Dimitri BR é escritor e músico, autor de OCUPA, Breviário da sagrada dúvida e de canções & videocanções reunidas no diahum.com.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
não mantenho uma rotina no sentido de horários fixos, mas sou metódico e me adapto às circunstâncias. procuro evitar ler mensagens/redes sociais logo ao acordar, porque são como aquelas (horríveis) telas de propaganda nos ônibus: podem pautar seus pensamentos, impedir um fluxo mais espontâneo. gosto de tentar lembrar dos sonhos, que são ótimos processadores de ideias. muitas vezes sonho com trechos de música, que canto e gravo no celular. minha música mais conhecida eu compus dormindo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
uma característica do trabalho de criação é que a gente pode levá-lo conosco e retomar em qualquer momento ou local; em geral estou sempre trabalhando (até dormindo, como se vê na resposta anterior). em se tratando de sentar pra escrever, prefiro a noite/madrugada, pela sensação de tranquilidade. quanto a rituais, gosto de ter água por perto; beber água acalma e ajuda a pensar. às vezes, quando chego num impasse, tenho mania de aparar minha barba com uma tesoura.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
costumo ter sempre vários projetos em andamento, sendo um ou dois mais presentes na cabeça, e fico pensando neles ao longo do dia; em qualquer oportunidade, posso anotar coisas específicas relacionadas a eles, ou simplesmente observar e pesquisar. levo sempre no bolso uma bic preta e um caderninho pequeno, sem pauta, no qual anoto ideias, coisas que leio ou escuto, faço desenhos, etc. quando sento pra escrever, costumo ficar até completar o texto/trecho que tenho em mente – quer isso leve alguns minutos ou muitas horas.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
trabalho muito a ideia na cabeça, antes de partir pro papel ou computador (ou instrumento, no caso da música). tem uma instância anterior de pesquisa, que na verdade é contínua, é meio um modo de vida: observar, pesquisar, anotar. a pesquisa mais específica costumo fazer durante a escrita. uma coisa que faço muito é buscar em dicionário online as palavras que uso, mesmo as corriqueiras – palavras são objetos carregados de sentidos; gosto de saber que bagagem estão trazendo para o texto. muitas vezes escolho entre opções de palavras por conta de conotações. de um modo geral, o processo todo é mais breve (e fácil) para canções e poemas, e mais longo (e difícil) para prosa.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
quando a ansiedade ameaça a levar a melhor, procuro respirar, beber água, fazer outras coisas. costumava sofrer mais com isso, mas aprendi na prática que a única saída (pra mim) é continuar a fazer, criar, trabalhar. assim que você se vê em movimento e se empolga de novo com o que está fazendo, a ansiedade diminui e tudo recomeça a andar. no caso de trabalhos por encomenda/com prazo, normalmente a própria demanda já traz indicações pelas quais a gente pode se pautar pra desempacar – aliás, até por isso, gosto muito de trabalhar por encomenda.
no caso dos projetos pessoais, ajuda o fato de que tenho pouca ou nenhuma pressa de publicar. mas já me propus criar com periodicidade: um vídeo musical por mês, por dois anos; um díptico fotográfico por dia, durante um mês; uma stories musical de instagram por dia, por um ano. gostei bastante dessas experiências; me ajudaram a produzir mais e a encarar com mais leveza as imperfeições do resultado.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
costumo revisar muito durante a feitura/escrita (consultando o dicionário para corroborar ou decidir uma escolha de palavras, por exemplo). também acho bom deixar o texto de lado por algum tempo – pode ser por meses ou por uma noite de sono – e então reler. agora, pra versão final, se depender de mim só publico o que passar pela leitura da minha irmã Silvia Rebello, a editora e revisora em quem mais confio.
quanto a mostrar o trabalho em processo, tenho a sorte de ter amigos e amigas, artistas ou não, com quem trocar ideias – menos sobre projetos específicos, e mais sobre criação e observações do mundo e da vida em geral. fiz questão de nomear boa parte dessas pessoas ao final do OCUPA (meu primeiro livro de poemas, lançado em 2016), numa página de agradecimentos que chamo de “bloco do OCUPA”. algumas, como a Laura Formighieri e o Thiago Gallego, leram os originais antes e me estimularam a publicar. mas a maioria é de parceiras de vida, que me inspiram diariamente.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
meu lema é “use o que você tem”; uma tecnologia não é melhor que outra: cada uma tem suas possibilidades e limitações. posso anotar ideias nos caderninhos de bolso e/ou em gravações de áudio, no celular. às vezes rascunho poemas e textos à mão, mas em geral escrevo direto no computador – pra poder colar, cortar e pesquisar já durante a escrita. dou preferência a programas de código aberto, como open office e inkscape. edito vídeos e músicas, gosto também de experimentar com poemas visuais e gifs, e tive um blog de quadrinhos desenhados no paintbrush. aliás, já fiz vários projetos vinculados a plataformas online, como twitter, youtube, facebook, instagram (onde atualmente estou tocando o #1minutodecanção).
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
acho que duas chaves para a criatividade são estimular a curiosidade e evitar a autocensura excessiva. minhas ideias vêm de toda parte, da observação ativa do mundo e do convívio com as pessoas inspiradoras do “bloco do OCUPA”. há sempre algumas dezenas de abas abertas no meu computador – wikipedia, músicas, poemas, artigos sobre os mais variados assuntos. também leio livros, vou a exposições, festivais de cinema, palestras acadêmicas, acompanho o trabalho dos amigos – sempre com o caderninho e a bic preta em mãos. andando na rua, reparo nas pessoas, árvores, objetos. leio de trás pra frente os letreiros e sinais.
de todas essas experiências e observações vão surgindo conexões e ideias – às quais tento dar uma chance, mesmo às que pareçam bobas. quando finalmente uma dessas ideias toma corpo num projeto, muitas vezes me sinto como o aprendiz no filme karatê kid – quando ele se dá conta de que, encerando o carro e pintando a cerca, estava o tempo todo treinando sem saber.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
o pequeno Dimitri era um leitor ávido e um escritor que se permitia experimentar; então acho que antes de mais nada eu agradeceria a ele. ele também era mais ansioso que eu por publicar, então poderia tranquilizá-lo, contando que eventualmente me convenci a fazê-lo. ah, acho que diria ainda a ele que se abrisse mais para colaborações; abrir mão do controle dos projetos pode ser difícil, mas foi trabalhando em parceria e em coletivos (como CEP 20.000, Jardins Portáteis, Bliss não tem Bis) que fiz alguns dos meus trabalhos mais interessantes e tive grandes aprendizados.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
como contei aqui, tenho uma porção de projetos em diferentes estágios de desenvolvimento: de um livro de poemas quase pronto a gravações musicais, passando por um livro infantil interativo e jogos de tabuleiro. tem duas prosas mais longas nas quais trabalho intermitentemente há anos, que espero um dia completar. costumo alternar entre os projetos conforme encontro soluções para avançar neles e as circunstâncias se mostram mais favoráveis à realização de um ou de outro.
o livro que eu gostaria de ler e não existe, nunca existirá, são todos os novos livros que o Victor Heringer viria a escrever. dizer isso poderia ser mera crueldade, mas meu ponto é o seguinte: eu mesmo fico sempre na dúvida entre querer publicar e achar que esse desejo é pura vaidade e/ou que já há vozes e ruídos demais no mundo, solicitando o tempo todo nossa atenção; mas, ao mesmo tempo, sou diariamente salvo pelo que meus contemporâneos e contemporâneas produzem e publicam. saber toda essa gente viva e ativa, em sua diversidade, me traz um grande alento. então o livro que eu gostaria de ler é o que toda essa gente – todo mundo que você entrevista aqui, por exemplo, e muitos mais – sentir a necessidade de criar, escrever e jogar no mundo. espero que as pessoas vivam e deem seu testemunho de vida, do melhor jeito que conseguirem.