Deise Assumpção é professora e poeta, formada em Letras, com especialização em Literatura Brasileira.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Atualmente aposentada, viúva, morando sozinha, o dia começa bem tranquilo. Café puro, pão integral feito em casa, mamão com aveia e coalhada também feita em casa.
Se não há compromissos fora, esteira por 40 minutos e um bom banho.
Então, afazeres domésticos, compras do dia a dia, e assim as horas vão se fazendo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Gosto de escrever à noite, com música erudita ao fundo. Nunca posta a uma escrivaninha como manda o figurino, mas no sofá, com papel apoiado em algo que lhe dê estabilidade. Preciso me sentir informal no ato de escrever.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Embora seja bem regrada em outras atividades, na escrita sou anárquica. Por isso outras atividades saltam à frente de meus projetos de poesia, que são, na realidade, meu objetivo primeiro.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não possuo dificuldades em começar a escrever quando me ponho a fazê-lo. Após pesquisa, quando é o caso de trabalho que a exija, organizo mentalmente a estrutura e sequência do texto e então passo a redigir. Essa primeira organização pode permanecer ou ir se alterando conforme o texto se desenvolve.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Meu calcanhar de Aquiles é a procrastinação, pois deixo as demais solicitações abafarem os insights que a poesia provoca. Se tal não ocorresse, e pretendo e necessito brigar com isso, eu seria muito mais produtiva nesse ofício que é meu prazer espiritual. A vivência estética é o que me cativa e seduz. Pudera me abduzissem! Projetos longos (não os possuo na atual conjuntura de vida), não me atraem, a não ser quando voltados para a análise de alguma obra que me provoque.
Creio que a preocupação em corresponder às expectativas não beirem o medo, antes situem-se no patamar do compromisso com o próprio texto, sua verdade, clareza, correção, estilo, do ponto de vista de textos não literários. E compromisso com a estética e a densidade nos poemas (embora estas não se ausentem daqueles).
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso os textos até chegar à conclusão de que não há mais nada a retocar. Mas a palavra “conclusão” aí é traiçoeira, pois trata-se de uma conclusão sempre provisória, já que a qualquer momento da releitura algo pode ser mudado. (Este texto mesmo já sofreu muitas modificações e cortes.)
Impossível saber quantas vezes os retoco. Uns saem já mais enxutos, outros exigem mais trabalho. Em se tratando de poemas, busco a forma mais densa, onde o menos se torna mais. Isso exige trabalho de aparar muito cada verso, cada estrofe.
Considero fundamental que outra ou outras pessoas opinem sobre meus textos. Delas vêm importantes observações e sugestões que os enriquecem. Nos poemas, principalmente, esses pitacos (como chama minha amiga Dalila a esses estímulos de outrem) são fundamentais. Outro olhar sempre traz à luz algo que se nos passou despercebido. Meus primeiros leitores são meus amigos poetas e também minha filha e meu filho.
Nessa perspectiva, as oficinas de poesia são de grande importância. Participei de alguns grupos, como: a Escola de Escritores do Professor Gabriel Perissé; a Oficina Aberta da Palavra, promovida pela Secretaria de Cultura de Mauá no início dos anos 2000; o Grupo Taba de Corumbê, também de Mauá.
Atualmente participo de um grupo de leitura crítica de poesia, os Sábados PerVersos, encontros que ocorrem mensalmente na Livraria e Editora Alpharrabio, em Santo André (SP). Embora não sendo este um projeto de oficina de poesia, o fato de se ler criticamente e em grupo é um excelente meio de desenvolver a criticidade em relação a nossos próprios textos, além de desencadear o ato de escrever.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
A criação primeira exige contato com caneta e papel, muitos rabiscos, substituições ou retomadas de expressões, uma ciranda na troca de lugar entre elas, além dos cortes de tudo aquilo que esteja sobrando no texto. Quando o material já possui certa consistência e uma forma mais ou menos definida, vou para o computador. Nele possuo arquivos onde registro poemas, alguns contos e crônicas. Essas criações faço questão de imprimir também e arquivar, além de fazer backup. Nesse estágio, a visualização do texto que se apresenta como acabado permite que se percebam outros retoques a serem feitos.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As ideias surgem de observações do dia a dia, de imagens que nos ferem, de leituras, de reflexões. Vez ou outra ocorre um verso e, a partir dele, há o trabalho de criar todo o poema. Faço poucas anotações para que as idéias não escapem, na maioria das vezes elas (as idéias) ficam me rodeando e dançando na mente. Agora mesmo tenho um possível poema que ainda é apenas a própria imagem vista na rua e que me suscitou uma reflexão.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
A mudança é intrínseca ao processo de escrever. A mais característica que ocorreu em meus versos foi a preocupação com a densidade, a procura de palavras capazes de expressar significados que se desdobrem conforme se lê e interpreta. Isso vem de mãos dadas à economia na linguagem, no sentido de que nada esteja presente no texto gratuitamente. Também aprimorei, de certa forma, o trabalho com a sonoridade do poema.
A volta a meus primeiros textos seria justamente no sentido de revisá-los dentro dessa perspectiva.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Possuo projetos a terminar, pelo menos dois. Em seguida, pretendo elaborar algo voltado para a memória da infância. Aliás, um ou outro poema voltado a esse olhar já possuo.
Há uma quantidade de livros na fila a serem lidos. E o livro, para mim, deve ser sempre uma surpresa. Por essas e outras, creio que nunca parei para imaginar um livro que ainda não exista.
Tenho sempre uma ânsia por ler. E a leitura é fundamental para qualquer um que deseje escrever.
Creio que um trecho do poema Retorno, de meu livro Cofre, cabe aqui:
só entendo o face-a-face
possibilidade
de ler e escrever
todos os poemas