Denise Polonio é mestre em arquitetura e urbanismo, professora da universidade Mackenzie, atleta amadora e escritora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minha rotina matinal varia em função dos compromissos nas primeiras horas do dia. Três vezes por semana, acordo antes de o sol nascer para correr no Parque Villa-Lobos ou no campus da USP, ambos localizados na zona oeste de São Paulo. Ao voltar para casa, durante a subida do elevador até o meu andar, já vou desamarrando o tênis para entrar no chuveiro o mais rápido possível e assim poupar a mim mesma dos efeitos biológicos que essa atividade aeróbica é capaz de causar em meu corpo. Recomposta e devidamente perfumada, sigo para o café da manhã que eu mesma preparo, geralmente com frutas, iogurte e uma generosa xícara de café bem forte. Nas manhãs em que dou aula na faculdade, acordo um pouquinho mais tarde do que nos dias de treino e, enquanto me arrumo, preparo e tomo o café da manhã, ouço o noticiário pela rádio de minha preferência e dou também uma rápida checada nas redes sociais e e-mails.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Desempenho minha profissão de duas formas. Como professora, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e também como profissional liberal na área de projeto de arquitetura e acompanhamento obra. Ou seja, nos dois casos, não há produção literária, por assim dizer. Escrever foi algo que surgiu de forma espontânea e descomprometida. Escrevo para registrar pensamentos, impressões e, sobretudo porque é o momento em que revivo fatos, lugares e sentimentos os quais, de carona com minha imaginação, buscam significados em minha alma e quem sabe, como disse Fernando Pessoa, para salvá-la. (“Eu escrevo para salvar a alma.”- F.P). Escrevo por diletantismo e sendo assim, o faço nas horas vagas, geralmente aos finais de semana. Meu único ritual é não ter qualquer compromisso marcado e de preferência quando estou sozinha em meu apartamento.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Como o que produzo são pequenos textos (ao menos por enquanto), geralmente escrevo “em uma única tacada” ou no máximo de um dia para o outro. Não gosto de ficar muito tempo num mesmo texto porque pra mim ele perde o sentido já que o conteúdo do que escrevo é praticamente um registro de vivências e reflexões relacionadas ao momento que estou vivendo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo de escrita baseia-se na observação e no impacto que esta causa na minha percepção. Ou seja, é um processo análogo ao que desempenho em minha profissão. Arquitetura é um ofício que se apura muito em função da observação do comportamento humano e do contexto onde este se manifesta. O desenho é uma forma de reflexão a partir da observação muito particular do objeto e de seus entornos a qual resultará numa interpretação e representação nem sempre singular. Todo projeto nasce de um desejo e seja ele qual for uma vez concretizado, será compartilhado por muitos. Escrevo a partir do desejo de não converter em forma, mas em palavra, a síntese de minhas percepções.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Quando a escrita for para mim apenas mais um compromisso de agenda, não escreverei mais. Portanto, como diletante que sou se estiver travada para escrever, simplesmente não escrevo. Se tiver preguiça para escrever é porque talvez não seja tão relevante assim o que tenho a dizer então, não escrevo. Quanto a corresponder às expectativas, sim. Esta cobrança existe por mim mesma e em tudo o que faço. Por vezes sou tão feroz em minha autocrítica que aí sim, travo e não dou sequência a qualquer que seja o projeto. Este é de fato um problema para o qual estou buscando encontrar alguma ferramenta que me ajude a controlar a ansiedade e a baixar as expectativas.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Faço algumas revisões gramaticais em meus textos com auxilio de programas no computador, apesar de saber que este não é um método completamente eficiente. Quanto ao estilo e conteúdo, deixo para ler o que escrevi no dia seguinte e assim adquirir perspectiva e, se for o caso corrigir, complementar e até excluir eventuais redundâncias ou imprecisões.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tenho alguns cadernos e uso também o bloco de anotações do celular quando estes cadernos não estão à mão. Quando estou com alguma ideia para um texto rodando em minha cabeça, até fotografia serve como registro de um pensamento. Gosto de buscar meus registros e anotações em papéis e cadernos porque ao encontrá-los fico com a sensação de ter resgatado um tempo além daquilo que está escrito, pura sensação nostálgica. Mas a redação mesmo, se dá no computador. Ouvi algum filósofo contemporâneo dizer que o computador destrói o conceito da ideia original, (no sentido daquilo que é a sua essência) porque permite que manipulemos muitas vezes o “objeto de nossa criação” transformando-o num simulacro. De certa forma eu concordo com esta análise e talvez por isso eu evite ficar muito tempo no mesmo texto.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Comecei a escrever no blog que criei para, a princípio registrar minha rotina de treinos de corrida, em especial para uma maratona que participei. Acontece que falar somente de corrida é muito chato e repetitivo, especialmente porque sou uma atleta amadora e tudo o que faço é orientado pelos treinadores. Meu conhecimento técnico acerca do assunto é extremamente limitado e o que eu poderia escrever a este respeito se refere apenas as impressões, efeitos e sensações enquanto corro. Acontece que a corrida abre um espaço em minha mente e enquanto movimento meus membros inferiores e superiores, experimento um tipo de consciência que faz com que pensamentos, reflexões e ideias, jorrem em minha cabeça. A leitura também me provoca bastante. Assistir a filmes, documentários, palestras e depoimentos de especialistas em assuntos diversos ou até mesmo uma conversa despretensiosa com amigos ou desconhecidos, se torna com frequência uma espécie de matéria prima que busco lapidar com minha escrita.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Escrever como hábito é recente para mim por isso não consigo fazer uma retrospectiva ou balanço da produção de meus textos. Mas ainda que pudesse, acho meio sem sentido porque ao descontextualizar essas produções corremos o risco de empobrecê-las ou de deturpá-las.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Essa pergunta me dá angústia porque começo a pensar em tantos projetos que já engavetei e nos que ainda nem comecei a trabalhar. Não gosto de falar nisso para não haver cobrança e até que deixe de ser projeto e passe a ser algo concreto existe um abismo que pode me tragar ou me projetar para outro lado. No momento estou no ar. Naquele intervalo muito singular em que o corpo se lança no espaço, mas ainda não sabe se irá mergulhar ou voar. Há muitos livros que ainda gostaria de ler e me interesso pelo que é escrito com honestidade, sinceridade e, sobretudo com sensibilidade. A meu ver a poesia de Carlos Drummond de Andrade consegue ser extremamente sofisticada em toda sua simplicidade, como o desenho de Oscar Niemeyer. Gostaria de ler toda a obra de Drummond da mesma forma que gostaria de alcançar a mesma liberdade contida na obra de Niemeyer.