Fabio Brust é escritor e mestre em design editorial.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Antigamente eu não tinha uma rotina muito definida para as manhãs, até porque ia dormir em qualquer horário; agora já tenho uma rotina de sono melhor, então costumo dormir e acordar na mesma hora. Por isso, normalmente acordo pelas 9h, às vezes faço algum exercício em casa, tomo o café-da-manhã e já começo a trabalhar. Como sou um freelancer e trabalho em casa, o que eu faço pela manhã costuma ser bem variado, dependendo dos serviços que estou executando e os prazos que eu tenho para finalizá-los… Mas, claro, também tenho várias manhãs que fogem à regra.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu tenho perfeita noção de que o melhor horário para eu escrever é pela manhã, mas infelizmente não é sempre que eu consigo me regrar e fazê-lo. Eu sei disso porque já testei escrever em vários momentos do dia, e a prova definitiva foi quando estava em um estágio em uma editora e chegava uma hora antes que meus colegas de trabalho. Considerando que eu estava lá sozinho, em um lugar silencioso e cheio de livros, decidi escrever nessa hora em que eu nem deveria estar lá, e as páginas pareciam escrever a si mesmas! De manhã estou com a mente bem descansada e limpa, o que facilita colocar as palavras no papel. De tarde é quando estou sempre trabalhando em serviços terceirizados e, à noite, embora também escreva, a minha cabeça já está mais cheia e bagunçada por conta do restante do dia…
Agora, sobre rituais, acho que o principal é que tenho que estar sozinho, e ninguém pode ficar conversando comigo enquanto escrevo. E quanto mais silêncio melhor! Às vezes até gosto de ouvir música – trilhas sonoras que tenham a ver com o clima da história –, mas no geral, silêncio é ouro.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Tenho que ser bem honesto e admitir que faz tempo que não consigo escrever todos os dias. Sei que isso é um sinal dos tempos; outros escritores que eu conheço também sofrem mais hoje do que antigamente para escrever todos os dias. Eu vou culpar as distrações que temos nos celulares, na internet, nesse mundo maluco e apressado em que vivemos. Mas não é bem uma das melhores desculpas… a verdade é que eu poderia ser mais focado. Estou sempre tentando mudar e determinar horários e momentos para escrever, mas, repensando, eu nunca fui disso.
Quando era mais novo, eu abria o computador e deixava o documento do livro em segundo plano. Volta e meia eu ia lá e escrevia algumas linhas, algumas palavras; se me empolgasse, alguns parágrafos. Depois eu continuava fazendo alguma outra coisa.
Atualmente, tenho tentado me focar mais e decido parar para escrever. Tento não fazer nenhuma outra coisa enquanto escrevo, até porque tenho que fazer esses momentos renderem, já que não escrevo mais todos os dias.
Talvez responder a essa entrevista seja uma boa coisa para rever esses métodos. Quero é voltar a escrever todos os dias!
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Costumo construir um esqueleto geral do que vai acontecer em cada capítulo e escrever a partir dele. Mas o esqueleto em si não é muito detalhado, para dar alguma liberdade conforme eu avanço pela história. Também gosto de pensar nos personagens, seus nomes, e justificar a escolha para cada característica deles, sempre que possível.
Normalmente eu penso em uma frase-chave que vai abrir a história, e a partir dela já sei em que caminho seguir. O problema é quando essa frase não aparece num passe de mágica, e preciso me esforçar muito para conseguir pensar em uma que se encaixe com o que eu pretendo. Sempre adorei fechar livros com a mesma frase do começo, ou uma variação dela (dá aquela impressão de que o livro fica amarradinho com um laço), mas nem sempre dá certo.
Partir para a escrita sempre é a parte que mais me interessa, o que acaba fazendo com que o avanço da pesquisa para a escrita seja tranquilo e até bem excitante. Acho mais difícil definir o esqueleto e os rumos da história do que realmente começar ela. Mas isso deve ser por conta da maneira como eu escrevo, mesmo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Vou começar pelo final da pergunta porque é mais fácil: nunca tive muito medo de projetos longos; aliás, sempre tive receio dos curtos. Acho difícil resumir a história em um conto ou uma novela. Escrever um romance costuma ser mais fácil porque há espaço para desenvolver os temas e os personagens com calma. Já as histórias curtas nos forçam a sermos sucintos e, ao mesmo tempo, aprofundar os temas, o que pode ser um grande desafio. Por outro lado, tenho um pé atrás com séries ou trilogias. Meu primeiro livro escrito (não o primeiro publicado) foi o primeiro volume de uma trilogia. Percebo hoje que essa história talvez não devesse ser uma trilogia… mas escritores novatos costumam querer começar grande (à la J.K. Rowling ou coisa assim) e acabam inflando uma história que poderia ser curta e mais forte do que dissolvida em vários volumes. Por isso tento sempre fazer volumes únicos.
Agora, com relação às travas da escrita e corresponder a expectativas, é uma situação bem mais complexa! A mim parece que essas são questões que sempre vão existir com relação à prática da escrita. Eu imagino que todos os escritores coloquem um fardo enorme sobre si mesmos toda vez que começam a escrever, todos os dias, pensando “afinal de contas, será que o que eu escrevo presta mesmo? Será que é bom?”. E a procrastinação tem tudo a ver com isso. Às vezes colocamos tantos entraves na qualidade do nosso texto que acabamos nem escrevendo. E é claro que as crises criativas também têm muito peso nesse sentido. A cada crise é uma tristeza, repensando tudo que já escrevemos, revendo erros do passado, repassando cada palavra que já botamos no papel… acho que isso faz parte, infelizmente. Ossos do ofício!
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso os textos várias vezes. Gosto de sempre reler o que escrevi da última vez para continuar, então já dou uma revisada nesse momento. Depois, quando está pronto, deixo o texto descansar algum tempo antes de reler e revisar. E, para publicar de verdade, leio tudo de cabo a rabo para rever pontos confusos, palavras e expressões erradas e tudo o mais. Mas, não, nunca acho que está 100%. O importante é que dificilmente alguma coisa vai ficar realmente perfeita, então temos de nos contentar com o que conseguimos – senão, acaba que nunca publicamos nada.
Eu sempre mostro o que escrevo à minha noiva. Ela também acompanha o processo de escrita, me ajudando quando fico na dúvida de que caminho seguir ou como fazer a história avançar quando ela chega em um ponto duvidoso. Além dela, que é minha parceira de vida e de escrita, também mostro trechos e até o livro inteiro para amigos escritores, mas raramente isso é de fato planejado. Normalmente é mais por ocasião.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
O esqueleto que mencionei antes, sempre escrevo à mão. Tenho um caderno específico no qual ficam todos os esqueletos das histórias que estou escrevendo, e que eu sempre consulto quando fico na dúvida sobre alguma coisa que já defini. E, se necessário, reescrevo os esqueletos para aprimorar e refinar os cursos das histórias.
Mas, na hora de escrever de verdade, tenho que ir para o computador. Me orgulho da velocidade com que consigo digitar (que piada!), habilidade que eu consegui escrevendo. Mas eu uso o Word e só, talvez algumas anotações no OneNote, mas não uso nenhum aplicativo diferente, ou método específico – como aqueles programas que tiram todo o resto da tela e você fica sozinho com o texto, ou que emulam máquinas de escrever. E, como eu faço o esqueleto à mão, também não uso aplicativos de organização de escrita, com aquelas fichas de personagens e esqueletos virtuais. Não que eu não ache isso positivo; acho que deve ser bem interessante, por sinal! Só que nunca usei, e acho que fiquei acostumado com meu método.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias vêm de qualquer lugar, como imagino que seja a resposta da maior parte dos escritores com relação a essa pergunta. Algumas delas vêm ao ler e assistir outras histórias e pensar em ramificações diferentes das exploradas pelos autores originais. Outras vêm ao ouvir conversas de desconhecidos, ou vendo alguma coisa inusitada na rua etc. Uma das coisas que mais me faz bem nesse sentido é andar de transporte coletivo. Adoro ouvir conversas alheias e estudar como um assunto leva a outro, e que assuntos as pessoas costumam conversar nesses momentos. Não é o ideal, vou admitir, mas é algo que me ajuda muito a me inspirar!
Quanto a hábitos, com certeza estar em constante contato com o mundo literário e narrativo são importantíssimos para estimular a criatividade e pensar diferente. Ler o tempo todo, ver filmes e séries é ótimo para refletir e ter ideias.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Ah, originalmente eu não construía esqueletos, algo que fez com que eu me tornasse um escritor melhor. Eu também sei que, conforme li mais livros e conheci novos estilos e histórias, aprendi a desenvolver melhor as minhas próprias. Mas acho que tudo que já escrevi foi um aprendizado para chegar onde cheguei, então não mudaria muita coisa de que já escrevi. Claro que sempre temos o que melhorar, mas, como sabemos, são os erros que nos fazem aprender.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Todo escritor e escritora têm aquele projeto que é grande demais, ou sério demais, e tem medo de começá-lo. O meu é uma ficção histórica que trata de morte e que conta uma década na vida de um idoso que lutou na Guerra do Paraguai depois que ele sonha com o dia de sua morte, mas não sabe o ano. Esse tipo de coisa sempre me intrigou, e a própria Guerra do Paraguai foi um dos assuntos que mais me assustou com relação à História brasileira. Por isso, queria juntar essas duas coisas em um livro sério e profundo. O problema é chegar ao ponto em que eu acho que vou estar preparado para escrever ele…
Quanto a que história acho que ainda deveria ser escrita, não saberia dizer. Acho que tem tanta coisa incrível que os escritores e escritoras pensam – e que não me passariam jamais pela cabeça –, que prefiro que cada um exerça sua criatividade e continue surpreendendo seus leitores, nos virando do avesso com cada reviravolta e trama inesperada e sempre inovando mais e mais!
Com o fim da entrevista, quero agradecer profundamente pelo convite; é esse tipo de coisa que nos faz nos levar mais a sério como escritores. Dizer que se é escritor é uma coisa muito difícil, principalmente no Brasil, e tenho que dizer que essa entrevista me ajudou a chegar um pouquinho mais perto de poder dizer que eu sou mesmo um escritor, com todas as letras e sem nenhuma desculpa!