Diego Callazans é escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu durmo mal toda noite, então começo o dia sempre mal-humorado e com sono. Minha rotina matinal, nesses meses que estou desempregado, tem sido: tomar banho, tomar café, voltar pro quarto, ler e/ou escrever até a hora do almoço.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu costumava escrever durante a madrugada, mas a residência literária que fiz no SESC Santa Catarina entre maio e julho de 2018 me condicionou a escrever ao longo do dia. Hoje acho que escrevo melhor de manhã. Não tenho propriamente um ritual de preparação para a escrita. Eu só costumo escolher as músicas que acompanharão o processo. Elas ajudam a me distrair das preocupações cotidianas e a montar um ambiente para a estória. É comum eu colocar a mesma canção em loop se sentir que ela está me rendendo boas ideias.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo em períodos concentrados. Posso escrever dez ou doze horas por dia durante algumas semanas, como aconteceu ao longo da residência, para logo após passar meses sem escrever uma linha. Quando estou escrevendo com um prazo estipulado, como quando tive de concluir meu primeiro romance, eu determino um número mínimo de palavras por dia. Para poesia, por outro lado, eu não estipulo nada. Venha quanto vier, quando vier.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O processo é custoso. Para poemas, costuma ser curto a partir do momento em que veio a inspiração. Mas, para prosa, eu levo muito tempo remexendo as ideias, preparando os personagens, estabelecendo os eventos e a ordem dos acontecimentos. O começo é sempre o mais difícil. É preciso estabelecer o tom e o estilo. É preciso que as informações coletadas sejam passadas na prosa de modo orgânico.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
É uma luta contínua. A procrastinação eu venço me obrigando a começar. Uma vez que comecei, sinto a necessidade de ir até o fim com a máxima urgência. O medo de não corresponder às expectativas me leva a procurar leitores teste e a deixar o texto esfriar na gaveta antes de reler com calma, tentando assimilá-lo como se fosse de outro. A ansiedade de trabalhar com projetos longos é o que mais perturba. Pra amenizá-la, eu estabeleço metas de produção, um certo número de palavras por dia, para ter calculado o tempo que demorarei para escrever tudo. No geral, sou muito impaciente, então preciso trabalhar, sempre que possível, com uma série fragmentada de prazos mais curtos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu reviso muitas vezes, inúmeras. 10% de meu tempo é gasto com a escrita em si. 90% com a revisão. Costumo mostrar meus trabalhos a alguns leitores teste, amigos que se prontificam a me dar sua opinião sobre o que escrevo. Em livros de poesia, a decisão de que poemas incluir na coletânea é muitas vezes tomada de comum acordo com esses leitores. Em livros de prosa, a decisão de excluir contos inteiros ou trechos de romances também leva em consideração o que me dizem esses amigos.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Para poesia, eu costumo preparar na cachola o máximo de texto e depois passar para um caderninho, pra só ao fim levar ao computador. Mas às vezes vem uma súbita inspiração enquanto estou no twitter ou no facebook, aí escrevo tudo já diretamente na máquina. Com prosa, eu preparo um resumo detalhado de cada capítulo num caderno e depois redijo o texto completo no notebook.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Pros poemas, vêm de frases que me ocorrem do nada. Pros textos em prosa, às vezes vêm de sonhos, às vezes de acontecimentos que presencio. Eu costumo andar com um caderninho e uma caneta para registrar ideias que me ocorram e que eu possa usar.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Quando eu comecei a publicar meus livros, minha escrita passou a levar mais em consideração o interesse do público em ler aquilo. Antes eu escrevia voltado completamente para mim mesmo. Hoje eu penso na minha plateia. Se eu pudesse voltar, diria a mim mesmo que muitos daqueles textos seriam publicados, então que eu me alegrasse com as madrugadas insones e as contínuas reescritas. Se soubesse o que sei hoje, teria publicado meu primeiro livro de poemas alguns anos antes, porque os poemas de que mais gosto foram escritos nos primeiros anos do século. Eu poderia tê-los publicado até oito anos antes.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu tenho ao menos dois romances planejados pros próximos anos, mas tenho andado sem tempo, então eles terão de esperar. Um desses romances é justamente um livro que eu gostaria de ler e ainda não existe. É uma trama de horror sobrenatural que analisa as raízes da crueldade humana, com momentos muito fortes de violência. É um questionamento sobre o que produz e alimenta o sadismo, feito para refletir sobre o cenário político contemporâneo. Eu estou cada vez mais focado em escrever livros que sejam exatamente isso: obras que eu gostaria de ler e ainda não existem. Acho que esse deve ser o propósito de todo escritor.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir?
Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?- Eu planejo o máximo que posso, mas deixo espaço pro improviso. O mais difícil é, sem dúvida, escrever a primeira frase. A última vem naturalmente.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Eu me organizo diariamente. O que vou escrever naquele dia. Não penso muito a médio prazo. Só a curto e a longo prazo. Estabeleço que o livro tem de estar concluído em um ano ou dois, por exemplo, e vou escrevendo um capítulo por dia – ou um poema a cada dois ou três dias. Prefiro ter um projeto só por vez. Não sou bom em dividir minha atenção.
O que motiva você como escritor? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
Me motiva a ideia de que o livro fique tão bom que se torne um dos meus preferidos. Eu decidi me dedicar à escrita recentemente, porque percebi que era a coisa que mais gostava de fazer.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Em poesia, eu demorei um pouco pra achar o equilíbrio entre a erudição e o deboche. Em prosa, eu levei um tempo pra me desvencilhar da escrita poética. Na poesia quem mais me influenciou foi Rimbaud. Na prosa, Machado de Assis.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
Primeiro o “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, do Machado de Assis, que é meu livro favorito. Adoro o sarcasmo, a metalinguagem, o humor negro, a crítica social. Depois, recomendo o livro de contos do Tchekhov que a Nova Cultural publicou há alguns anos. O autor é um contista fabuloso, trabalhando bem o desconforto, a solidão, o vazio existencial e o enlouquecimento. Por fim, o volume de poesia completa do Rimbaud com tradução do Ivo Barroso. Rimbaud alia erudição a irreverência, faz uma poesia densa, complexa e intrincada, tem uma sonoridade incrível e está magnificamente traduzido.