Érika Batista é escritora, formada em Direito e tradutora de russo e inglês.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu tento ter, cuidar um pouco do corpo e do espírito. Tomar um café da manhã legal, fazer um alongamento para não acabar com as costas passando o dia todo sentada, tirar um tempinho para falar com Deus… Enfim, e outras coisinhas, quando dá.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
De manhã cedo e de noite. Acho que é porque a casa está mais silenciosa. Mas na verdade eu sempre fui menos produtiva de tarde mesmo. Não tenho ritual não, quando vem a inspiração eu só sento e escrevo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo em períodos concentrados, sempre que bate a inspiração. Já participei de uns dois NaNoWriMo e dois camps do NaNoWriMo com sucesso, mas tirando esses períodos, nunca consegui manter as metas diárias que colocava para mim. Ou, quando escrevia me forçando, não gostava do resultado. Então confirmei que não funciono assim e desisti de colocar metas.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu geralmente já começo direto escrevendo, sem compilar notas antes. Eu tenho uma vaga ideia do que eu quero e, se o primeiro capítulo engrenar e eu gostar do resultado, vou levando e o texto vai me levando. Eu só conheço parte da história, o resto se constrói enquanto escrevo. Naquele negócio do jardineiro versus arquiteto, definitivamente sou do tipo jardineiro.
Claro que isso varia um pouco de história para história e do estágio em que o livro se encontra. Por exemplo, em um livro que escrevi com uma amiga, nós só começamos a realmente planejar a história do meio para o fim. E mesmo assim um planejamento bem solto, coisa de duas linhas por sequência, só para não descoordenar as partes das duas autoras.
Eu escrevo bastante ficção histórica, e nesse caso algumas notas básicas são indispensáveis, além de muita pesquisa complementar. O processo de pesquisa nunca acaba, ela caminha junto com a escrita, até porque eu costumo fazê-la de modo progressivo, pesquisando sobre as coisas conforme elas aparecem na história. O livro em que estou trabalhando, sobre a Intentona Comunista de 1935, é costurado em torno de acontecimentos reais. Eu deixei para me aprofundar nesses acontecimentos à medida em que eles iam surgindo na história, para que eu pudesse reagir a eles na mesma progressão que os personagens reagiam, descobrindo as coisas aos poucos.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não lido. Eu caio naquele ciclo de ansiedade por estar procrastinando que me leva a procrastinar mais. Até a hora em que desisto e espero o retorno da empolgação com o livro e de uma fase propícia para a escrita.
Para não dizer que não faço nada para combater a ansiedade, tem umas coisas em que eu penso. Tento lembrar que alguns autores levaram 12 anos ou até mais para concluir suas obras. Isso meio que encoraja; nem todo mundo é o Stephen King. Também tento me convencer de que existem altos e baixos na nossa relação com o livro, principalmente nos projetos longos, e também que a vida real pode nos roubar o tempo e a vontade de escrever, e que isso é normal, não devemos nos culpar por isso. A culpa é só mais uma carga numa pessoa já sobrecarregada, e não vai ajudar nem um pouco o autor a sair do poço em que às vezes ele se encontra e recobrar a paixão pela obra.
Todo esse ciclo me é bem próximo atualmente, porque estou trabalhando num projeto longo desde 2016 e que ainda vai levar mais pelo menos um ano para ser concluído. Houve períodos de escrita intensa, e períodos de cabeça deserta, por assim dizer. A gente fica dividido entre a ânsia de terminar logo e o desejo de fazer algo excelente, o nosso melhor… um livro que a gente ame do começo ao fim, mesmo que demore. É complicado.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Sinceramente, por enquanto eu nunca senti que algo meu estivesse pronto para uma publicação física. Eu poso de confiante, mas no fundo tenho um olhar bem crítico para as minhas obras. Mas eu publico algumas coisas no Wattpad e publiquei um livrinho na Amazon para testar o sistema. É dessa forma que eu mostro minha escrita para outras pessoas; leitores beta, que leiam antes da publicação online, eu não tenho. Entre a escrita e a publicação online eu reviso pelo menos duas vezes, uma logo após escrever, outra logo antes de postar. A verdade é que cada vez que eu abro o arquivo e releio, fico com vontade de alterar ao menos uma palavrinha. Nem sempre é erro; com o tempo, a gente muda e alguns recursos ou palavras de que gostávamos já não apreciamos mais, enfim. Talvez os textos nunca fiquem prontos, talvez a gente só desista de aperfeiçoá-los em algum momento, e aí essa é a versão que o público fica conhecendo.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tenho boa relação com a tecnologia. De modo geral escrevo no computador e uso o celular para anotar aquelas ideias que não dá para perder e que surgem quando estou na rua ou logo antes de dormir, por exemplo. Minhas primeiras histórias eu escrevi à mão, porque na época não tinha computador. Hoje em dia a praticidade do editor de texto me ganhou, mas a verdade é que às vezes ele me entedia também. Às vezes as ideias fogem só de abrir o Word e encarar a página em branco. Então eu uso outros editores de texto, programas (FocusWriter, LibreOffice) ou online (CalmlyWriter, Writer BigHugeLabs, GoogleDocs), e quando nem isso resolve, retorno para o papel. Também escrevo no papel quando estou cansada do computador. Ou quando é algo que eu realmente preciso entender, uma cena intrincada, com muita tensão ou coisa parecida. Parece que flui melhor no papel. Ele é, digamos, a minha arma secreta, reservada para momentos especiais.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias podem vir de absolutamente de qualquer lugar. Uma palavra, uma imagem, uma música, um pensamento vago, tudo isso pode me inspirar. Mas acho que minha principal fonte de inspiração são os humanos — gosto de observar as pessoas — e a História.
Não tenho hábitos para cultivar a criatividade, não. Meus próprios hobbies (ler, conversar, ouvir música) já fornecem um bom alimento para ela despretensiosamente, eu acho. O principal é a cabeça estar querendo receber. Quando eu me mantenho aberta às impressões externas — o que não é sempre, infelizmente — a criatividade vem sozinha.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu diria: você não precisa apresentar todos os personagens logo de início, nem precisa começar os capítulos com a pessoa acordando e terminar com ela indo dormir.
Brincadeiras à parte, acho que ganhei maturidade, profundidade nos textos, mais noção de ritmo. A cabeça da gente vai abrindo com a idade e novas dimensões da vida vão surgindo, e a gente vai adicionando essas dimensões às histórias. Só tenho medo de perder a simplicidade do escritor iniciante, o otimismo, de ser, por exemplo, incapaz de escrever um final feliz. Falando sério, agora, acho que diria para meu eu iniciante “permaneça fiel à sua essência” e “não perca a esperança”. Digo isso para mim mesma hoje também, e para todos os meus colegas. De uns tempos para cá andei pensando e acho que a esperança é a marca distintiva da literatura brasileira. Mesmo naqueles livros em que tudo vai muito mal, permanece um raiozinho de esperança. Que a gente possa sempre alimentar com ele o nosso povo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Um livro que há muitos anos eu tenho vontade de escrever e que nunca comecei por não me sentir à altura é um romance histórico no tempo da Reforma Protestante, do ponto de vista de um monge. Demandaria bastante pesquisa sobre a Idade Média, sobre minúcias da vida nos monastérios na época, e tem o desafio do protagonismo masculino, que até agora eu só fiz em contos. Outra história que eu queria escrever era um conto ou novela sobre Canudos. Tenho uma fascinação por temas de revoltas, revoluções, turbulências sociais.
Quanto a livros que eu gostaria de ler e não existem, eu não sei… Há tantos e tantos livros que já existem que eu quero ler, e tantos outros que eu não conheço… Mas qualquer coisa que me surpreenda ou emocione seria bem-vinda. Um livro sincero, escrito com o coração e as tripas do autor, e não apenas seu cérebro. Mesmo que não seja uma grande inovação em termos de enredo ou técnica, se o livro me fizer sentir que eu estou lendo os pensamentos mais profundos do autor na boca e no comportamento dos personagens, se me fizer pensar na vida, na morte, na sociedade, na alma… ele será sempre bem recebido por mim.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Geralmente eu deixo fluir, até porque, quando eu começo um novo projeto é justamente o momento em que eu estou mais empolgada, então as tramas vão se enlaçando e se desenvolvendo organicamente. Mais adiante eu posso dar uma planejada, geralmente pontual, mas gosto de dar liberdade à história. Quanto à frase mais difícil, varia de projeto para projeto, mas o mais comum é que seja a última. Uma porque, como disse, eu costumo iniciar a escrita na verve da empolgação; e também porque um final indigno do livro pode destruir uma boa experiência de leitura, e essa é uma falta que eu tenho bastante receio de cometer.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Com relação à escrita, eu não organizo. Eu espero o momento de inspiração, escrevo o máximo que der nesse momento, termino a obra entre esses impulsos e algumas empurradas, deixo descansar e um tempo depois passo à árdua fase da revisão. Prefiro me dedicar a um projeto só de cada vez, para que possa ser uma dedicação completa. Pelo menos no que diz respeito a romances. Ocasionalmente posso escrever poemas ou contos nesse meio tempo, textos curtos que eu complete logo e não me distraiam do projeto principal da vez.
O que motiva você como escritora? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
Minha motivação é não poder deixar de escrever. É uma parte tão intrínseca de mim que eu não conseguiria renunciar de todo à escrita sem me sentir aleijada. Eu lembro que eu era bem nova quando eu quis ser escritora, e de tudo o que eu já quis ser na minha vida, esse foi o único desejo que resistiu ao tempo. Mas não me sustento com a escrita, então não sei se o “dedicar-se” dessa pergunta se aplica a mim.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
Autora mulher, especificamente? Creio que Jane Austen na prosa, com seu amor por diálogos e ironia, e Adélia Prado na poesia.
Quanto ao estilo próprio, não sei se já o tenho totalmente formado, acho que é algo que terceiros julgariam melhor que eu. Há alguns indícios de estilo, sim, e acho que decorrem da minha personalidade, dos meus temas e daquilo que eu retive das minhas leituras e que me agradou. Mas não houve uma busca consciente por formar um.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
A Bíblia. Mesmo para quem não é cristão, é uma leitura fundamental para quem quiser entender as bases da civilização ocidental, as referências que aparecem em incontáveis autores, e tem livros extremamente profundos ou poéticos, como Eclesiastes ou o Evangelho segundo João.
A revolução dos bichos, do George Orwell. Considero esse livro um primor de alegoria e um exemplo maravilhoso de vigor e brevidade na escrita. Fora que ele tem o melhor parágrafo final que eu já li na vida.
O cheiro da rua, do José Artur Castilho. É um livro curto sobre a amizade entre um menino, uma senhora em situação de rua e um cachorro na Belém dos anos 90. Não é o tipo de livro que eu normalmente leio, mas me tocou bastante e me surpreendeu pela qualidade, ainda mais o autor sendo um rapaz tão novo. Acho que a obra ainda está disponível no Wattpad, à espera de uma edição física.