Daniela Rezende é escritora, poeta e educadora.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sou uma pessoa muito ocupada, na verdade, estando em geral envolvida em vários projetos ao mesmo tempo. No momento, trabalho como educadora em um museu da minha cidade e, também, curso uma segunda graduação em Letras, cujas aulas são justamente no período matutino. Então, disponho de pouco tempo hábil para me dedicar à escrita em casa, com o planejamento de uma rotina; meus momentos de produzir ocorrem mais à noite, quando volto para casa depois do longo dia de dupla jornada, ou nos meus dias de folga.
Nos dias em que posso, contudo, tento fazer as Morning Pages, conforme proposta da autora Julia Cameron, que é: escrever, de maneira livre, ao menos três páginas de texto logo pela manhã, ao acordar. Isso me ajuda bastante na anotação de sonhos e na produção de textos mais simbólicos e poéticos. Também tento manter um diário, ou uma espécie de caderno onde registro os meus dias, meus sentimentos e meus pensamentos. Percebo que muitos poemas nascem nesse processo de escrita “diária”.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Como disse antes, trabalho melhor à noite, devido ao tempo disponível na minha rotina cotidiana. Porém, quando posso, prefiro reservar as manhãs para escrever. Se disponho de tempo, meu ritual para a escrita envolve me sentar sob a luz do sol, depois do café, com o caderno no colo ou ouvir alguma música que acho que poderá me inspirar de alguma forma enquanto escrevo… Ouço muito jazz e muita música instrumental quando quero “destravar” a escrita.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Geralmente, escrevo em períodos concentrados. Os poemas do meu primeiro livro, por exemplo, “Uma mulher só não faz verão”, publicado pela Editora Urutau, foram escritos quase todos ao longo de um ano, quando fiz o Curso Livre de Preparação de Escritores da Casa das Rosas (CLIPE – Poesia), em São Paulo, mas muitas vezes esses textos me vinham aos borbotões. Vários poemas – ou ideias de futuros poemas – que vinham juntos, às vezes interrompendo o fluxo da escrita uns dos outros. Em outros períodos, passo por vezes longos períodos sem produzir, apenas lendo e observando o mundo. Por tudo isso, e também pela ansiedade envolvida, tento não manter metas de escrita diária, a não ser que seja o caso específico de textos não literários, como ensaios e artigos, ou de fundo acadêmico, como trabalhos para a faculdade. A faculdade de Letras, inclusive, me faz escrever muitíssimo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo de escrita não é difícil ou complicado e cheio de etapas e de preparações. Não costumo compilar notas de pesquisa; gosto muito de roubar frases e expressões por aí. Gosto de samplear programas de TV sobre temas científicos, por exemplo, como programas do tipo Discovery Channel, que são os meus preferidos, e então inserir esses trechos, em geral narrativos, em poemas. Outras vezes, anoto frases ditas por amigos e amigas em conversas banais, ou trechos de filmes e de outros livros que me interessam. Tudo isso vira material para a poesia. Quanto mais estudo um assunto, mais tenho vontade de escrever sobre ele; a questão é, muitas vezes, que esse estudo vem atrelado a necessidades externas à própria poesia, como as relacionadas ao trabalho e à pesquisa para a faculdade.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Tento lidar com a ansiedade com a escrita da mesma forma com a qual lido com a ansiedade com a minha própria vida: vivendo um dia de cada vez. Escrevendo um texto ou poema de cada vez. Mesmo quando imersa em projetos longos, costumo pensar que o que faz o caminho não é, necessariamente, a ideia do todo, mas o trabalho cuidadoso e constante com cada uma das partes que compõem o livro. Com cada poema em específico – alguns exigindo mais tempo de feitura que os outros. Tento também respeitar os meus próprios processos internos: se um poema não quer sair como forma agora, mesmo que a ideia já esteja delimitada na cabeça, paciência. Um dia ele sairá e tomará forma. E isso ocorrerá quando eu mesma estiver pronta.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso exaustivamente os meus textos. Mesmo depois de “prontos” e publicados. Costumo mostrar os textos para alguns amigos mais próximos, quando preciso de uma opinião mais direcionada sobre algum assunto específico. Sobretudo, releio e releio muitas vezes os meus primeiros rascunhos. Releio em voz alta, principalmente, para avaliar o ritmo da escrita, as construções de rimas e de aliterações, as repetições e o tamanho das palavras na boca.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu escrevo com absolutamente o que tiver disponível à mão no momento. Uso as notas do celular, uso os documentos na nuvem, uso o bloco de notas no computador. Mas uso, também, cadernos, post-its, guardanapos. E, se não tiver nada à mão, tento decorar o que quero escrever, repetindo para mim mesma de forma incessante um verso ou outro, até que seja possível anotá-lo.
Não costumo associar as tecnologias da escrita a valores tais como “melhor” ou “pior”, “bom” ou “mau”. Acredito que todas elas podem ser usadas por escritores no processo de escrita e produção textual, gerando resultados distintos de construção poética e linguística, a depender do meio empregado.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vem, sobretudo, do contato com outras obras que trabalham o textual do ponto de vista literário e poético, e também do meu encontro com outras linguagens artísticas. Livros, filmes, séries de TV, músicas, exposições de arte, tudo isso me instiga muito. E me inspira. Assim como as conversas com amigos e amigas, as histórias de família, as narrativas orais e os aspectos das culturas ditas “populares”. Inclua-se nessa lista, também, os resultados de estudos e de pesquisas acadêmicas para o trabalho e para a faculdade… E os sonhos, não esqueçamos os sonhos. Em especial, aqueles anotados nos diários que mencionei no começo desta entrevista.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acredito que o meu processo de escrita se tornou cada vez mais consciente e seletivo. Cada vez mais ciente do uso de cada palavra, de cada pontuação. E a esse fato agradeço muitíssimo ao trabalho e ao contato corpo-a-corpo com a poesia: essa coisa feita de imagens e palavras acima de tudo.
O que eu diria a mim mesma sobre escrever se pudesse voltar no tempo em que produzi os meus primeiros textos? Principalmente duas coisas: acredite em sua escrita. E trabalhe.
Mas também diria: escolha melhor o que deseja publicar e partilhar e onde, em quais meios. O tempo mostrará que alguns textos, especialmente os iniciais, ainda não estão tão prontos assim para serem publicados e lançados ao mundo. Portanto, não é necessário ter pressa.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Não sei exatamente como responder a essa última pergunta. Acredito que todos os livros que eu gostaria de ler já foram gestados, nada é inteiramente novo. E, ao mesmo tempo, acredito ainda que eu mesma tenho algo a acrescentar ao mundo através da escrita.
Prefiro pensar, antes, nos livros que eu gostaria de escrever e ainda não escrevi. Tenho muitas ideias a esse respeito. Mas esses livros estão por nascer ainda; eles pertencem ao porvir.
* Entrevista publicada em 10 de julho de 2022.