Dauana Vale é escritora e psicóloga.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Uma pergunta como essa para uma mãe de família!! (Risos) Meu dia inicia no 220, ritual da filha para escola, às 9h sento para trabalhar. Atualmente, tudo o que faço está relacionado à literatura. Colaboro com empresas e instituições da cadeia do livro. Então, é o dia inteiro lendo e escrevendo ou tramando como tornar esse país mais leitor.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Com relação aos meus textos de ficção, preciso do silêncio da noite. É quando há calmaria e um tempo todo meu. Geralmente pego os notes do celular e vou dedilhando no teclado do computador. Ou aproveito para revisar algo que já escrevi.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Gosto de trabalhar por projetos. Traço uma ideia e trabalho por dias, às vezes meses. Entre 2018 e 2021, por exemplo, me dediquei à escrita e revisões do meu primeiro livro de contos solo que deve ser publicado no ano que vem. Pode parecer muito tempo, mas pra mim, é como funciona: aos poucos, mil revisões. Quero ter a segurança de ser gentil, respeitosa com o leitor. Escrevo por mim, mas não para mim. Escrevo literatura pra ser lida. Nesse período de tempo que citei, surgiram convites e editais junto ao coletivo de escritores que faço parte, o Delirantes. Então, entre um conto e outro pro meu livro, escrevi para coletâneas e outros projetos especiais.
Não há uma meta de escrita diária, mas sim, todo dia ligo meu computador para escrever ou revisar algo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Geralmente, a primeira ideia vem e eu falo em voz alta: isso dá um conto! Meus amigos já estão acostumados. Dependendo do que seja eu vou conjecturando até sentir se aquilo é um conto curto ou mais tradicional, se pode ser o fio condutor de uma novela infantil.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Faço análise. É por meio da análise que eu elaboro minhas questões com a escrita. Investigar como eu lido com meu ofício de escritora, como reajo ao combo ler-escrever-publicar é essencial para minha saúde mental. E, sinceramente, não sei como seria se não tivesse esse suporte. Porque ser escritora, no Brasil, convenhamos, é pesado! E, convenhamos também, não há nada romântico em ser escritora, isso está relacionado com a criatividade, imaginação, arte e tudo isso quase sempre causa angústia. No meu caso, descobri um dia desses o que fazer de fato para canalizar tantas ideias. Exercício diário.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Nunca tenho pressa com a literatura. Não me avexo em publicar. Gosto de reunir hipóteses e troco muito com meu coletivo, com os amigos poetas Patrícia Pinheiro, Francisco Thon e Yasmin Maia. Pra mim, a revisão é a parte mais braçal do trabalho de uma escritora. Reviso mil vezes. Invisto em leitores críticos e aqui destaco o trabalho formidável de Javier Contreras e Cupertino Freitas.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Hoje, tudo começa no meu celular. Depois vai para um dos meus cadernos. Escrevo as ideias a lápis, canetas coloridas, rascunho como se fosse um mapa. Sou muito visual, preciso de imagens, símbolos e cores para sentir que na ideia há uma narrativa, uma história a ser contada. Só depois inicio o trabalho no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Há três coisas que me conectam muito com o ato da escrita:
Leio: romance, contos, ensaios, mas principalmente poesia, o meu canal favorito pra sentir e pensar as palavras.
Saio à rua: gosto de gente, ouço as pessoas (diversas), feira, bar, samba, praça. Imagine o quanto sofro com pandemia!! A propósito, teremos Carnaval? Há dez anos não vivo essa festa que amo.
Vejo: imagens, fotografias, artes visuais, desenhos, esculturas, narrativas outras que me encaminham para histórias.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Sabe, talvez um tapinha no ombro e: “Vai, mulher!”, porque ao olhar para trás compreendo tudo como um processo de aprendizagem. Não nasci sabendo escrever literatura, isso foi construído desde minha infância leitora passando pelo dia que decidi levar mais a sério o ato de ficcionar e me inscrevi numa oficina de escrita criativa, até o dia de hoje, quando me considero em processo de formação contínua. Ao longo dos anos muita coisa aconteceu, aprendi horrores ao lado do coletivo Delirantes e descobri que sou uma escritora das narrativas breves, apesar de já ter me arriscado em novelas juvenis, é no dizer curto, na tentativa de concisão, que me sinto mais confortável para escrever.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Meus atuais desejos literários estão todos em curso. Contos, infantis e juvenis. Escritos, revisados e tratados, aguardando editoras que façam essa aposta. Meu projeto de futuro é real e está presente. E não surgiu da noite pro dia. No mínimo, cinco anos de muito investimento: tempo, dinheiro, juízo, perdas… Tô aqui, sustentando esse desejo danado de inventar histórias e de escrevê-las.
Sobre o livro que eu gostaria de ler e ainda não existe, vou responder citando o que sinto falta na literatura: humor. São poucas as obras que nos faz rir. E é tão bom sorrir entre as páginas… Vez ou outra pego o poeta Cacaso só pra soltar uma gargalhada.