Fabiane Secches é crítica literária, psicanalista, tradutora e professora de literatura, autora de “Elena Ferrante, uma longa experiência de ausência” (Claraboia, 2020).

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Como tenho atividades diferentes — pesquisa, aulas, escrita, clínica —, preciso organizar bem o meu tempo para coordenar esses afazeres e também para garantir os momentos de pausa e de lazer, que são muito importantes para mim. Para isso, tento seguir os prazos à risca e divido as atividades em cadernos diferentes, mas reúno tudo na mesma agenda.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Um pouco de planejamento pode ser um ponto de partida valioso, mais do que uma estação de chegada. Mas precisamos ter certa flexibilidade, certa maleabilidade para acomodar outras atividades que chegam e desdobramentos imprevistos. Procuro estar aberta para as transformações, para os novos caminhos que se apresentam quando a gente se coloca em movimento.
Quanto à segunda pergunta, para mim, a primeira frase costuma ser um pouco mais difícil do que a última, porque uma vez que a escrita esteja em processo, ela mesma vai encontrando o seu destino.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Eu tive apenas duas experiências de escrita em que precisei trabalhar com mais intensidade por períodos específicos: na dissertação de mestrado e, depois, no livro. Então vou contar como foram essas duas experiências para mim. Gosto bastante de escrever com música e, claro, é ótimo ter uma cadeira confortável, uma boa mesa de trabalho para apoiar computador, cadernos e livros. Mas, muitas vezes, a gente trabalha com o que é possível. É fácil a gente idealizar a condição perfeita para escrever, que pode não chegar nunca, então tento não cair nessa armadilha.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travado?
Prazos que a gente assume com outras pessoas merecem rigor, mas, algumas vezes, tudo bem descumprir um ou outro prazo interno, dos acordos que a gente faz consigo. Porque não somos máquinas que operam todos os dias na mesma marcha. Há ciclos, dias em que o trabalho flui melhor, dias em que isso não acontece. Se a gente puder respeitar esse tempo de dentro, na minha experiência, encarar assim traz mais leveza, menos culpa, e o trabalho se beneficia disso.
Vivemos num mundo que prega velocidade e produtividade a qualquer custo, então se não nos cuidarmos bem, somos submergidos por essa lógica, absorvidos por elas. Sou rigorosa e crítica com o meu trabalho, mas também procuro ser gentil com as minhas limitações. Ser generosa consigo não significa ser condescendente. Ao contrário. Acredito mesmo que a gente trabalha melhor quando pode se respeitar, que muitas das demandas que criamos são parte de uma lista de afazeres que reflete esse tempo acelerado do mundo e podem ser resolvidas simplesmente riscando esses itens da nossa lista imaginária.
Claro, nem sempre é possível, mas a relação entre tempo externo e tempo interno talvez seja mais negociável do que a gente costuma acreditar que é.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
A dissertação de mestrado. Eu não sou formada em Letras, então a decisão de estudar literatura formalmente deu início a um processo novo para mim. Precisei fazer uma imersão de três anos — um ano de preparação e dois de mestrado —, que foi um período de muita leitura e de muita dedicação. Mas a experiência foi tão positiva que resolvi emendar num doutorado na mesma área. Descobri que gosto bastante da pesquisa acadêmica e das trocas que temos na universidade, então espero que seja apenas o início de uma longa jornada. Ao mesmo tempo, esse é um percurso em que a gente está sempre lidando com a nossa precariedade, com a nossa insuficiência. Administrar isso também é importante.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém um leitor ideal em mente enquanto escreve?
Quando escrevo, tem algo que me norteia sempre, não importa se for um artigo de jornal, uma resenha crítica para uma revista, um texto acadêmico ou um tuíte: a clareza. Para quem escreve literatura é outra conversa. Mas para os formatos com que costumo trabalhar, acho que é perfeitamente possível comunicar ideias complexas sem complicar ainda mais. Quero conversar com diferentes leitores, de diferentes formações e expectativas, então a clareza é muito importante. Nem sempre sou bem sucedida, mas o esforço de simplicidade — e não de simplificação — é um esforço que quero continuar fazendo.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Assim que termino uma versão do texto que se sustenta sozinha, gosto de compartilhar e de ter outros olhares. Peço para o meu marido, que sempre lê tudo, muitas vezes em voz alta. Eu mesma também leio quase tudo em voz alta antes de publicar, porque acho importante pensar na sonoridade do texto. Então sou a pessoa chata que pede isso para quem estiver por perto, em geral o meu marido e a minha irmã, que me atendem com paciência e gentileza. Peço leituras também a amigas e amigos, aos meus pais, a colegas de trabalho e de pesquisa, a editores. Quantas vezes for possível revisar um texto, eu farei. Às vezes, o difícil é saber a hora de parar. Por isso também os prazos são tão importantes. Cada texto que entrego é o melhor que consegui fazer dentro daquele prazo e daquelas condições, que nem sempre são ideais.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Eu escrevo desde criança, então não me lembro de ter havido um momento solene de decisão. Parece que essa sempre foi a minha forma de existir, de pensar, de me relacionar com o mundo. Mas me lembro de alguns momentos em que, por razões diferentes, me afastei da escrita e do vazio que ficou no lugar.
Quanto à segunda pergunta, eu não seria justa se não admitisse o quanto sou sortuda: tive muito apoio desde sempre. De professores do colégio, dos meus pais e avós, da minha irmã, do meu marido, da minha orientadora, de muitas pessoas queridas. Então todas as coisas legais que poderiam ter sido ditas, eu ouvi mais de uma vez, e com certeza me ajudaram muito, e continuam ajudando.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Não sei se encontrei um estilo próprio, mas fui me apaziguando com a mistura de referências que faz de mim quem eu sou. O que me ajudou demais foi o processo de análise — a minha análise pessoal e a formação em psicanálise também. A gente vai se entendendo com as nossas contradições e limitações. E também compreende que se constitui sempre através das relações com outras pessoas. Por que com a nossa escrita seria diferente? Se estou lendo uma obra, ela aparece no meu texto, de maneiras diretas e indiretas, conscientes e inconscientes. Somos essa colcha de retalhos. Talvez o que seja nosso seja apenas a costura e a ordem que atribuímos a essa mistura.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
O romance Sobre os ossos dos mortos, da escritora polonesa Olga Tokarczuk, que eu adorei ler e estou pesquisando no doutorado. É a minha atual obsessão.