Fábio Fernandes é escritor, professor e tradutor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Depois de tomar meu café, costumo conferir a agenda; todas as noites, antes de dormir, listo as atividades prováveis do dia seguinte. Digo prováveis porque nem sempre consigo realizar tudo, mas de um modo geral consigo equacionar bem os afazeres. Gosto muito de escrever pela manhã, mas ultimamente esse horário tem sido reservado para a família.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Minha questão com horários é uma coisa fluida. Quando mais jovem, eu gostava de virar noites e madrugadas escrevendo. Hoje prefiro me recolher cedo, ver um filme, ler um livro. Então a manhã o fim da tarde têm sido os horários mais confortáveis para mim.
Não tenho um ritual específico. Gosto de fazer as coisas devagar para ir entrando no ritmo da escrita. Tomo um copo d’água, às vezes preparo um café (se for pela manhã o café é fundamental), sento e escrevo. Antes, posso consultar as redes sociais ou não – mas sempre que opto por não fazer isso meu dia rende mais. Gosto também de entrar no YouTube e escolher uma música para tocar em loop enquanto escrevo. Ouço a mesma música, ou o mesmo álbum, obsessivamente, por dias. Depois troco. Às vezes alterno. Neste momento meus preferidos são Sleater-Kinney, Sisters of Mercy, David Bowie, Lebanon Hanover e Psychedelic Furs. Mas a lista muda sempre (com a exceção de Bowie, que não sai nunca da lista).
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo quase todos os dias. Evito escrever no fim de semana, mas acabo quase sempre fazendo anotações em um dos meus cadernos (coleciono cadernos, é outra pequena obsessão). Minha meta é de mil palavras por dias, mas me contento com o que sair. Já consegui escrever mil ou mais palavras durante mais de um mês seguido, mas atualmente (2018/2019) a média está sendo de 700 palavras diárias. Mas outro dia mesmo escrevi 2400 palavras.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Depende do tipo de história que quero escrever. Se é uma peça ultracurta (flash fiction), normalmente tenho uma ideia, faço duas ou três anotações pequenas e daí já parto para a escritura. Com contos maiores não é muito diferente. Somente com novelas (textos entre 20 e 40 mil palavras) e romances eu faço um grande planejamento antes. Escrevo um outline, ou seja, um resumo completo do começo ao fim da narrativa, e às vezes já elaboro uma divisão em capítulos e breves descrições das personagens principais. Tudo isso eu costumo fazer a mão, e geralmente reservo um caderno para cada história. Só depois que tenho o outline inteiro inicio a escritura propriamente dita. Às vezes fico empolgado e começo antes – mas nesses casos quase sempre me enrosco no meio da estrutura e entro nuns becos sem saída. Coisa chata, mas nada que não se resolva na hora de escrever a segunda versão.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Hoje em dia, aos 52 anos, lido bem melhor com os entraves do que quando comecei a escrever, em meados da década de 1980. Quando planejo uma história, praticamente não encontro bloqueios. A procrastinação quase sempre acontece, mas hoje em dia eu a incorporo ao meu projeto, mais ou menos como o artista plástico contemporâneo costuma incorporar o erro ao processo da criação da sua peça. Acho, aliás, que foram meus anos lecionando História da Arte e História do Design que me deram esse insight.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso uma ou duas vezes no máximo. Quando estudei na Clarion West, em 2013, a editora Ellen Datlow recomendou que não passássemos de quatro revisões, porque a partir daí o texto perde força. De fato, as poucas vezes em que fiz isso com um texto maior acabei por abandoná-lo, porque perdi a confiança nele e em mim mesmo.
Não tenho o hábito de ficar mostrando meus textos a outras pessoas. Existe nessa prática um paradoxo curioso, que é o seguinte: se você mostra a alguém com menos experiência, não vai ajudar em nada; mas se tentar mostrar a alguém com mais experiência, essa pessoa nem sempre vai ter a paciência de ler seu texto. A menos, claro, que seja paga para isso.
Agora, tenho tido a sorte de, ocasionalmente, poder contar com amigos queridos que têm muita experiência e cuja opinião prezo muito. Então eu, de tempos em tempos, ofereço uma história ou outra para que eles leiam e me deem um feedback. Da última vez em que fiz isso, com uma peça de flash fiction chamada “A PSA for Time-Travelers”, as alterações efetuadas a partir da crítica dos amigos foram responsáveis pela aceitação desse conto pela Daily Science Fiction, uma revista online americana conceituada na qual eu vinha tentando publicar há anos. Então posso dizer que é bom contar com a ajuda dos leitores amigos.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu tive um dos primeiros computadores pessoais brasileiros, o TK82C, no começo da década de 1980, e a partir daí nunca mais deixei de usar computadores. Hoje tenho dois notebooks, um tablete, um smartphone e leio mais livros no Kindle do que em papel. Escrevo minhas histórias no computador desde o começo dos anos 1990, mas há uns 6 ou 7 anos voltei a usar cadernos de papel para anotar outlines, frases, ideias básicas. Quase sempre saio à rua com uma bolsa a tiracolo, contendo um ou dois livros, canetas e lápis – e um ou mais cadernos de anotações. Então minha vida mental é uma grande mistura de elementos analógicos e digitais, mistura que acho fundamental porque vai sempre fomentando possibilidades de criação. Quando me sinto entediado ou bloqueado no computador, vou para o papel, e vice-versa. Embora eu escreva meus outlines a mão, de vez em quando uso o computador para isso. O importante é ter sempre um espaço de criação disponível, seja ele qual for.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Como a maior parte do que eu escrevo é ficção científica, e a FC trabalha com o que poderia existir ou o que poderia ter sido, quase sempre parto de um “e se?” Por exemplo, as noveletas “Um Diário dos Dias da Peste” e “Interface com o Vampiro”, que depois foram ampliadas e acabaram se tornando parte do romance “Os Dias da Peste” partiram de um inconformismo meu com relação às narrativas tradicionais de dominação do ser humano pelas máquinas. Eu queria ler uma narrativa que abraçasse a mudança, que não tivesse medo do outro. O outro, nesse caso, é a máquina. Mas não usamos as máquinas? A minha pergunta nesse caso foi: e se as máquinas precisarem de nós tanto quanto precisamos delas? A partir daí nasceu a história, que trata dessa relação quase simbiótica e de suas vantagens e desvantagens.
Quanto a hábitos: o que mais gosto de fazer para alimentar a minha criatividade é consumir informação e cultura. Não paro nunca de ler livros e HQs, ver filmes, ver exposições, ouvir música, enfim, consumir referências para criar experiências. Não acredito em inspiração, mas em insights, e o insight é a soma das referências que você consome com a experiência que você tem na sua área de atuação. Tenho inclusive ministrado cursos sobre isso, justamente para ajudar escritores e criadores em geral a se livrar de seus bloqueios.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que me tornei menos apressado, mais consistente e mais interessado no processo como um todo, principalmente na parte do planejamento inicial. Eu certamente diria ao meu eu do passado que procurasse focar mais no planejamento, e se afastar de tudo aquilo que dispersa e não colabora para a escrita. Mas eu honestamente acho que ele também tem muito a me ensinar: eu tinha uma produção bem grande quando comecei a escrever. Lembro que no começo da década de 1990 eu comecei a escrever novelas, e passei um tempo fazendo apenas isso. Até hoje tenho na casa do meu pai uma caixa enorme repleta de textos datilografados na máquina de escrever e impressos de computador com novelas e pelo menos um romance inédito (e que permanecerá inédito, porque é bem ruim). Acho que só agora eu e meu eu mais jovem estamos começando a nos entender bem. Tenho aprendido muito com ele.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu adoraria escrever uma saga de space opera daquelas gigantescas, de preferência uma trilogia. Tenho umas histórias escritas num universo de que gosto muito, o dos Obliterati. A história título, que é uma noveleta, foi publicada no Brasil. As outras histórias, em inglês. A ideia é em 2019 escrever uma trilogia, mas de novelas.
Gostaria de ler tantos livros que não existem: uma vez sonhei com um livro de Foucault sobre Corto Maltese. Também havia um inédito de Cortázar, e outro de Borges. Acho que vou escrever alguns desses livros.