Débora Santos é atriz e escritora.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu trabalho como atriz também, não tenho rotinas fixas mas basicamente observo se estou ansiosa e respiro, geralmente fico deitada até me acalmar e se lembro o que sonhei leio o significado na internet antes de levantar da cama.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Percebo que tenho mais fluidez de texto nas madrugadas, quando São Paulo está em silêncio, as vezes nesse período eu tenho surtos criativos que descarrego na escrita. Apesar da fluidez não gosto muito de ficar acordada esses horários porque geralmente atrapalha o meu sono e minha disposição durante o dia.Não tenho muito uma rotina certa também para escrever! Mas se no dia me preparei para escrever, ou estou em algum processo de escrita, eu separo pelo menos meia hora no dia, tendo ou não ideias, se estou inspirada, sento e as escrevo, se não fico lá em frente ao computador ou papel, os encarando, esperando o tempo passar, aberta para que as novas ideias possam entrar. O silêncio e o foco são importantes. Fazer caminhadas ao ar livre também me ajuda.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não escrevo todos os dias porque também atuo e produzo os roteiros que eu mesmo escrevo, essas tarefas exigem bastante tempo. Mas sempre que eu posso eu escrevo também, me organizo, desabafo e crio muito com as palavras.Quando eu tenho um trabalho encomendado ou estou realizando um projeto meu específico de escrita, aí sim de acordo com o prazo me organizo e em média eu passo de meia a três horas de escrita por dia, nesse caso.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu geralmente escrevo poesias, roteiros e contos a partir das minhas próprias vivências, com certeza uma inspiração indígena, arte e vida se misturam. Escrevo o que experiencio, a minha vida, das pessoas que me rodeiam até onde alcança meu olhar é a minha maior fonte de pesquisa. Utilizo a escrita como um processo de cura, de transformação, coloco no papel o que estou vivendo, transmutando ou co-criando.Para os textos encomendados rola um processo de pesquisa externa maior, aí eu leio bastante sobre o assunto, de fontes distintas para ter a soma de olhares, pesquiso vídeos, filmes tudo o que der para colher conhecimento, vou a museus, faço parte de debates se sei que tem algum grupo falando sobre o tema, ou se tiver oportunidade de fazer curso e etc… tudo o que der para somar. O tempo desse tipo de pesquisa é de acordo com o prazo que tenho para entregar. Geralmente o meu processo de escrita é muito mais rápido do que o de pesquisa, eu sento e vou rabiscando, escrevo tudo de uma vez, o que está na minha cabeça, coloco tudo no papel ou no word, descarrego tudo mesmo, até ideias que julgo ser ruins, gosto sempre de pegar no outro dia, ter uma noite de sono para que tudo se assente na minha cabeça. No dia seguinte leio para ver o que permanece, e geralmente muda, as vezes algo que não achava muito legal passa ser o principal e vice versa… deixar o tempo maturar os pensamentos e as escolhas das palavras é muito importante. Mas mesmo nesse processo de pesquisa que, eu geralmente jogo descontraidamente o assunto no meio de conversas com amigues, no meio de um encontro, sei lá, compartilho com as pessoas da minha vida para que eu também possa entender outras percepções, crenças, valores e tal…., geralmente me agregam no processo de escrita. Dessa forma sinto que esses novos estudos façam sentido na minha vida para que assim eu possa escrever sobre eles.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Trabalhar a autoconfiança é extremamente importante, um trabalho cotidiano. Todos os dias faço conversas internas, dialogo com outras pessoas sobre autocuidado, medito, cuido do meu amor próprio, participo de um grupo de mulheres empoderadas e treino capoeira, (um esporte sempre ajuda a olhar como conseguimos nos superar), tudo isso me ajuda a encarar com mais facilidade os meus trabalhos artístico, é necessário praticarmos uma caminhada a favor de nós mesmas.Óbvio que tenho expectativas frustradas, mas percebo que tenho aprendido a lidar melhor com o impacto. Cuidar da mente é metade do processo de trabalho, descansar sempre também é necessário para dar espaço para que as ideias ventilem dentro de você.
A falta de inspiração eu encaro de frente, descansada e mesmo sem ideias fico pelo menos meia hora olhando para aquele papel, ou até mais tempo se o prazo for apertado, em algum momento aparece uma frase, uma palavra, uma ideia, algo que será o primeiro passo, se não, faço uma caminhada pensando no que quero escrever, sempre aparece algo nem que seja para ser descartado e se for o caso pelo menos já tirei alguma coisa do caminho.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu reviso umas três vezes, no mínimo, isso sozinha. Eu tenho dislexia então desde criança meu pai (Deusdete Nascimento) revisa os meus textos e depois na minha adolescência minha irmã (Daniela Nascimento) passou a fazer isso também. Até hoje, sempre tem uma revisão de um deles e as vezes os dois, e dependendo do tema a minha mãe (Sandra Enedina) também entra nessa.Nos roteiros, peças ou contação de histórias, conto também com alguns amigos que confio na revisão do trabalho e na crítica. ( Juliana Filippio, André Habacuke, Luciana Cavichioli, Roberto Brandão e Tati Zucato).
Acho sempre bom dividir com alguém que confie porque sempre surge alguma opinião que você aproveita para melhorar o seu trabalho, ou para reafirmar a sua ideia argumentando com e outre.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu gosto de escrever diretamente no computador, porque fica mais prático para apagar, voltar e corrigir. Porém as vezes tem espaços que quero escrever e não rola estar com o computador, por ser um objeto que pode ser furtado, ou porque estou entre amigos e seria indelicado ou invasor demais abrir um computador no momento, então aí sim pego o papel e escrevo como posso, dessa maneira o processo ainda tem mais uma etapa, na hora de digitar eu mudo muita coisa.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As ideias vem da própria vida, das relações, das histórias que nos atravessam, das dores, dos amores, das superações, minhas, dos meus amigos, da minha família, do país que vivo, dos livros que leio, das noticias que me informam, dos filmes que assisto, dos sonhos que tenho, etc.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Aceitar que sei escrever!Quando eu era criança já tinha muita imaginação e uma escrita criativa estimulada pela minha família, mas abafada pelo racismo que sofria na escola. Os educadores não perceberam a minha dislexia, pois já haviam me avaliavam como uma menina preta burra com dificuldade de aprendizado naturalmente oprimida por outras crianças brancas por estar ocupando um espaço que só “deveria” ser delas, a escola particular.Hoje entendo que desde menina escrevias narrações super criativas e nunca tive um professor de português e menos ainda de redação que valorizá-las, pelo contrário as notas baixas eram o costume. Me lembro uma vez uma colega se surpreendendo que eu tinha escrito uma boa história, ela disse aos outros colegas que logo deduziram que eu havia colhido em algum lugar. Bem o que hoje tenho transparências é que essa gente não estava aberta para ler os meus textos.Hoje eu digo, continue escrevendo por que é bom, porque é lindo, porque eu mereço.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Vou ter que respirar e pensar para responder essa pergunta!
Sei de muitos livros que existem e quero ter tempo nessa vida de ler. As pessoas tem cada história maravilhosa compartilhada. Tanta literatura preta que eu sinto necessidade de mergulhar.
Tem três livros que sei que não existem mas quando existirem estou doida para ler. O primeiro é o que meu pai, Deusdete Nascimento está escrevendo, é sobre a vida dele um retirante nordestino que saiu da sua cidade e com algo mais que duas roupas no corpo e conseguiu co-criar sua realidade e hoje vive confortavelmente.Também estou escrevendo um livro em parceria como minha irmã, Daniela Nascimento, o qual ainda faremos segredo para aos leitores…
E ainda escrevo um com minha grande amiga Luciana Cachiviole, estamos contando a história de uma menina preta que mora em São Paulo e com o falecimento de sua avó, ela desperta para saber sobre as suas raízes nordestina, então ela se lança em uma viagem sozinha.
Tenho alguns projetos em andamento, tão lento, como o caminhar da humanidade. Porém se tenho uma ideia consigo ter a gentileza comigo mesmo para começar.