Fernanda D’Umbra é poeta, cantora, atriz, diretora e roteirista.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu acordo cedo. Tomo café e saio para caminhar pela cidade. Sempre sem rumo. Ando por uma hora e volto. Em alguns dias da semana tenho aulas de dança, sempre de manhã. Começo a escrever depois de tudo isso e escrevo até o final do dia. Quando anoitece eu paro, ao menos profissionalmente. Se escrevo à noite é sempre algo hedonista, só pra tirar um lazer mesmo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho bem de manhã e à tarde. Meu ritual de preparação inclui um caderno de anotações, porque adoro escrever à mão, em sala de roteiro nunca levo o laptop, mas um caderno brochura e um estojo com lápis, apontador, canetas e borracha. Acho que vou morrer carregando essas coisas. Como sou roteirista, consulto a internet algumas vezes para checar uma informação, mas é bem pontual: um local ou data de nascimento de alguém, o nome de um museu, coisas que eventualmente entram no roteiro.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Se é um roteiro tenho prazo de entrega, o que acho ótimo, porque me faz sentar, escrever e pronto. Então minha meta diária tem a ver com esse prazo. Mas se é poesia, aí não há regra. A anarquia é absoluta.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
A feitura de um roteiro de série começa com uma escrita coletiva, você está numa sala com outros roteiristas, e ali se cria o corpo da série, com sinopses e escaletas. Neste momento a pesquisa é muito intensa, você tem que ir fundo no assunto retratado. Eu adoro sala de roteiro, criar personagens, debater idéias, resolver cenas, formular o que será o esqueleto daquele corpo audiovisual. Depois disso você vai para casa com a escaleta e faz o que chamamos de “abrir o roteiro”, que é criar os diálogos, transformar tudo em cena corrida. Eu amo esse momento. Sem modéstia, adoro quando dizem que sou boa dialoguista. Porque sou mesmo. Por outro lado, como já disse, há a escrita da poesia e para essa não tenho pesquisa, tenho no máximo algumas manias.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Em roteiro eu procrastino, às vezes, então o prazo me encara e eu vou lá. A escrita é bastante surpreendente, muitas vezes você acha que não vai sair nada e seus pensamentos se tornam tão rápidos que suas mãos mal acompanham na digitação. Sobre não corresponder às expectativas, não sofro desse mal. Um roteiro meu pode ser revisto e sou sempre muito tranquila para conversar sobre mudanças no texto. Quando escrevo poesia, aí é que não me preocupo de modo algum com a expectativa alheia, ela sequer existe para mim.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso pouco, na verdade procuro erros ortográficos, melhoro um diálogo, corto falas, acrescento outras e clico em “enviar”. Costumo brincar que as palavras que os roteiristas mais gostam são: “fim” e “enviar”. Porque a partir dali sua escrita começa a ganhar outro corpo na criação do diretor, dos atores e de toda a equipe que vai filmar aquele roteiro. Ver seu roteiro em cena é devastador de bom. E, sim, eu mostro meus textos para os outros roteiristas, para a chefe ou o chefe de sala, enfim, para quem está ali criando comigo.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu faço anotações à mão: uma ideia de diálogo, um nome ou profissão para a personagem, um cenário bom para aquela cena, mas o roteiro escrevo sempre no computador. A tecnologia é uma querida, ela ajuda bastante, mas quando resolve não funcionar, isso te tira do sério. Já tive um apagão no computador antes de salvar um roteiro e lá se foi tudo. Aí você se levanta, xinga, amaldiçoa meio mundo, se conforma e escreve tudo de novo. (Falando nisso, deixa eu salvar essa entrevista).
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm de muitos lugares, mas principalmente da rua. Uma vez, convidada para uma mesa de debates com roteiristas, eu disse que a maioria deles escreve muito bem, mas lhes falta ônibus e metrô, falta sentir o cheiro do povo brasileiro, ouvir sua voz ao vivo, se afastar um pouco de séries estrangeiras e pegar um “Vila Nova Cachoeirinha”, senão fica tudo meio “traduzido”. Isso já melhorou bastante, mas como nosso modelo inicial foram as séries estrangeiras, sobretudo as estadunidenses, esse rolê pela cidade sempre foi um fator crucial para mim. Muito da minha critividade vem desse hábito de caminhar sem rumo e usar o transporte público. Mas é também muito importante ler e ver séries e filmes, claro. Eu sou viciada em histórias em quadrinhos, isso também formou muito do meu imaginário como escritora.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Ah, meus diálogos são mais afiados, minha escrita é mais rápida, eu erro com mais convicção e corrijo com mais tranquilidade. Se eu pudesse voltar ao meus primeiros textos acho que só iria sorrir, afinal ali estava uma escritora em formação por quem tenho grande carinho, afinal se ela não tivesse começado, eu não estaria aqui.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu ainda quero adaptar várias histórias em quadrinhos para teatro. Estou fazendo isso nesse momento e tem sido enlouquecedor. Outro projeto é publicar um livro de poemas. Quatro editoras já me procuraram e eu sempre disfarço, mas não recuso totalmente. Uma hora sai. E não há um livro que eu gostaria de ler que não exista. Eu sequer terei tempo de ler todos os que tenho em casa. Dessa ansiedade não padeço, ainda bem.