Eduardo Ezus é poeta potiguar.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo o dia gostando da cama. Ali, deixo um pouco a cabeça pensar no que queira, às vezes imaginando situações inexistentes, às vezes recordando algo, de olhos fechados ou não. Fico nisso até o momento em que decido fazer o que está previsto para o dia (se há algo previsto), o que pode ir de afazeres domésticos a conteúdos para a página que edito (a Tamarina Literária): aí de fato acordo, me levanto e vou pra rede, onde leio algo, escuto os primeiros sons do dia, pássaros, motos, o carro do ovo… Só começo a escrever algo após o café, já meio que com alguma ideia dessas reflexões matinais.
Mas nem sempre é assim: não sou tão linear quanto procuro, e às vezes essa reflexão matinal ocorre às 23h e dura até às 3h, 4h da madrugada. Quando acordo, o carro do ovo já passou, os pássaros já cantaram e o calor toma conta da casa: aí faço o mesmo, vou para a rede e dou início ao que vier.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
A melhor hora do dia para mim é entre a manhã e a tarde. À noite raramente escrevo, atualmente – nem sempre foi assim… Posso dizer que sou uma pessoa afeiçoada aos rituais, sim. Me programo para o que irei fazer. Procuro fazer antes daquilo e depois disto. Gosto de escrever na rede, meio deitado, meio sentado, meio parado, meio em movimento. Coloco o fone de ouvido no volume zero e escrevo: na varanda, no corredor. Quando não é possível, vou para o quarto, para uma mesa – mas prefiro a rede…
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho meta de escrita diária, mas escrevo quase todos os dias. Se estou escrevendo algo mais longo, como no momento, em que estou me aventurando em um romance/novela, anoto pensamentos ou o que seja, para usar depois. Se é algo mais curto como crônica, conto, geralmente escrevo em um ou dois dias e fico meio obsessivo com aquilo, até que se torne razoável. Reescrevo muito e raramente guardo versões anteriores: corto no próprio word e já foi.
A exceção é a poesia, que geralmente escrevo à mão, procurando aquele som que me persegue há um tempo, uma dimensão qualquer solta em minha cabeça, e aí, ao final do processo, as versões anteriores até ficam preservadas no mesmo caderno em que passo a limpo, porém ilegíveis.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Como falei, gosto de escrever na rede e no notebook – com a exceção já mencionada. Não sei se há explicação para isso, mas me iludo com a imagem de que recordo mais facilmente certas coisas estando nesta posição, meio deitado. Outro fator é que, pela minha altura, as mesas e cadeiras são meio baixas, o que se torna bem incômodo. Aliado a isso, uma tendência a ficar parado enquanto as coisas andam me dá um certo prazer – aí dou uma balançada na rede de leve. Gosto do movimento, de observar e aguçar meus sentidos, ali, meio balançando e de olhos fechados. Quando vou escrever, já tenho ideia do que será, sobre o que quero falar. Geralmente, sei o fim – se é um conto, e até mesmo neste romance que estou na luta – embora haja aberturas que ocorrem durante o processo. Mas para escrever, para iniciar o ato de escrita, preciso de um movimento inicial, uma ação, algo assim, além de ter uma noção de para onde as coisas irão…Porém isso pode mudar a qualquer tempo. Penso que é interessante não engessar isso: se permitir outras nuances é algo construtivo, sobretudo para criação. Se o resultado não for como desejado, a experiência vale: fiquei sabendo um lado de lá.
Já a fase de pesquisa, ela é constante: sou um tanto obsessivo. Mergulho e fico submerso. Posso dizer que enquanto escrevo, pesquiso. O processo me fascina. É por ele que sou atraído. É ele que me tira da cama para a rede (rs), onde irei escrever, vamos dizer assim. Enquanto leio um ensaio, por exemplo, paro para fabular, depois retorno para a leitura, e isso se repete algumas vezes. Não sou alguém, pelo menos ainda, que pesquisa primeiro, até certa exaustão de um tema, e depois escreve. Já vou criando no-durante e curtindo o processo, ainda que seja doloroso.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Para um projeto mais longo, com o método. Isso controla a minha ansiedade, embora eu esteja disposto a mudar tudo enquanto o projeto é concretizado. Tendo feito um esqueleto, enquanto o preencho com músculos e veias, ou com sangue, nada me impede de mudar alguns ossos de posição.
Sobre corresponder às expectativas, tenho um leitor severo dentro de mim, o que se torna um pouco complicado, muito embora proveitoso, pois estou sempre pensando nas formas de expressão que posso desenvolver. Mas sempre recorro a opinião da minha companheira e de alguns amigos, e embora nem sempre utilize aqueles apontamentos tais como foram apresentados, as múltiplas visões muitas vezes me dão um norte melhor para o leitor severo que há em mim. Ultimamente tenho ignorado um pouco esse leitor severo. Corresponder expectativas é algo que nos bombardeia, sobretudo no mundo em que vivemos, rodeado de “pessoas perfeitas e de trajetórias de sucesso”, mas penso que o escritor ou o artista de forma geral, deve afirmar a sua personalidade insistindo na ideia que pulsa dentro de si, não importando se há aceitação da crítica, alto índice de leitores ou consumidores de sua arte, ou do que quer que seja. Se você sente que algo precisa ser dito de determinada maneira, particular, apenas diga, escreva ou pinte, assuma essa postura, viva e morra com ela. Se não faz sentido para você, caia fora.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Escrevo, leio, falo em silêncio, sussurro as frases pra mim, leio de novo, vejo a forma, reescrevo, corto, corto, sussurro de novo e depois mostro a minha esposa ou a um amigo, a quem tiver mais perto. Depois volto para o texto e fico nisso até sentir que o texto tem a cadência, o ritmo, a sonoridade e as imagens que estão internalizadas em mim. Não sei quantas vezes, e, sinceramente, acho que nunca são nem serão suficientes, até me dar por satisfeito. Isso é tão relativo… Satisfeito raramente estou com o que escrevo, mas também não posso ficar eternamente nesse processo, não é? O que ocorre é que leio e releio tantas vezes durante o processo, que depois que publico, eu não tenho mais tanta vontade em voltar àquilo. Já quero estar em outra coisa…
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Me acostumei com o computador. Quando não possuía um, escrevia à mão – e era cada garrancho! Às vezes sou frenético, escrever à mão muitas vezes não acompanha o pensamento. O notebook é mais prático. Até gosto. Mas não deixo meus cadernos para trás. Geralmente não faço notas exatamente para os textos em prosa, apenas escrevo ideias que me vêm, pensamentos, descrições que, pelo menos até o momento, não foram usadas “ao pé da letra”, mas que, ao ler novamente, me dão a dimensão daqueles momentos – e a partir daí escrevo.
Já os poemas são escritos, quase todos, à mão – algumas vezes no celular.
De forma geral, eu gosto da tecnologia, sim. Acho útil.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias vêm do movimento. De olhar as coisas acontecendo. De conversas que ouço e depois recrio. De um som. De uma sensação. Às vezes vem de algum sentimento, como uma angústia, que transformo em personagem. Vêm, sobretudo, das leituras – de livros e do ao-redor. Vêm de observar a natureza e deturpar memórias. Atualizar crises. Misturar. Vêm das sílabas. Vêm da mentira. Da infância. Da própria linguagem. Um único hábito me mantém criativo: a sensação de estar vivo e nem sempre feliz. Isso basta para a criação.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Em termos de poesia, houve uma mudança na forma, principalmente. Alguns temas e imagens permanecem recorrentes, como o mar, temas existenciais, o lirismo… Mas de forma geral, seja um ou outro gênero, minha relação com a escrita foi alterada. Hoje tenho um pouco mais de disciplina.
Eu diria a mim mesmo que publicasse algo antes, que desse logo a cara a tapas, que escrever é processo e construção e que não existe talento.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Todos os projetos estão iniciados em algum ponto dentro de mim – não sei se serão concluídos. Os livros que li nunca existiram. Os livros que escrevo, jamais existirão.