Everton Behenck é escritor, autor de “Nada mais maldito que um amor bonito”.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Até o momento quem sustenta a casa é o Everton redator e diretor de criação. O Everton poeta e escritor precisam esperar que sobre um tempo para que eles também possam trabalhar. A publicidade toma muitas horas do dia e da semana e a literatura acaba guardada em sua caixinha esperando a sua vez. A poesia é um pouco mais simples. A poesia acontece. Ela vem e se impõe. Na media dos acontecimentos da vida, do país e do mundo é preciso dizer algo. Ou a gente acaba sufocado pelo que não diz. Então, acabo tendo a rotina do trabalho criativo profissional. Acordar. Café na mão. Fazer reuniões. Pautar equipe. Criar. Escrever roteiros. Avaliar ideias. Montar e fazer apresentações. Milhões de reuniões por vídeo nestes tempos de pandemia. E com sorte, quem sabe, em algum momento, escrever um verso. Ou falar um pouco com a minha editora sobre o andamento do próximo projeto literário. Que anda na velocidade que a vida permite. Estou trabalhando no meu primeiro romance e a forma que encontrei de fazer ele andar é escrever durante as férias. Nos últimos 3 anos tirei férias e fui me esconder em algum lugar para escrever. Não é nem de longe a melhor forma. Você dedicar vinte, 30 dias para a escrita e depois parar um ano ou mais. Não ajuda a fluidez da escrita e das ideias. Mas foi a forma que encontrei para seguir em frente. Estou tendo de contar muito com o apoio da minha editora para sair dessa dinâmica com um bom livro lá na frente. Espero conseguir e ter ele pronto para lançar em 2022.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sempre estive na literatura como poeta. Tenho dois livros publicados: Os Dentes da Delicadeza e Nada Mais Maldito Que Um Amor Bonito, que também virou um álbum que me orgulha muito, onde construí, junto com um parceiro produtor musical, trilhas cinematográficas para todos os poemas. Ficou bastante interessante o resultado. Mas como vocês podem ver é uma produção pequena. Um livro tem dez anos de diferença entre o outro. Sinal deste estar na literatura de uma maneira errante. Sempre subjugado pelo trabalho que paga as contas e proporciona segurança para família. Mulher. Filho. Mãe. A literatura há de entender. Mas de certo não há de perdoar. Mas quando estou de férias e vivo a rotina de apenas escrever por uns dias, me sinto bem fazendo assim: acordar. Pegar um café preto. Beber com calma olhando pela janela. E então sentar para trabalhar. Consigo de dedicar bem entre seis a oito horas. Talvez um pouco mais se a coisa estiver fluindo muito bem. Então na parte da tarde e noite volto para as leituras. Seja pesquisa para o livro, seja para divertir o pensamento.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Como acabei respondendo na pergunta anterior: Neste momento sou obrigado a concentrar a escrita no período das férias. Mas gostaria de escrever diariamente em uma rotina bastante consistente de escrita. Como trabalho diário mesmo. Já a poesia sempre vai acontecer quando ela quer. Ou quando sinto que devo procura-la. A poesia é mais generosa com quem não tem tempo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Agora estou tendo esta experiência do romance. Da narrativa com mais fôlego. Que é bem diferente do processo dos livros de poesia, que praticamente escrevem a si mesmos sozinhos. Os poemas vêm pedindo passagem e quando vejo existe um conjunto coeso pedindo para ser reunido. O romance já é outra coisa. Uma obra no sentido mais objetivo da palavra. Como é o primeiro não sei se este será um processo que vai se repetir e se tornar o “meu” processo de escrita ou se cada livro vai ser diferente. Mas neste caso eu já vinha muito preocupado com o assunto do livro. O Brasil. O futuro deste país. O crescimento gigantesco das igrejas evangélicas e todas as suas implicações na vida prática e política. O futuro do trabalho. Enfim. Todas estas questões contemporâneas que me tira o sono. Então na medida em que eu pesquisava sobre estes assuntos a ideias foi se formando na minha cabeça. Entrei então em uma primeira espiral de escrita e pesquisa simultâneas. Até entender que precisava parar e focar no livro. Que seguir escrevendo “picado” durante os pequenos lapsos de tempo que o trabalho permitia não estava funcionando muito bem, mesmo que tenha sido a forma que encontrei para início ao projeto. Então surgiu a ideia de tirar férias para escrever. Então a dinâmica mudou um pouco. Passei a pesquisar bastante durante o ano. Ir separando notas. Matérias. Leituras. Pra então nas férias mergulhar em tudo. A primeira semana dedicada a organizar essas referências e a reler todo o livro. E dali pra frente tentar escrever o máximo possível até o gongo bater e acabar a luta.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Bom. Eu ainda sou marinheiro de primeira viagem. Meu romance ainda não está terminado. Então, eu ainda não sei se vou conseguir. Se vai dar certo. Tenho absolutamente todas as dúvidas que se pode ter em relação a um projeto literário. Mas em relação a estas questões de travas, expectativas e procrastinações tenho muito a agradecer ao redator. Ser criativo profissional em agências de publicidade nos ensina que não pode existir travas. Que não pode existir procrastinação. Existe a folha em branco e o prazo ali na frente. Sempre curto. E vocês precisa entregar ou entregar. E será duramente julgado pela sua capacidade de fazer bem o que deve ser feito. Trabalho atrás de trabalho. Depois de viver esta rotina por tantos anos estas não são mais questões que surgem na minha cabeça. Eu vou fazer o que precisa ser feito. E vou entregar no prazo. Mas estou morrendo de medo se vai ficar bom o bastante. Ainda sofro por ser o crítico mais severo que já encontrei. Sempre tenho medo do que vou pensar e dizer sobre o meu trabalho.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Com a poesia sempre foi mais ou menos assim: escrevia os poemas em um arquivo e deixava lá. Cada vez que relia o arquivo já ia lapidando um pouco. Aos poucos ia publicando no blog. Depois na página do Facebook. Então já dava sentir um pouco das pessoas. O que batia mais forte. O que tinha mais efeito. E vou assim até o momento de organizar o livro. Aí sim vem o momento da carnificina. Cortar sem dó. Buscar o essencial. Neste processo, poemas que tinham duas páginas, às vezes, se reduziram a dois versos. Nesta hora é preciso ser rigoroso. Depois de ter esta primeira versão, aí sim peço a leitura de alguém em quem confio. No meu caso o poeta Fabrício Carpinejar. É importante ter alguém com um critério que você acredite. E vem então mais corte. Mais reescrita. Mas poemas que caem da edição. E só então considero que o livro está ali. Importante sermos muito chatos neste momento. Meu maior medo era ter um livro que me assombrasse. Não tenho pretensão de ser nenhum gênio literário. Mas tinha muito medo de ter um livro que envergonhasse e que eu tivesse o instinto de renegar. Demorei para publicar por conta disso. Fui publicar o primeiro lá pelos trinta anos. Felizmente os Dentes da Delicadeza é um livro que ainda me agrada. Uma missão cumprida. O que já é muito. E depois o Nada Mais Maldito Que Um Amor Bonito. Que era muito mais desafiador. Porque afinal, são poemas de amor. O tema mais gasto do mundo. Aquele sobre o qual tudo já foi dito mais de uma vez. O tema que dá arrepio nos literatos e faz todos os escritores sérios torcerem um pouco o nariz. Mas como era verdadeiro para mim e como sou um outsider na literatura, decidi fazer. E a missão era ter um conjunto de poemas que contasse uma história. Como uma novela. Que se permitisse ser ridículo como todas as cartas de amor. Só não queria que soasse cafona. Acho que consegui. Espero.
Já no que diz respeito ao romance está sendo totalmente diferente. Aqui estou navegando totalmente no escuro. Tudo novo. Nunca tinha escrito ficção. Nem contos. Nada. Então quando me dei conta de que aquela ideia que eu tinha precisava ser um romance fiquei um pouco assuntado. E acho que não estar sozinho e entender minhas limitações foi e será o principal processo criativo desta vez. Quando fechei a história, por mais crua que estivesse, já contratei uma leitura crítica pra me ajudar a andar. Não quero ficar me debatendo nas minhas próprias limitações tanto pela falta de experiência quanto pela falta de tempo. Combinação fatal para um bom livro. Então estou contanto com todos. Com a leitura crítica profissional, com a leitura de amigos quando chegar a hora e muito com o trabalho a quatro mãos com a editora que será decisivo. O importante é entender que não fazemos nada sozinhos. Mesmo o trabalho solitário do escritor ficar melhor quando se torna um trabalho em equipe.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Hoje em dia escrevo tudo no computador. Poemas, no celular mesmo. Tenho um longo arquivo de notas no celular de onde imagino sairá um novo livro de poesia em algum momento. Antes escrevia poemas nos cadernos e usava a transcrição pro digital como momento de revisar e reescrever. Mas a falta de tempo atropela tudo. Atropelou a caneta também. O romance estou escrevendo no Google docs. Uma ferramenta que facilita compartilhar com um amigo. Com a sua agente ou editora.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Sempre ouvi que eu era muito criativo. Porque estava sempre escrevendo. Fazendo música. Inventando alguma coisa. Acho que por isso busquei a publicidade como forma de ganhar a vida e mudar a minha realidade e da minha família. Já se vão quase 20 anos como criativo profissional. Não vejo nada melhor para manter uma pessoa criativa do que a necessidade. Preciso transformar isto em carreira. Preciso aproveitar esta oportunidade. Preciso cumprir este prazo. Preciso. A necessidade é a mãe da invenção.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Esta pergunta me assombra um pouco. As vezes tenho vontade de embarcar na máquina do tempo e dizer para aquele menino apostar tudo na arte. Dar all in na literatura. Esquecer a publicidade. Mas então fico com medo do que resultaria. Porque foi a propaganda que mudou a minha vida e da minha família. Até os caminhos na literatura foi a publicidade que ajudou a abrir. A expandir os horizontes. É claro que ela cobrou um preço. E o preço é o tempo que eu tive que dar a ela. Mas acho que no fim das contas aquele moleque que eu fui fez o que eu diria para ele fazer. Ela nunca parou de escrever.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Espero estar escrevendo ele neste exato momento. Espero que dê tudo certo. Espero seguir brigando pelo direito de existir na literatura. Espero achar um jeito.