Davi Nunes é escritor.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Normalmente acordo cedo, tomo café, fumo um cigarro e penso, se estiver em processo criativo, nas ideias que levei para cama para serem processadas no sono. Quando acordo, corporifico em escrita.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu gosto de amanhecer com o sol para escrever. É o momento em que sinto as partículas celulares dos antepassados, amálgama da escuridão e da luz dos ancestrais, me tocarem com suas energias criativas. Na manhã, sinto que as impossibilidades, digo no nível da linguagem e da imaginação, se tornam cabíveis. Escrevo até meio dia normalmente e abandono. À noite gosto de fazer o trabalho de correção e reescrita do texto.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu estou escrevendo uma tese no doutorado atualmente. Então, meio que me forço a escrever todos os dias, mas passo por vários gêneros: uma hora estou na escrita ensaística, outra hora no conto, na poesia… e uma outra forma de escrita que exige muito tempo e esforço imaginativo é a escrita de roteiro, visto que estou escrevendo, por demanda, para o desenvolvimento de uma série. Com relação à meta, quando estava escrevendo o meu romance Um dia para famílias negras, publicado pela editora Malê, no ano passado, eu estipulei 15 laudas por dia, mas esse dia bom de escrita poucas vezes aconteceu, hoje já fico contente com duas ou três páginas bem escritas e revisadas no dia.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
É sempre difícil começar, passo bastante tempo no trabalho de pesquisa, lendo e experienciando a vida, quando digo vida, quero dizer a “vida” preta, essa impossibilidade que extrapola a descrição no mundo antipreto. Como poeta, me mobilizo muito para escrita quando tenho um saque, uma primeira frase que é o núcleo atômico do que vou desenvolver. Às vezes passo dias e dias atrás dessa frase, até meses, depois que ela chega, entro no trabalho duro da escrita.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Quando travo, busco beber, a boemia como um fermento que me leva ao caos que, de alguma forma, em relação a produção literária, me leva a escrever. Isso funcionou com o meu livro de contos Zanga, em que busquei viver durante alguns anos à noite, a boemia de Salvador, principalmente do Pelourinho, para escrever. Isto é, a intenção pressuposta era escrever algo denso, fiquei travado e busquei viver para consegui escrever na densidade que desejava.
Em relação à escrita de roteiros, ensaios e mesmo quando me coloco no projeto de escrita mais extensa como um romance, busco um esquema de residência, de imersão, que me tira o bloqueio, pois me coloco dentro da escrita.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
O trabalho de revisão e de reescrita é, em algumas situações, o mais longo. Com o meu romance foi assim, escrevi em 6 meses, mas passei 7 anos, revisando e reescrevendo até chegar à versão final que foi publicada pela editora Malê. Eu tenho algumas pessoas que envio o texto para lerem, gosto de fazer isso, pois o movimento de enviar já me faz pensar o texto de outra forma.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo no computador e às vezes no celular.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
O grande hábito é me manter escrevendo todos dias, seja o que for, é a forma que busco articular a imaginação e as ideias. Óbvio que, como escritor preto, a “vida” preta, ou a sua impossibilidade, é o meu super cosmo em que busco o imaginável.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Os anos me fizeram esquecer ou superar formas predecessoras de outros escritores e outras escritoras que admirava e achar o meu estilo, minha forma banzeira de fazer literatura. Eu hoje volto aos meus primeiros escritos com menos desconfiança, há mais afeto, pois foram ensaios (traquinagens juvenis com a linguagem) que me permite hoje com mais maturidade intelectual e literária, pensar em uma anti-língua, isto é, pensar a escrita no limite, ou mesmo fora da linguagem feita à revelia da experiência preta, da pretitude.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho um romance em mente que se chama Dengo. O que posso adiantar, de forma preliminar, é que se trata de um retrato atual da diversidade de experiências afetivas entre as pessoas pretas, ou mesmo da impossibilidade do afeto. A experiência afetiva preta esgarçada em terra suspensa, o Brasil. Ando tomando notas de quadros afetivos e planejando para já começar a escrever.
O livro que gostaria de ler e ainda não existe e não existirá mais, é o romance que Lima Barreto planejou escrever quando tinha 22 anos, o qual ele disse no Diário Íntimo: “No futuro, escreverei a História da Escravidão negra no Brasil e sua influência na nossa nacionalidade”.
* Entrevista publicada em 10 de julho de 2022.