Dênis Rafael Ramos é advogado e escritor, autor de “Para que se façam sempre os dias e as noites” (Reformatório, 2020).

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Infelizmente, ainda não alcancei o privilégio de começar os dias me dedicando à ficção, pois não posso ser escritor em tempo integral e, durante a semana, minha rotina é apressada. Sou advogado e, das 8 às 18, o que me ocupa são as atividades ordinárias, burocráticas (que de algum modo me obrigam a exercitar a leitura e a escrita de textos jurídicos). Os sábados são bastante agitados e desorganizados; o silêncio não vem. Domingo é que consigo começar o dia lendo ou escrevendo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Respondendo a primeira pergunta: Só consigo me concentrar verdadeiramente, isto é, imergir por completo na literatura, no final do dia, a partir das nove, quando já superei as contingências – ao menos na medida em que isso seja possível – e o silêncio tomou toda a casa. O silêncio absoluto é circunstância irrenunciável para que eu extraia o melhor das leituras e possa, então, me entregar à disciplina que a escrita exige.
Sobre a segunda: Depois do almoço, antes de retomar o trabalho, me esforço para ler dois ou três capítulos de um autor nosso contemporâneo (apesar da agitação do mundo, da qual procuro me distrair ouvindo música com fones de ouvido). Depois, no fim na noite, me ocupo durante duas horas lendo clássicos (romance e poesia, necessariamente). Por fim, escrevo até não aguentar de sono. O que considero preparação (ou um rito) para a escrita é isto: a espera pelo silêncio absoluto, as leituras prévias e uma música de fundo que me remeta ao enredo. Meu livro de estreia, por exemplo, tem alguns elementos que remetem à Argentina, como a evocação explícita de um personagem de Jorge Luis Borges. Para me manter preso a esse aspecto do texto, durante todo o processo de escrita eu escutava tangos.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Já faz algum tempo que escrevo todos os dias, exceto aos sábados. Nunca pensei em estabelecer como meta diária um determinado número de páginas escritas. Porém, como pretendo submeter um original a um concurso que será realizado em 2022, organizei-me de tal modo que eu possa escrever e revisitar o texto com tranquilidade e conforme os prazos previstos. Então, ciente do meu prazo, basta que eu inicie um parágrafo, e, se percebo que o texto está se desenvolvendo, começo um segundo, e então alcanço uma página… Cheguei a produzir cinco mil caracteres num dia, e só consegui uma linha em outro. Tem funcionado comigo. A meta é escrever todos os dias. Fazendo assim, tenho agora um texto em progresso, com 190.000 caracteres, que produzi em pouco mais de um ano.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Os escritos que produzi até aqui não exigiram pesquisas complexas. Meu processo, nesse aspecto, é mais simples, e consiste em apreender o máximo das minhas leituras prévias e extrair desses textos elementos que me sirvam para o texto que eu esteja escrevendo. A minha preocupação maior é, respeitados os meus limites, aproximar-me da linguagem literária e alcançar o que eu almejo em relação à estética, ao estilo, à voz do narrador. Muitas vezes, através das leituras, eu encontro uma palavra que eu desconhecia e, sendo a mais adequada, procuro imediatamente o lugar dela em determinado trecho que escrevi, ou essa palavra me inspira um trecho que não estava planejado. E avanço. Eis a importância da leitura para quem realmente deseja escrever.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Hoje, depois da estreia, mantenho uma rotina de escrita diária. Escrevo praticamente todos os dias. Não foi simples – foi preciso assumir-me como escritor, impor-me uma disciplina e educar a mente e o corpo no sentido de que a literatura, para quem deseja escrever, quase nunca será um passatempo, mas um ofício árduo, solitário e, o que é mais perturbador, provavelmente não remunerado e não reconhecido.
Sobre a ansiedade de trabalhar em projetos longos, começo a vacilar quando me sinto bastante cansado, mas enfrento essa ansiedade escrevendo poesia, que, se por um lado é mais difícil, por outro é mais prazeroso e demanda menos tempo. Então, depois de alguns dias, quando me sinto mentalmente preparado, mergulho de novo na tempestade que é a prosa.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu faço a revisão do texto todos os dias, pois, como eu disse acima, as leituras que faço sempre me fornecem elementos interessantes. Todos os dias eu revisito um parágrafo, um trecho, algumas vezes um capítulo inteiro. Por isso a prosa, para mim, é uma tempestade. É um caos. Esse livro de estreia, por exemplo, foi revisto inúmeras vezes e alguns dias antes de ser impresso, pois meu editor sugeriu a inclusão de um capítulo. Não há uma quantidade predeterminada de revisões – elas só terminam quando o livro vai para a gráfica.
Sobre a segunda questão, tenho o privilégio de ser casado com uma professora de redação e gramática e não considero um texto finalizado, pronto para publicação, antes de ele passar pela crítica dela.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo sempre no computador. Às vezes, começo a pensar em um título para o texto, e nesses momentos vou rascunhando, à mão, as possibilidades de título. Mas o texto inicia e termina no computador. Devemos agradecer todos os dias pela tecnologia que temos à nossa disposição, pois você consegue imaginar quantas páginas mais teriam produzido Proust, Flaubert, Goethe e tantos outros, se eles tivessem essa tecnologia?
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias vêm da observação atenta da realidade, mas, sobretudo, da leitura disciplinada, diária e variada, que me recompensa com a beleza das imagens, situações e estilos criados graças ao esforço extraordinário dos grandes escritores.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Não sou um autor tão experiente, mas percebo uma mudança fundamental no meu processo: a disciplina na leitura e na escrita. Se eu pudesse voltar atrás, diria para mim mesmo: Leia mais, leia mais, leia até cair no sono.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Por considerar um desafio extremo (tal como o poema épico), eu gostaria de criar uma saga familiar, à maneira de “Os Buddenbrook”. Mas uma obra dessa envergadura pressupõe a criação de dezenas de personagens e uma sucessão de diálogos entre alguns deles. Não me sinto capaz, por isso não comecei nem começarei.
Sobre a última questão, eu gostaria de ler um novo romance escrito por Raduan Nassar, ainda mais belo do que Lavoura Arcaica.