Daniel Renattini é designer, escritor, escultor, roteirista e mestre em reiki.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Pra mim, há dois tipos de início. O que eu acordo e penso “só mais cinco minutos”, que normalmente é durante a semana, e o que eu acordo e penso “não quero mais dormir, tô perdendo tempo”, que costuma ser nos finais de semana. Já que trabalho como designer em uma agência durante a semana, preciso sempre equilibrar essas duas “personalidades”, digamos assim. De segunda a sexta eu acordo, enrolo um pouco na cama, tomo café da manhã (café da manhã não inclui o café em si, pois odeio. Podem me julgar) e vou trabalhar. Caso não haja nenhuma pendência pra resolver, aproveito pra produzir alguma coisa. Se não estou no embalo, pesquiso, leio entrevistas, colunas, qualquer coisa pra manter a engrenagem rodando. Aos finais de semana, eu já começo a escrever logo que levanto. Só depois de uns vinte, trinta minutos, que eu paro pra tomar café da manhã. Até aqui, tem dado certo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
De manhã. Mil vezes de manhã. Não que eu não escreva à tarde ou à noite, mas pela manhã minha cabeça flui melhor. Ainda tem muita disposição pra gastar. Fora que eu sou uma pessoa ansiosa. Quando não estou produzindo, fico agoniado em pensar que estou perdendo tempo, então tento descarregar a ansiedade o mais cedo possível. Com isso, fico com a cabeça um pouco mais livre pelo resto do dia, seja pra continuar escrevendo ou pra cuidar de outra tarefa. Sobre ritual de preparação… eu não considero um ritual, exatamente. Eu sempre anoto as pendências que preciso resolver em um texto e começo por onde der vontade. Mas diferente de alguns escritores, não consigo escrever com música, mesmo que seja só um instrumental. Isso me desconcentra bastante. Ah! Outra coisa que sempre faço é desligar a internet do celular e não entrar em Facebook ou Twitter durante o processo, senão perco o fio da meada e aí lascou, né?
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Um pouco de cada de tudo. Há dias em que escrevo 300, 400 palavras, outros em que não escrevo nada e alguns doidos que escrevo mais de 3.000. Quando estou escrevendo um romance, começo com uma meta de 300 palavras por dia. Mas se eu estiver no embalo, deixo rolar até esgotar. Mesmo que eu não alcance a meta, sempre achei importante tê-la, porque você fica com um objetivo claro na cabeça e onde quer chegar. Motivação, né? Há alguns meses, a Marcella Rossetti me sugeriu o método de recompensa. Ex.: Eu só poderia assistir o episódio de uma série que eu queria ou voltar a esculpir um personagem se cumprisse minha meta diária. Foi uma experiência divertida. Apesar de não mantê-lo constantemente, é um método que me ajudou a equilibrar as tarefas da escrita com quaisquer outras tarefas ou desejos.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo de escrita sempre muda com frequência. Talvez por eu ainda não ter estabelecido um método específico ou porque gosto de variar, sei lá. Com o primeiro romance, escrevi um mini roteiro e simplesmente fui preenchendo com o que achei que faltava. Deu tudo certo, mas sabia que não poderia e não queria fazer a mesma coisa com os que viessem em seguida. Atualmente, trabalho em dois romances. Em um deles, uso post-its. A parede do meu quarto está toda coberta deles. Resumo em uma frase o que vai acontecer em boa parte do caminho que aqueles personagens vão percorrer. Já outro projeto, que está mais avançado, fiz com base no processo proposto pelo Enéias Tavares, com a coluna do Bestiário Criativo no site CosmoNerd, e também com algumas dicas do André Vianco. Depois de anotar muitas ideias, fui colocando em ordem e dividindo-as por capítulos. Antes de começar propriamente o primeiro rascunho, fiz o tal “beat” de cada capítulo, resumindo em uma frase. Eu sempre fico empolgado com essa parte, de ver o trabalho tomando forma, então tudo flui de forma bem tranquila. Quanto se mover da pesquisa para a escrita, eu acabo fazendo os dois ao mesmo tempo. Isso também é em função da ansiedade que mencionei na outra pergunta. Eu prefiro tirar logo da cabeça e botar no papel (ou no Word). E se durante a pesquisa percebo que aquilo não faz sentido, deleto ou corrijo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Quando li essa pergunta pela primeira vez, bati o olho e vi “trevas da escrita”, que nesse contexto também podem ser vistas como a procrastinação, a insegurança e toda a sorte de criaturas malignas. Bom, acho que vou começar pela resposta mais fácil. Trabalhar em qualquer projeto me deixa ansioso, seja pequeno, médio, longo ou colossal. Só que quanto maior o projeto, maior é a minha satisfação quando concluo. Às vezes a ansiedade atrapalha bastante, porque aí não consigo ler, reler ou pensar com tanta calma, mas também há vezes que a ansiedade anda junto com a empolgação e acaba me motivando. Já o medo e a insegurança de não corresponder… eu realmente não sei se em algum momento isso deixa de existir, mas com certeza fica bem menor com o tempo, principalmente quando você começa a ter mais leitores e feedbacks positivos. Os negativos também são ótimos pra isso, porque você aprende a desapegar e a reconhecer que haverá muitas pessoas que vão achar suas ideias um lixo. A gente vai aprendendo a lidar com isso, por mais que às vezes seja doloroso. Quanto à procrastinação, é algo que acontece só em momentos específicos, dependendo da minha situação. Tudo isso é refletido pelo meu estado emocional. Se estou desanimado com algum acontecimento, com uma briga, uma frustração, fico mais suscetível à procrastinação e ao desânimo. Mas coincidentemente essa semana (penúltima do mês de fevereiro), decidi jogar tudo isso na escrita. Há quase uma semana tenho escrito um ou dois textos diários por dia e que descarrego tudo. Tem me ajudado bastante. Ajuda a liberar o que tem de ruim aqui dentro pra que sobre espaço pra coisas boas entrarem. Tenho amigos e amigas escritores que jogam essas emoções na história e funciona. Em raras ocasiões também faço isso, mas atualmente eu lido com as “trevas da escrita” com pequenos textos contendo raiva, frustração, mágoa, xingamento ou o que quer que seja.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Quando são contos, eu reviso uma ou duas vezes antes de abrir pra leitores beta ou leitores críticos. Já os romances, mando um ou outro trecho, só pra ver se atiça a curiosidade do leitor, sabe? E só na terceira, quarta versão eu começo a procurar pelos betas. Eu adoro essa parte, porque sei que eles vão me dar uma visão completamente diferente que vai me fazer perceber coisas tão simples que a ansiedade ou a falta de conhecimento não me deixavam enxergar. Depois da reforma pós-leitores beta, faço mais uma ou duas versões e abro pra leitura crítica, que é um processo tão gostoso quanto a leitura beta. Adoro receber sugestões e adoro ainda mais quando reconheço o quão melhor a história ficou. Quando tudo se conecta com mais facilidade e fluidez. Acho que a minha média de versões de romance para os próximos anos será sete, oito versões.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tô rindo de nervoso lembrando de um acontecimento. Eu tinha costume de anotar tudo no rascunho do celular e depois passava pro caderno ou pro computador. Mas aí fiquei enrolando, enrolando e… o celular pifou. Lembro que sentei no banco do shopping e… não, não comecei a chorar, mas me xinguei tanto mentalmente que nem lembro quanto tempo passou. Quando me acalmei, percebi que lembrava da maioria das ideias, de tanto que havia lido e relido. Fora que algumas delas estavam em conversas que tive com algumas amigas. Depois desse dia, evitei ao máximo anotar ideias no celular, principalmente quando ele começa a dar surtos de desligar sozinho. Sempre anoto no caderno e passo pro Word, que a ferramenta que sempre uso. Faço os backups e salvo constantemente, porque não queremos outro estrago, não é mesmo? À mão, eu escrevo apenas as ideias, referências, descrições de personagens. Os primeiros rascunhos sempre vão direto pro computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Eu sou uma pessoa com alguns hábitos sistemáticos, mas isso não se aplica às ideias. Já percebi que as ideias podem sair de qualquer lugar e qualquer sensação. Teve uma vez que estava no bar conversando com uns amigos e um deles comentou sobre um sonho, como uma premissa. Começamos a desenvolver a história no meio da conversa e ainda estou empolgado pra produzir de verdade! Ansiedade, saia daqui. Já tive ideias quando saí correndo pra pegar um ônibus, quando assisti um filme… Pode ser meio piegas falar isso, mas as minhas ideias vêm da vivência. A vivência que eu quero dizer não é estar vivo, mas aproveitar tudo o que você puder, desde algo mais simples, como estar em casa assistindo a uma série, a algo mais agitado, como uma balada. Para quem escreve, ou melhor, para quem é da área de criação, qualquer coisa é combustível pra novas ideias, porque sinto que nosso cérebro não para em momento algum. Às veze é uma faca de dois gumes, mas a gente aprende a abraçar e a lidar.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu escrevi meu primeiro romance com dezesseis anos. Meu processo era parecido com o escritor jardineiro, que jogava a semente, regava, mas não sabia quantos ramos (ou capítulos) teria, por exemplo. Só que vou ser bem franco. Com quinze anos, eu estraguei a plantação inteira. Porque eu não sabia qual semente era melhor, não sabia se plantava corretamente, se a terra estava boa… Eu tinha a ideia de que a musa inspiradora viria me visitar de vez em quando. Depois de receber os inúmeros nãos, de alguns anos com a escrita no freezer, de conhecer escritores experientes e saber o quanto havia de material, eu senti como se estivesse entrando em um novo mundo. Comecei a pesquisar mais, ir atrás de exercícios e iniciei uma nova história com as ferramentas que não tive lá atrás. Com o tempo, percebi que eu sou mais um escritor arquiteto. Gosto de planejar tudo, saber em médio quantos capítulos vão ter, pra onde a história vai e qual será o fim. Claro que sempre mudo muita coisa ao longo do caminho. Não fico engessado completamente. Talvez eu seja um escritor arquiteto com um jardim dentro de casa, sei lá. ¯\_(ツ)_/¯ Do que tenho certeza é que hoje tenho mais maturidade e confiança para escrever. E isso é maravilhoso. Se eu pudesse voltar, diria “Daniel, é o seguinte, garoto… essa estrada vai ser uma dureza, mas é onde você vai ser feliz de verdade. Então não se assuste com o que vier. Aprenda, cresça, se divirta e não deixe de sonhar. Mas lembre-se de manter os pés no chão”. Manter os pés no chão ainda é uma tarefa difícil pra mim em alguns momentos, mas é um trabalho constante de equilíbrio.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Então, por ser também roteirista e escultor, gosto de juntar a literatura com esses outros dois lados também. Quero produzir esculturas de personagens da literatura nacional e ver que não são apenas Marvel, DC, Disney e companhia que possuem fãs. Gostaria de fazer uma coleção, com as respectivas edições e tudo o mais. Um projeto que ainda está meio longe de acontecer. Também quero voltar a focar no roteiro audiovisual depois que terminar os dois romances atuais, ao mesmo tempo em que também quero iniciar outros dois livros para o público pré-adolescente e adolescente… Ansiedade, sai daqui! Bom, acho que quero fazer todos os projetos que ainda não comecei. Sobre um livro que eu gostaria de ler… putz, eu adoro crossovers (agora estou sorrindo igual ao Grinch). Existe uma HQ chamada DC vs Marvel. Tem Superman contra Hulk, Batman contra Capitão América, Mulher Maravilha contra Thor… Eu gostaria de ver um megacrossover desse tamanho com os personagens da literatura nacional. Pelo menos uns dez personagens de dez autoras e autores diferentes. Acho que uma fanfic disso já resolve, então quem sabe um dia, né?
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Sempre planejo. O que não quer dizer que as coisas não possam mudar pelo caminho. Só que, ao mesmo tempo, preciso ficar atento ao tempo que demoro para planejar. Acho que o bom planejamento tem que demorar o quanto precisar, contanto que não se transforme em procrastinação. Já teve momentos em que pensei “ok, agora posso começar o projeto X”, mas aí surgia um livro ou uma série para eu absorver como referência, e eu me via enrolando para botar a mão na massa. Da mesma forma, preciso me atentar para não começar um projeto antes de um planejamento legal. Se a ansiedade bate forte, escrevo algum trecho ou cena que está na minha cabeça e volto ao planejamento. Sobre a dificuldade maior entre a primeira e a última frase, eu acho que a primeira ganha. Sempre considerei o pontapé inicial uma questão meio difícil, mas depois que pega no embalo, os dedos vão se mexendo sozinhos praticamente.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Já que trabalho como designer durante a semana e não dá para prever a demanda, eu faço um “rascunho” (normalmente domingo ou segunda) do cronograma. Mas já tenho em mente que os momentos que tenho para escrever são: todos os dias durante o almoço, segunda à noite e aos fins de semana (quando fico em casa). Se a demanda no trabalho de designer estiver tranquila, aí aproveito esse tempo para escrever mais, fazer cursos online ou procurar novos cursos (não necessariamente de escrita). E isso leva à outra pergunta. Eu prefiro muito mais trabalhar em um projeto por vez, mas nem sempre isso dá certo. Só que hoje sei o meu limite. No máximo dois projetos ao mesmo tempo. Teve uma época em que eu estava escrevendo meu primeiro livro (o primeiro que foi publicado, no caso), administrando um site de cultura nerd (que hoje descansa em paz), esculpindo e trabalhando em uma agência. Quase entrei em curto-circuito, a saúde foi pro brejo (tanto a mental quanto a física). Essa vontade de abraçar tudo é normal, mas é bom lembrarmos que temos limitações. E tá tudo bem. O importante é você ter algum projeto que te mova para frente.
O que motiva você como escritor? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
A imaginação. Criar mundos nos quais as pessoas possam se sentir imersas, criar personagens em que elas se identifiquem. Mas tem outra coisa também. Na primeira vez em que fui a uma escola e conversei com uma galera de 11 a 17 anos sobre escrita, leitura e criação de histórias, me deu uma sensação de “esse é um dos motivos mais fortes que tenho para continuar”. Contribuir, de alguma forma, mesmo que mínima, com o crescimento da próxima geração. Não necessariamente de escritores ou leitores, mas de pessoas em si, independentemente do caminho. Se fez diferença, talvez eu nunca saiba, mas foi a sensação que eu tive. Em relação ao momento que decidi me dedicar à escrita, eu estava no ônibus voltando da faculdade quase 11 da noite, exausto. Isso foi em 2013, alguns meses depois de ter fracassado na minha primeira história. Uma semana antes, eu tinha enviado uma mensagem ao Eduardo Spohr, pedindo conselhos. Ainda não fazia ideia dos processos de escrita ou como funcionava o mercado literário. No dia em que eu estava voltando para casa, ele me respondeu. Enviou tanto conteúdo para eu estudar que fiquei com um sorriso que não cabia na cara. Nesse dia, tive certeza de que era o caminho que eu queria seguir. E ocasionalmente, faço renovação de votos com essa escolha.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Acho que foi uma dificuldade mais emocional do que técnica. Em muitas ocasiões, pensava “quero escrever como essa pessoa”, e hoje percebo o quanto isso não é justo. Precisamos ter nossas referências, sim. Isso não significa ser igual, ter uma base de estudo para que você construa sua própria história, seu próprio caminho. No início, a minha maior influência foi o Eduardo Spohr. De uns anos pra cá, Rick Riordan e Felipe Castilho também passaram a ser.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
Sou apaixonado por mitologia, em especial a grega, e meu deus favorito sempre foi Poseidon. Logo, minha primeira recomendação é “O Ladrão de Raios”, do Rick Riordan. O protagonista, de algumas formas, me faz lembrar um Peter Parker mais novinho, mas o que mais gosto de ver nessa série do tio Rick é a releitura da mitologia grega no mundo contemporâneo. O segundo livro é “Ouro, Fogo e Megabytes”, do Felipe Castilho, construído em torno do folclore nacional e também traz muito do que gostei de ver em “O Ladrão de Raios”: uma releitura de forças antigas no mundo que temos hoje. Como terceiro, recomendo “O Filho do Sol”, uma fantasia urbana que toma como referência Avatar: A Lenda de Aang e X-Men. É justamente disso que mais gosto na história, pessoas com poderes tentando sobreviver em um mundo onde há preconceito e medo do desconhecido e do que é diferente. Ah, esse livro fui eu que escrevi.