Denise Bottmann é historiadora e tradutora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Tenho uma espécie de rotina, sim, um pouco flexível. Levanto, preparo o café da manhã [meu querido amor, que é um madrugador, já deixa a mesa preparada, tudo no jeito], tomamos café, conversamos do mais e do menos, fazemos festa nos cachorros e nos gatos e vamos ver as orquídeas. Aí cada qual vai para seu escritório e seu computador, e começo a traduzir.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
De dia mesmo. Entre as 9 ou 10 da manhã e as 3 ou 4 da tarde, com os devidos intervalos – conversar, comer, espairecer, andar pelo jardim, ver alguma coisa aqui ou ali.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Tradução é basicamente uma questão de método e rotina, creio eu. Então traduzo de segunda a sexta, com uma meta de dez a quinze laudas por dia. Às vezes vai que é um raio, e até dá para fazer mais. Outros dias a coisa fica mais devagar e sai um pouco menos. Mas, entre uma variação e outra, ao final acaba tendo uma média relativamente constante.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Tem gente que faz uma série de preparações prévias antes de começar a traduzir. Lê o original inteiro ou boa parte dele, assinala e consulta as dúvidas, faz pesquisas de antemão e assim por diante. Já eu não. Tenho uma concepção da coisa que é meio assim: entendo melhor a estrutura compositiva do texto se eu for traduzindo à medida que o leio, pois então, ao traduzir, preciso ir pegando os vários aspectos presentes, desde as escolhas vocabulares do autor, os recursos linguísticos de que lança mão, as figuras de estilo que adota, até a construção gradual e cumulativa de um ou mais sentidos que constroem o conjunto da coisa. Numa leitura corrida prévia, creio que eu perderia boa parte da construção do texto, que, a meu ver, capta-se melhor num acompanhamento mais denso, mais próximo, que é o que procuro fazer nesse processo concomitante de leitura/tradução.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Felizmente, não tenho esses problemas mais peculiares a um escritor de obra própria.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Ah, ler, reler, treler tradução é indispensável! Sempre mudando uma coisinha aqui, outra ali. Até a hora em que a gente precisa dar um basta, senão nunca para.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
No mundo da tradução, sou o que chamam de “dinossauro”. Enquanto boa parte dos tradutores e tradutoras de áreas técnicas, comerciais e até mesmo acadêmicas e literárias emprega programas e ferramentas de auxílio à tradução, utiliza glossários montados a partir de memórias de tradução e assim por diante, fico só com meu computadorzinho. E claro que o buscador do Google é uma imensa mão na roda para consultas das mais variadas questões, pois cobre quase a totalidade dos dicionários e enciclopédias mais importantes e oferece uma grande variedade de outras fontes de consulta, bem como traz uma profusão de links para textos e pesquisas sobre o tema em que estou trabalhando naquele momento.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
“Ideias” nesse sentido, em tradução, imagino que significa basicamente pensar, avaliar e definir o partido tradutório (o tom, o tratamento, o tipo de costura, os níveis de registro da linguagem, o tipo e grau de aderência ao texto de origem, os recursos a adotar em ocorrências de difícil solução, e assim por diante) que emprego no trabalho que estou fazendo naquele momento. Mas, como disse, visto que meu processo de tradução é praticamente simultâneo à leitura do texto, essa reflexão, essa avaliação e essa definição do partido tradutório vão se fazendo e se configurando ao longo desse mesmo processo, sobretudo em suas fases iniciais. Conforme a gente caminha, as ideias quanto aos procedimentos mais cabíveis vão se fazendo mais claras e se consolidando melhor.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Ah, a gente adquire mais segurança, sente a palavra, a formulação das palavras de maneira mais correta e mais escorreita, a gente fica mais à vontade no e com o texto. Acho que não diria nada; ou, talvez, agradeceria àquela pessoinha das primeiras traduções, sempre tão bem-disposta, a despeito dos erros e das inseguranças que nem percebia serem erros e inseguranças.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Projetos profissionais e próprios não faltam. Que os deuses permitam que eu os vá executando dia a dia, vez a vez.