Diego Perez é editor e ensaísta, doutorando em Letras Neolatinas pela UFRJ.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começa por volta das 8 ou 9 da manhã. Ligo alguma música para setar o mood do dia – um jazz, trip ou hip-hop -, confiro as notificações matinais (emails, DMs, mensagens), tomo um café e geralmente resolvo algo relacionado a revista que edito, a ano II: ensaio. Sinceramente não me exijo muito nesse período do dia. Que sera, sera.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu sinto que trabalho melhor na parte da noite, entre as 18h e 02h. Algo como o contrário do horário comercial convencional. Ao invés de acordar, tomar café e ir pro trabalho, eu tendo a passar as manhãs e parte das tardes livre até o momento em que passo a prática. Isso me leva a um trabalho mais concentrado no período noturno que se encerra quando eu vou dormir. A contragosto, digo que essa rotina não é exatamente uma constante certa, mas suponho que é a situação ideal.
Eu gostaria muito de ter rituais mais claros de preparação, mas como o meu doutorado – função que mais me exige atualmente – sempre me estabelece importantes e inescapáveis compromissos, eu sinto que o máximo que chego de um ritual é olhar com alguma frequência o calendário de entregas e deixar o coração apertar.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho metas diárias, mas anuais. Costumo ter períodos concentrados de escrita intercalados com longos períodos de estudo e pesquisa. Contudo, como mantenho vários projetos simultâneos, cada qual com seu próprio ritmo de estudo e escrita, acredito que, no fim das contas, eu tenha uma rotina de escrita mais ou menos constante.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Antes de realmente encarar a escrita, mais do que compilar notas, o que costumo fazer é pensar por longos períodos de tempo na história que pretendo contar ou no tema que pretendo ensaiar, principalmente do ponto de vista estrutural: O que move a história? Que conflitos podem aparecer? Quais argumentos devo cobrir? E em qual ordem? O que é contingente e o que é essencial? Em determinados momentos, me pego literalmente articulando parágrafos inteiros na mente sem que isso realmente se torne palavra escrita. Não vejo isso como desperdício, mas como exercício.
O próximo processo costuma ser a escrita de um primeiro rascunho. Se for um texto mais curto, escrevo de um tirão só. Se for um texto maior, tento escrever vários trechos e deixar espaço em branco para complementar no futuro com novas leituras ou comentários. Acredito que esse passo seja simples, o próximo nem tanto.
O que vem a seguir é a parte de limar a forma do texto até chegar a sua versão final. Às vezes isso modifica o texto completamente e pode tomar meses de trabalho. Geralmente quando esse processo se torna muito trabalho costumo dar um tempo do projeto e focar em outra coisa até que o retorno ao trabalho seja novamente proveitoso.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Lido mal. Aceito sugestões.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
É difícil precisar um número exato de revisões, mas são várias. A primeira é logo que o texto toma a sua forma inicial, com algumas horas ou dias de escrita. Uma segunda (ou terceira) vez passados alguns meses, quando os olhos já se distanciaram do calor do momento inicial de criação. Quando eu finalmente decido que o texto vai sair, ele é revisado pelo menos mais duas vezes, uma por mim mesmo e de novo por uma terceira pessoa.
Penso, a partir do meu lugar de editor, que muitas vezes as pessoas se esquecem ou não se dão conta que 100% da literatura profissional produzida hoje passa por várias mãos antes de chegar às prateleiras físicas ou virtuais. Acredito que mostrar o texto para outras pessoas é parte fundamental do que faz um texto ser – antes mesmo de julgarmos a sua qualidade – legível para os leitores que pretendemos alcançar (pode apostar que esta entrevista que você lê agora passou por várias mãos).
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Com o meu último trabalho físico, o IDEIAFIXA, tive a experiência de inverter quase completamente a ordem convencional do processo de escrita contemporâneo já que os rascunhos foram escritos no digital e a versão final, de uma tiragem limitada, foi feita completamente a próprio punho. Acredito que isso me deu uma claridade maior quanto a relação ambivalente que tenho com a tecnologia.
Por um lado, não acredito em nenhum tipo de ludismo ou saudosismo à la “no meu tempo era melhor”: fico fatigado só de imaginar o trabalho desnecessariamente longo e problemático que é escrever um romance ou monografia numa máquina de escrever, por exemplo. Lutar contra os avanços tecnológicos me parece um infortúnio kafkiano. Por outro lado, tendo a ser bem cético com as utopias da modernidade a nos prometer gadgets e funções que, num piscar de olhos, resolvem magicamente até mesmo os nossos mais ínfimos problemas. Não custa recordar os efeitos nefastos que essas panaceias produziram recentemente nas democracias.
Enfim, nos últimos anos, todos os meus textos têm sido primeiro rascunhados no computador ou no celular. Não consigo me imaginar voltando ao papel durante esse momento inicial da criação mesmo que o papel seja um objetivo (e objeto) final.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Atualmente estou numa fase mais “histórica”, digamos assim. Entendo que o ideal romântico de originalidade ainda ronda os afazeres artísticos do século XXI, mas tenho tentado me voltar mais para o passado a fim de (re)descobrir histórias, polêmicas, imagens, sons e perspectivas para alimentar tanto a minha produção ficcional como a ensaística e acadêmica. Alguns dos meus hábitos são ler (e ler o que as minhas leituras leram), fazer a curadoria da página MAGzine – onde tento impor algum tipo de ordem às minhas referências plásticas – e, acima de tudo, tentar ter boas conversas com pessoas interessantes (Fernando Teixeira, Lucca Tartaglia e Laura Navarro para citar alguns nomes). É sempre surpreendente ouvir alguma recomendação, intercalar ideias, saber de alguma história quando nos abrimos para ouvir e dialogar com outras pessoas.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Método, principalmente. Como pesquisador na área da teoria da narrativa, acredito que, com os anos, muito do que antes me vinha em lufadas intuitivas, agora se torna legível antes mesmo de chegar ao papel ou tela.
Penso que se eu pudesse voltar à escrita de meus primeiros textos eu me daria o apócrifo – mas útil – conselho de Éugene Delacroix: “Primeiro aprenda a ser um artesão; isso não vai te impedir de ser um gênio”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Assim que finalizar o meu projeto em curso, a zine A história dos meus sentimentos (previsto para sair em fevereiro de 2022), eu devo começar a escrever um livro de maior fôlego no ano que vem. O que posso adiantar dessa empreitada é que se ambientará durante a Reforma Universitária argentina de 1918. Momento bastante sensível da modernização do conhecimento universitário latino-americano e que ficou marcado por confrontos violentos entre reformistas e católicos.
Eu aposto que já tem vários livros que eu gostaria de ler e não existem ainda em gavetas e pastas digitais por aí nesse exato momento. Para mim a descoberta do primeiro contato – o cheiro do livro, a citação na quarta capa, a presença da autora o autor – é essencial para fruição de um livro. Tenho certeza que muito em breve serei surpreendido por esses projetos.