D. Celestino é doutora em Semiótica e Linguística pela USP e professora na UNICAMP.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo meu dia abrindo os olhos e maldizendo o sol que entra pelas frestas da janela e bate na minha cara! Sobretudo no verão. No inverno, é raro o sol bater no meu apartamento. Brincadeiras de lado, eu não tenho uma rotina e sou completamente perdida pela manhã. Nunca sei o que fazer primeiro e sou lerda, “lesada” demais. Se tenho um compromisso, tenho que acordar muito antes do que seria considerado normal, porque fico tão sem foco que acabo gastando muito tempo para me aprontar. Se há uma coisa fixa nas minhas manhãs, é o café; sem açúcar, por favor! Sei lá, o café tem cheiro de alento e me anima mesmo nos dias em que eu preferia não ter acordado.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
De madrugada! Ah, a noite, fresca e silenciosa. É quando eu prefiro trabalhar, mas nem sempre consigo, porque a “vida real” normalmente se passa das 8h às 5h. Então, se eu trabalhar de madrugada, a “leseira” da manhã, que eu comentei na pergunta anterior, é ainda maior. Preciso dormir pelo menos 7 horas por noite, ou fico um zumbi. Mas se pudesse escolher sempre, a madrugada sairia na frente, com certeza. Sobre rituais de preparação para a escrita, não sigo nenhum.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Como no meu caso a escrita não é o trabalho que paga os boletos, eu acabo não escrevendo diariamente, por completa falta de tempo. Queria muito ser desses privilegiados com cantinho de escrita, horas de dedicação exclusiva diária para isso e, sobretudo, alguém fazendo meu almoço e arrumando minha cama; mas não sou. Então acabo escrevendo mais aos fins de semana e feriados. Contudo, às vezes, do nada, me vem algo à cabeça (que pode ser um miniconto, um verso, um início de capítulo, uma ideia nova ou uma ideia para continuar algum trabalho em andamento) em momentos inesperados e aí eu não espero o fim de semana: agarro a caneta (ou o celular) e anoto onde estiver. Outro dia, foi na academia. Estava sem celular, me veio uma puta ideia para um conto em que eu estava “empacada” e não deu outra, corri para o personal : “Tem papel para me emprestar?”. A cara dele foi ótima! Outro dia, foi no banco, esperando um atendimento. Saquei meu bloquinho e caneta nele! Então, tento respirar a escrita no dia a dia e não desperdiço oportunidades. Acho importante dizer também que mesmo que não escreva efetivamente todos os dias, estou todos os dias envolvida, nem que seja por alguns minutos, como literatura: conversas com amigos, grupos de whatsapp e telegram, cursos, podcasts, redes sociais, e… leitura! Quer escrever? Leia, leia e leia!
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu frequentemente começo sem ter compilado nota nenhuma! Eu sou muito ansiosa, então, às vezes, uma vez que a ideia principal tenha me tomado, me vem à mente uma frase, e desse frase, um parágrafo e assim vai. Eu escrevo principalmente contos e muitas vezes já comecei sem saber direito o que ia acontecer, sendo levada pela própria história, me perguntando, como se fosse um espectador, um leitor: “o que vai acontecer agora?”. Nem sempre esses escritos iniciais ficam iguais na versão final (comumente não ficam!), mas eu começo assim, meio de supetão. Só depois de alguma intimidade com o texto é que paro para respirar, dou um passo para trás e penso em pesquisa. Agora, no caso de romances (tenho um publicado e dois em andamento), gosto de um pouco mais de planejamento “estrutural” e de fazer um “outline”. Mesmo assim, nunca é meu primeiro passo, começo com um capítulo ou dois e a partir daí que paro para planejar um pouco aqui, um pouco ali. Às vezes o planejamento muda no meio, o que acho bom, para não ficar uma coisa engessada. A vida é assim também, não é? E especificamente sobre a pesquisa, eu vou fazendo enquanto escrevo, exceto por um estudo bem geral (em que não anoto nada) sobre o tema principal, feito bem no início. Quando sinto que preciso, numa cena ou capítulo, eu paro, aqui e ali, para pesquisar.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Para ser sincera, tenho fugido dos projetos longos, justamente por ser ansiosa. Me dou melhor com os contos e, mais recentemente, como os minicontos e microcontos (tenho um perfil no instagram, o @microcontei). Eu sou meio “viciada” na sensação de ter o trabalho pronto, no “barato” de mostrar para alguém o produto final, e os contos me permitem isso num intervalo de tempo menor. Com o medo de não corresponder às expectativas, eu simplesmente não lido! Sim, ele existe, está sempre à espreita, então eu só o aceito; não consigo me livrar dele, então coloco ele no bolso, levo comigo, mas sempre tomando cuidado para não deixá-lo ficar confortável demais. Sobre as travas e a procrastinação, pelo menos no meu caso, elas vão acontecer, com certeza; então as encaro como parte do processo, parte do “job description” e acho que essa aceitação torna tudo mais leve. Quando eu “travo”, eu gosto de ler algum conto ou romance, ou de assistir a um filme que tenha relação com o que eu escrevo; muitas vezes, disso sai inspiração que simplesmente acaba com o bloqueio.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu reviso bastante durante o processo. Eu não consigo deixar tudo para o final. Porém, com a versão que considero a final, eu ainda leio, não apenas revisando, mas “autoeditando” duas vezes. E, sim, costumo mostrar o texto para algum leitor “beta” antes de publicar (bom, menos no caso dos microcontos; vários deles vão direto para o Instagram, sem passar por ninguém). Meu marido é meu principal beta, mas ele gosta dos gêneros que eu escrevo. Também são meu “betas”, normalmente, amigos escritores. Acho que o importante é mostrar para pessoas que sejam leitores do seu tipo de literatura e em quem você confia, no sentido de ter certeza de que vão “te mandar a real”.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Deus abençoe o criador no notebook! Agora, sério: tenho uma ótima relação com a tecnologia, quando se trata de escrever. Normalmente, mesmo em se tratando dos primeiros rascunhos, eu escrevo no computador, mas, como eu disse em alguma pergunta aí em cima, às vezes estou na rua e pego algum papel e rascunho à caneta mesmo. Geralmente, tenho um bloquinho na bolsa. Se não tiver um bloquinho, rascunho no celular. Já escrevi na fila do correio, na academia, na espera do médico, no banco, no avião… Escrevo com o que eu tiver na mão.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
De tudo, tudo mesmo! De algo que vivi, de algo que me contaram, de livros que li, de filmes a que assisti, de uma cena real ou ficcional que tenha chamado a minha atenção. Para mim, o mundo, do jeitinho que ele é, é um grande cesto cheio de ideias; eu só preciso observar e, cuidadosamente, separar o que importa para mim, além de manter a mente aberta para a noção de que tudo pode gerar uma história. Aí o produto final é sempre um emaranhado de coisas, uma junção de todas essas experiências e influências de outros autores. Eu não cultivo um hábito propriamente dito, mas uma coisa que faço quando algo me chama a atenção é perguntar “e se…?” ou “qual seria a história por trás disso?”.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu escrevia quando era adolescente, depois, por quase 20 anos, só escrevi textos acadêmicos e, quando voltei para a ficção, tinha vergonha de me expor. Então, se eu pudesse voltar atrás eu tentaria me expor mais. Quando à escrita propriamente dita, eu acho que daria mais atenção à escolha de narradores e pontos de vista, e faria um trabalho melhor de autoedição.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu gostaria muito de escrever uma distopia. É um dos meus gêneros favoritos, mas eu não me sinto apta a escrever uma ainda! Penso no trabalhão de conectar todas as mudanças de um mundo futuro e sombrio e minha ansiedade já vem pra cima. Mas é um projeto para o futuro, sim. Sobre um livro que eu gostaria de ler e que ainda não exista? Essa eu vou ficar devendo porque é uma ideia que estou cultivando para um futuro breve! Então, assim que ele passar a existir vocês terão a sua resposta (risos)!