Elizandra Souza é escritora e jornalista, integrante do Sarau das Pretas e fundadora do Coletivo Mjiba.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Pela manhã eu não costumo funciona muito bem. Este ano entrei em um desafio de aprender a nadar, tenho muito medo de morrer afogada, decide que em outras vidas já morri afogada, nessa eu não morrerei. Então duas vezes por semana faço aula de natação, está sendo desafiador, cada aula é uma construção de aprendizado, memorizando no corpo cada movimento que me faz sair do lugar, que possa engolir menos água possível, que posso me sentir mais confortável na piscina. Os demais dias se não tenho algum compromisso, costumo acordar mais tarde. Muitas vezes durmo pela manhã ao ponto de não levantar para tomar café. Ainda moro com a minha mãe e todas as manhãs a mesma reclamação que não tomo café. Pela manhã só faço o que sou realmente obrigada, estou em busca de mudar essa minha rotina matinal.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Costumo trabalhar melhor no entardecer e na noite. Nos dois últimos anos que passei a ser autônoma, esses são os horários que costumo trabalha. Eu não tenho um ritual de escrita, gostaria de ter, sempre leio entrevistas de outras escritoras e escritores, alguns tem uma rotina bem definida e fazem rituais de isolamentos, não é o meu caso, admiro quem consegue fazer isso, eu construo o texto no caos dentro de mim e por fora… apesar que quando o meu quarto está muito bagunçado não consigo escrever muito bem, o que é quase sempre. Estou passando por um período de bloqueio de escrita, então tem algum tempo que não tenho escrito nada. Mas estou me respeitando e aproveitando o tempo para ler, para pensar cursos e outras possibilidades da escrita está na minha vida.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu escrevo em períodos concentrados, quero aprender a criar uma rotina, metas de escrita diária, mas ainda não tenho… Como mencionei acima admiro quem consegue fazer, mas no momento não pratico a escrita diária.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Quando mergulho no processo de escrita, tem dois processos as poesias na maioria vem pronta ou quase pronta, precisando só de alguns ajustes, principalmente com a repetição de palavras, pois quando estamos escrevendo tem sempre uma palavra que quer enfatizar mais, normalmente a poesia é toda em torno dessa palavra que fica pulsando na sua mente, implorando para ser escrita, ela fica ali, seduzindo, jogando pedra pra chamar atenção, fazendo birra, se jogando no chão que nem algumas crianças mimadas, então essa palavra costuma aparecer muitas vezes na mesma poesia, as vezes em muitas poesias ela aparece… No meu livro águas da cabaça por isso o título que foi criado posteriormente a escrita dos textos…foram duas palavras que me perseguiram naquele processo “águas” e “ cabaças” e quis entender a ligação dessas duas palavras na minha vida… O outro processo de escrita que também aborda a perseguição das palavras ou de uma ideia… é na criação de contos a personagem começa a me perseguir e começo a vê-la em todos os lugares, começo a convida-la para tomar alguns cafés comigo assim ficamos mais intimas. Depois dessa perseguição começo a pesquisar sobre tudo que envolve aquelas palavras ou ideia, releio muitas vezes e costumo mandar para um grupo de amigas que são também escritoras para a leitura e apontamentos sobre a potencialidade do texto ou se estou entrando na vala do que todo mundo já está fazendo…
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu costumo lidar com as travas da escrita com terapia e também com muita leitura, preencho meu tempo com a leitura de outros escritores, sobretudo a escrita de mulheres negras que estimula muito, pois temos um processo de silenciamento muito grande, ficamos sufocadas de tanto que precisamos falar e ser ouvidas. Eu tenho tido muitos bloqueios poéticos como costumo chamar, me incomoda o fato de ser escritora e passar tempos sem escrever, mas tenho aprendido que esse momento eu estou estocando para depois fazer o que precisa ser feito, ainda mais que eu escolhi ou fui escolhida para viver das palavras, as minhas duas profissões me exigem esta cercada de palavras, de novidades, de ter o que dizer… Eu me cobro muito por isso mencionei a terapia que é para organizar essa ansiedade e esses momentos que também são necessários. Eu também não sou uma escritora que publica um livro por ano, meus dois livros autorais o primeiro em coautoria foram projetos longos uma espécie de antologia do próprio trabalho, então o Punga foi a reunião de poesias de 2001-2007 e Águas da cabaça – 2007 a 2012, já completaram 7 anos que não publico um livro autoral, nesse período vivenciei ser editora de uma antologia e de um livro autoral da Jenyffer Nascimento…
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Como mencionei em alguma das perguntas anteriores costumo mostrar para um grupo de amigas que também escrevem para elas lerem e sempre me dão opiniões em que possa melhorar os textos…Eu mostro sim para algumas pessoas…Normalmente só publico quando tenho segurança sobre a existência do texto…
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Normalmente sempre ando com um caderninho para anotar qualquer ideia que esteja me perseguindo e depois costumo ir desenvolvendo no computador… no celular também e me envio o texto ou a ideia por e-mail.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm de vivências que tenho na vida, os desafios que me coloco, coisas que me incomodam ou me encantam sobre mim mesma e eu vou procurar saber se acontece também com outras pessoas. Tenho algumas poesias que são mais sobre conscientização sobre questões raciais, feminismo combate ao machismo e ao racismo esses são temas que vem na raiva na medida que acontecem na sociedade e me deixam muito inquieta e revoltada que vou para o papel. Os hábitos que eu cultivo para ser criativa tem sido o autocuidado comigo mesma, a importância de me manter atualizada sobre o que no mundo e ao meu redor, a leitura de livros de literatura e também de não ficção, gosto muito de biografias, gosto muito da vida das pessoas, costumo dizer que me tornei jornalista para saber muito mais das pessoas, comer bem me deixa muito criativa, frequentar lugares que me acolhem, cultuar meus Orixás, consultar Ifá, sonhar, tudo isso me possibilita permanecer criativa e me dão subsídios para a escrita…
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Os meus primeiros textos têm a urgência da denúncia, principalmente sobre o combate ao machismo e ao racismo, no meu primeiro livro era uma menina-adolescente- desabrochando mulher negra nessa sociedade tão adoecida e empobrecida por não ver potencialidade em mulheres como eu, sonhadora, buscando um lugar ao sol. Insegura com as palavras, mas ao mesmo tempo dizendo o que precisava ser dito. Os meus textos amadurecem a medida que eu amadureço, eu tenho muitos poemas falando de amor, a medida que fui aprendendo a me relacionar melhor comigo e com o outro, essas poesias são mais intensas e complexas, é como se antes eu só fizesse rascunhos dos sentimentos escritos a lápis que poderiam ser apagadas a qualquer momento quando eu mudasse de ideia, hoje eu escrevo com caneta permanente, o que eu disse já foi dito e não vou retirar, eu assumo todas as palavras, ideias e conflitos e me perdoo se não está adequada, se aprendi outra forma… Atualmente quero alcançar as entranhas do texto, quero dizer, sem dizer, dizendo… aprendendo as sutilezas do morde e assopra, ou do bater de verdade e dizer sim estou batendo… Meu processo de escrita está mais ousado, cada dia mais parecido com a imagem que quero construir do mundo das palavras e das narrativas…
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O projeto que está no mundo das ideias é um livro de contos, esse livro quero muito ler e ainda não está escrito. Acho interessante essa pergunta pois os três livros publicados pelo Coletivo Mjiba que são: Águas da Cabaça, minha autoria, Pretextos de Mulheres Negras (22 autoras negras) e Terra Fertil de Jenyffer Nascimento foram construídos usando esse lema de fazer livro que gostaríamos de ler. Agradeço a oportunidade de falar sobre o meu processo criativo, me sinto inspirada a continuar escrevendo, parabenizar também pelo site é realmente inspirador ler outros escritores e escritoras.