por semana. Os contos surgem esporadicamente e inventei há dois anos de escrever um romance no dialeto caipira. Trabalhei duro neste projeto. Está pronto e o lancei recentemente. Gostei do que fiz.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Novamente diferencio a poesia da prosa. Na prosa sim, principalmente se for longa tem que ter um projeto, senão me perco pelo caminho. Se for uma prosa curta, conto ou crônica, não há necessidade. Consigo explorar bem o gênero escrevendo sem saber onde quero chegar. Sei que muitos escritores dizem que não podemos escrever sem saber o final, mas, no meu caso, muitas vezes ele surge durante a escrita. E gostoso os personagens irem criando vida a cada parágrafo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Projetos longos é um porre. Se você não tiver muita disciplina não consegue terminá-lo. Tenho uma autocritica muito apurada. Não me preocupo com o que vão dizer sobre o meu trabalho. Passei dessa fase rsrs. Se acredito que está bom, publico. Às vezes me arrependo pela ansiedade, sempre dá para melhorar um texto. Leia o que você escreveu há dez anos. Duvido que não terá um monte de coisas que queira mudar. Embora, na maioria das vezes, deixo o texto descansar seja ele em prosa ou poesia e, aos poucos vou sentido o que pode ser aprimorado, com o passar dos anos vamos melhorando se praticamos constantemente.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Muitas, muitas vezes. E em formatações diferentes. Em uma entrevista que fizemos na UBE – União Brasileira de Escritores, onde sou Diretor, com o escritor Marcelino Freire, ele comentou que muda o layout do texto e o relê. Passei a praticar. É uma excelente dica. Escreva um texto com as margens normais e depois coloque-o com a estreita e leia em voz alta. Tenho certeza de que vai alterá-lo. Feito isso, passe-o para margens estreitas, achará coisas que vai querer mudar. Podem experimentar. Mostro meus trabalhos para várias pessoas e troco ideia antes de publicá-lo, é importante.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Se for prosa, só no computador. Sou um exímio digitador, faço-o com os dez dedos sem olhar para o teclado rsrsrs. A poesia, não. Quase sempre com papel e caneta, é gostoso ver a tinta escorrendo e construindo as ideias. Não tenho dificuldades com as novas tecnologias. No meu caso, ajudam muito. Às vezes me pergunto como escritores na antiguidade escreviam tanto (e bem) só com o bico da pena.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Novamente depende se o texto é em prosa ou poesia. A poesia vem de repente, uma pequena faísca que gosto. Anoto e desenvolvo. Às vezes ela vem inteira. As crônicas busco nas passagens do dia, da semana, e acreditem: as pessoas, as coisas, as cidades, nos dão assuntos a todo momento. Precisamos prestar a atenção estar com o espírito preparado. Como escritores, observar pessoas sentadas em uma praça dá uma maravilhosa crônica, ou um conto, às vezes uma poesia. As sinapses cerebrais da construção em poesia e prosa são diferentes. Se seu cérebro está no modo prosa não queira escrever uma poesia que vai sair uma porcaria. Como enfiar um elefante dentro de uma caixa de fósforo. Se estiver no modo poesia a prosa não vem perturbar.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acredito que escreveria mais prosa desde quando me propus a escrever. A poesia para mim é uma necessidade orgânica, a prosa dá prazer. Já tive pesadelos em não mais conseguir escrever uma poesia boa. Preciso escrever poesia, tenho necessidade. Se fico um tempo sem escrevê-las elas vêm e me puxam pelo pé rsrsrs. A prosa já é melhor aceita. Uma crônica bem escrita cai bem a qualquer tempo, a poesia tem o seu tempo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de escrever mais teatro, mais dramaturgia. Tem tudo a ver com poesia. Escrevi uma peça e gostei muito do que fiz. Mas 24 horas estão sendo poucas rsrsrs. O livro que gostaria de ler que ainda não existe é de como meus filhos veem o mundo. A literatura traz outra diagramação para o universo. Seria interessante.