Dalila Teles Veras é poeta, cronista e ativista cultural, autora de “tempo em fúria” (Alpharrabio Edições, 2019)
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Gosto de começar o dia, de preferência, não fazendo nada. Não funciono antes das 10h, mas ainda assim, tento resolver assuntos domésticos pela manhã. À tarde é dedicada à vida profissional e ativismo cultural. A partir das 20h (até quando o corpo e a mente aguentarem, é para ler e escrever. Mas isso também não é sempre tão rigorosamente compartimentado. Posso inverter toda a rotina, transformar o dia em não rotina, diante de imprevistos e, até mesmo, vontades.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
O trabalho da escrita propriamente dito é sempre noturno, aquela hora em que o silêncio de que necessito é possível. Não tenho nenhum ritual, mas gosto de escrever no meu “bunker”, pelos milhares de livros que acumulo há décadas e por objetos carregados de significado. Escrevo todos os dias (diários, blogs, facebook, e-mails, msg, projetos literários,…), por uma necessidade vital de expressão e de comunicação, mas também para não enferrujar. Se não azeitar esta velha máquina de mais de sete décadas, ela engripa e, desconfio, pode parar.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Jamais fui movida a metas, mas ansiedades. Assim, ainda que tente dividir meu dia de uma forma mais ou menos organizada, meu trabalho literário não é realizado em “períodos concentrados” poderia dizer que é realizado em “períodos dilatados”, sempre sem prazo para conclusão. Tomo muitas notas em cadernetas que sempre carrego comigo. As anotações podem ou não render um texto literário, um poema, uma crônica. Quando estabeleço um projeto de livro, aí o trabalho é quase febril. Retoco obsessivamente os poemas (textos nem tanto) e esse processo me dá ainda mais satisfação do que o trabalho inicial. Sempre acho que posso fazer melhor, mesmo depois de publicado.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Meus livros de poemas sempre nascem de um projeto idealizado e, nesse caso, a “meta” é finalizar um livro. Não são meras “coletâneas” de poemas “soltos” elaborados de maneira esparsa. Tão logo estabeleço um projeto, muitas vezes a partir de um poema ou, até mesmo, de um título para o livro, inicio uma fase de “atenção” mais aguda ao meu cotidiano, quer seja através de pesquisa (da memória, principalmente), como foi o caso do livro “solidões da memória”, quer seja manter os olhos e ouvidos atentos a tudo o que possa ali se encaixar. Sempre dá certo. Fazer um projeto literário para um livro é uma forma de disciplina e me obriga a escrever. É claro que esse não é um “método” e muito menos ocorre por obra divina, ou seja, resolver sentar e escrever um poema. A partir das anotações iniciais, uma palavra ou uma ideia dali retirada pode me dizer se é o caso para um poema ou nada. Aí, sim, a partir desse cutucão estético é que escrevo o poema, à mão (sempre a lápis) ou direto no computador. Ali fica na pasta a ele destinada para se juntar aos que virão posteriormente, até que ache que já disse o que tinha a dizer sobre o tema, ou até mesmo, me sinta cansada do livro que, sublinho, jamais será volumoso. Muito me agrada a ideia de livros com “portabilidade”, ou seja, que sejam leves e possam ser lidos em qualquer oportunidade, quer seja no metrô, no avião ou nas salas de espera de médicos e dentistas. Também muito me agrada imaginar que, após essa leitura breve, o leitor volte a ler com vagar e ambiente silencioso. Aí, sim, está na hora de pensar na publicação ou deixar numa pasta “a publicar” e esquecer por um tempo.
Após todo o processo concluído (por vezes, trabalho simultaneamente em mais de um), é hora de partir para outro projeto, sem esperar que a tal inspiração venha.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Como publico majoritariamente livros de poemas, o processo, como é de se imaginar, é muito diferente dos de prosa de ficção. Nos casos de livros que exigem pesquisa, como já disse, fica até mais fácil a escrita, pois tento fazer com que os poemas sejam, um a um, enfiados num fio invisível que resultará, como num colar, em um único “corpo”, ou seja, o livro de poemas.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Nas crônicas e nos ensaios, faço opção pela clareza, ainda que, na crônica, faça de alguma forma concessão à linguagem literária, uma vez que considero a crônica também um gênero literário. Na poesia, gênero que considero a minha expressão principal, é diferente. Como optei por uma linguagem que privilegia a forma breve, escrever com pouco dá muito trabalho. Escrever para mim, é, sobretudo, cortar. Assim, não é propriamente uma “revisão” que faço nos poemas, mas uma leitura crítica em voz alta, até sentir que ali nada falte ou sobre, ou seja, que eu consiga dizer o máximo que possa no mínimo possível e também com um sentido plástico. Fico feliz quando sinto que consigo.
Não tenho o hábito de mostrar meus trabalhos, em especial na sua fase inicial, mas tenho o privilégio de, há muitos anos, contar com dois leitores muito especiais, de quem preciso do olhar crítico e de quem costumo acatar pitacos. Assim, quando percebo que já tenho ali o tal “colar” com o seu respectivo “fecho”, mostro, mas ainda não está concluído o processo, pois altero até o fechamento do arquivo para a gráfica. Algumas vezes, publico no facebook um poema em processo, mas isso, de alguma forma, não tira seu ineditismo, pois quando vai para o papel, certamente estará modificado.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
De alguma forma, já me antecipei a esta pergunta e falei disso anteriormente. Quanto à minha relação com a tecnologia é tranquila. Apesar de pertencer a uma geração do papel, passei tranquilamente da máquina de datilografia para o computador, em meados dos anos 90 do século passado. A princípio o velho XT era usado apenas como uma máquina de escrever de luxo, mas logo depois, à época em que eu escrevia uma crônica semanal para um jornal diário (O Diário do Grande ABC) e o processo de chegar até a impressão era complexo e trabalhoso (digitava minha crônica no PC, imprimia numa impressora “matricial”, deixava na portaria do Jornal e, lá, eles digitavam tudo novamente para ser impresso; não me recordo se nessa época ainda era naquela enorme máquina de linotipos ou já outra mais moderna. Em 1995, informatizado o jornal, fui obrigada a usar a Internet para o envio dos meus trabalhos e… ah! maravilha, cada vez menos preguiça para alterar meus textos.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Raramente minhas ideias nascem na introspecção. Sou um ser gregário, gosto muito de companhia humana. Adoro conversar, andar, frequentar lugares e é disso que minhas ideias se alimentam: do ver, ouvir, tocar, interagir. Penso melhor em voz alta, numa roda de amigos ou até mesmo com um só interlocutor, do que num local retirado e contemplativo. Mas para escrever, preciso de solidão e silêncio. Não posso deixar de dizer que as leituras também são fontes especiais de ideias. Não vivo sem ler.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Meu primeiro livro foi publicado em 1982, aos 36 anos de idade, ou seja, há 37 anos e com metade da idade em que me encontro. Assim, o meu processo de escrita, pela própria lógica do que se entende por processo, deve avançar. Eu diria que o meu avançou para outra forma de dizer, um processo em busca de minha própria “outra voz”, a da poesia.
Mesmo que pudesse, não voltaria à escrita de meus primeiros textos. Exemplifico aqui com este fato: em 2002, incentivada por uma professora que estudava meu trabalho numa Faculdade de Letras, resolvi publicar uma “antologia” reunindo minha “poesia quase toda” até aquele momento (cinco livros, além de poemas inéditos e dispersos). O livro que publiquei (À Janela dos Dias – poesia quase toda) acabou por não ser propriamente essa “antologia pessoal”, como era a ideia no início, mas uma reunião de poemas “novos”, ou seja, grande parte deles, foram inteiramente reescritos (em especial os dos primeiros livros). Os poemas escolhidos para essa reunião, assim, não foram os meus “preferidos”, mas justamente, os “preteridos”, não por seu conteúdo (os temas ainda me interessavam), mas por sua forma que não mais se parecia com aquela que à época eu já praticava. A partir de então, a forma dos poemas passou a ser tão importante para mim, quanto aquilo que digo ou quero dizer. Não se trata apenas do que dizer, mas do “como” dizer e isso se manifesta na busca cada vez maior pela concisão, aquilo que o poeta português Gastão Cruz, chama de “linguagem domada”, que, no meu caso, é uma vigilância constante contra o discursivo que pratiquei no início.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Nunca pensei nisso, mas gostaria de fazer algo que supere, em originalidade, tudo aquilo que já fiz. Não saberia dizer o que gostaria de ler num livro “que ainda não existe”. Um livro precisa me surpreender para que eu venha a gostar dele. Prefiro aguardar pela surpresa do desconhecido, do que determinar o que gostaria de ler sem ainda ter sido escrito.