Cupertino Freitas é escritor, dramaturgo e consultor de Tecnologia da Informação.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu costumo ler e responder minhas mensagens e e-mails, depois dou uma olhada no feed de notícias, checo minhas redes sociais e saio para passear com meus cachorros. Tomo café da manhã por volta de oito e meia e, entre nove e nove e meia, sento diante do computador. Começo a pensar no que vou escrever naquele dia. Normalmente no fim do dia anterior eu já defino o foco do dia seguinte, então já tenho uma noção das prioridades. Nem sempre o que planejei fazer é o que acabo fazendo, mas, via de regra, cumpro minhas metas.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Gosto de escrever pela manhã, com a cabeça descansada, mas produzo bem à noite também, desde que não esteja com sono. Procuro colocar o celular longe de mim. Escrevo ouvindo música, trilhas incidentais ou música clássica. Para cenas de suspense, trilhas de filmes de suspense, para cenas tristes, músicas tristes. Para cenas de ação, temas épicos.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não estabeleço metas de palavras ou laudas por dia, não funciona pra mim, mas quando não escrevo pelo menos uma página por dia, fico frustrado. Escrevo quase todos os dias – cinco ou seis dias por semana. Se passo um dia sem escrever, eu me forço a escrever alguma coisa no dia seguinte. Acho que é importante manter um certo ritmo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Acho o começo bastante complicado. Um começo impactante, que prenda o leitor nem sempre é possível de imediato. Acabo criando um começo temporário, para não me perder em devaneios. Volto ao começo da história e mudo os primeiros parágrafos se for necessário. E começo a história sem ter terminado a pesquisa. Tem gente faz muita pesquisa, pesquisa tudo antes de começar a escrever. Eu faço alguma pesquisa antes de escrever, mas eu pesquiso muito durante o processo de escrita. Muitos escritores se debruçam sobre a pesquisa, focam nos detalhes e se aprofundam no tema antes de começar a escrever qualquer coisa. Eu não conseguiria fazer isso.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Acho que travas de escrita podem existir, e existem, mas muitas vezes é mesmo uma questão de falta de foco, ou de interesse na história que se quer escrever. Há dias em que estamos mais inspirados e há outros em que escrever um parágrafo parece impossível. Quando estou realmente sem o menor saco de escrever, quando estou de ressaca, cansado, doente, com sono ou algo está me afligindo, produzo bem pouco. Nesses dias, eu me permito procrastinar, me permito viver a aridez. No entanto, isso não pode se alongar. Não me permito passar uma semana sem escrever. Um dia, dois, no máximo. Isso porque estou só escrevendo, vivo um período sabático de minhas atividades ligadas a consultoria de TI. No momento, escrever é uma “profissão” para mim. Procuro, portanto, ter foco, dedicação, concentração e compromisso, como teria em qualquer trabalho. Quando se tem uma outra profissão ou outras atividades que demandam muitas horas do dia, escrever passa a ser algo que se faz no tempo que sobra. Esse é um outro tipo de configuração, que não corresponde à minha vida atual. Não se pode cobrar do escritor que trabalhe full-timeuma produção literária diária, nem que ele ou ela esteja sempre a postos para escrever. É importante distinguir procrastinação de falta de tempo. Mesmo nesse caso, o escritor precisa determinar um mínimo de horas trabalhadas por semana, ou um mínimo de palavras, senão fica tudo muito ao deus-dará e o projeto não anda, especialmente quando é longo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Enquanto escrevo, estou sempre fazendo pequenas alterações no texto que já construí. Não me sinto confortável para deixar a revisão para o final da escrita, somente. Na medida em que o texto cresce, novas revisões podem ser feitas no que já está pronto. A primeira versão fica pronta quando eu sinto que o texto está suficientemente bom para ser compartilhado e criticado. A grande maioria de meus textos é lida e revista por meus pares, colegas do coletivo de escritores (coletivo Delirantes) ou de dramaturgos (coletivo Peripécias), ambos de Fortaleza. Ao receber feedback, reflito sobre as observações e sugestões de edição, e decido se devo incorporá-las ou não. Muitas vezes há opiniões contrárias, e isso pode até complicar o processo de reescrita. No entanto, o método orgânico e colaborativo de finalizar um texto tem se mostrado maravilhoso, em que pese os percalços que podem acontecer, as dúvidas que podem aparecer. Creio que me torno um escritor melhor ao estar aberto para fazer alterações provocadas por escritores em quem confio.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Normalmente eu capturo ideias num caderno, algum esboço ou dados importantes, mas prefiro trabalhar direto no computador, pois me permite maior flexibilidade. Não teria paciência para escrever o rascunho todo à mão para depois transcrever para o computador. Eu sou analista de sistemas, minha relação com a tecnologia é, em geral, muito boa, especialmente nas ferramentas que são suporte à escrita.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Ideias me aparecem de todas as formas, em qualquer momento ou lugar. Muitas vezes leio alguma coisa, uma notícia, um artigo de jornal, por exemplo, e aquilo me serve de inspiração. Outras vezes, as tramas nascem de fatos, de momentos que vivi ou que alguém viveu, ou de algo que testemunhei. Há ideias concebidas em sonhos, outras que aparecem quando estou escrevendo uma história. Tenho a mente muito fértil, sempre tive, e posso ter várias ideias em um curto espaço de tempo. Às vezes, o que vem primeiro é a personagem, às vezes a situação. Ideias podem também me ocorrer a partir de meu estado de espírito, uma emoção boa ou ruim. Posso criar uma história sem ter nenhuma ideia em mente; sento em frente ao computador e deixo a criatividade aflorar. Enfim, as ideias me aparecem de maneiras diversas, não creio em processos ou receitas para tê-las. É preciso apenas sensibilidade e a capacidade de observar e de ressignificar o mundo ao redor.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu diria para mim mesmo: seja mais persistente, acredite no seu talento, se dedique e escreva diariamente que você vai melhorar. Hoje eu me considero um escritor mais consciente, com mais técnica, com uma percepção melhor da qualidade das coisas que escrevo. Como sou muito crítico, sei quando dei uma bola fora, quando fiz uma tentativa que não foi boa, e sei quando produzo um texto decente. Tenho orgulho de estar melhorando como escritor, o que aconteceu com prática, estudo e compartilhamento de minha produção literária.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho alguns projetos de livros – romances, coletâneas de contos e de poemas. Quero também escrever peças de teatro e roteiros de séries. No momento, estou escrevendo um romance, um thriller chamado “Cidade Santa”, e planejo escrever pelo menos três outros num futuro que, espero, seja próximo. Tenho vontade de ler esses meus três romances ainda não escritos.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Novos projetos vão surgindo aos poucos, a partir de uma ideia ainda meio fluida, um tema, um personagem, uma situação. Antes de colocar qualquer coisa no papel, eu penso muito: que história é essa que quero contar, qual o gênero, onde se passa, em que época, quem é o protagonista, o que o motiva, qual seu perfil, contra que forças luta? Depois de matutar por um tempo, eu anoto algumas coisas num caderno, como “ideia para um projeto futuro”. Se a ideia continuar comigo por mais tempo, insistindo para ser escrita, se eu não conseguir deixá-la de lado, começo então a pensar numa sinopse, numa linha do tempo, algo mais formatado. Esse material inicial pode ter um detalhamento maior ou menor, o que eu achar que se adequa mais para o projeto. Começo então uma pesquisa sobre o tema, ou temas da história, sobre a época ou o lugar, para me munir de detalhes que serão importantes para a narrativa. A escrita do texto em si começa em algum momento, quando acho que já tenho subsídios suficientes para escrever. Acho que os primeiros parágrafos (não a primeira frase) são os mais difíceis da história.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
A organização do meu tempo é em função do que é prioritário. Executo as tarefas de acordo com uma prioridade que eu mesmo determino. Foco em uma coisa por vez, normalmente. Nem sempre isso é possível, mas a minha preferência é trabalhar em um projeto apenas.
O que motiva você como escritor? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
O que me motiva a escrever é a minha paixão por criar histórias ficcionais. A decisão de me dedicar à escrita aconteceu aos poucos, foi tomando forma ao longo do tempo. Eu escrevia como hobby, sem a intenção de ser levado a sério, sem a intenção de fazer isso de forma profissional. No entanto, ao fazer cursos de escrita criativa e me enfronhar cada vez mais no universo da literatura essa decisão acabou acontecendo naturalmente. Eu passei a dar mais importância à minha escrita do que a tudo o mais que eu fazia. Quando percebi, tinha realmente tornado a escrita um ofício, ao qual me dedico diariamente, como me dedicava à minha profissão anterior.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Não posso afirmar que tenho um estilo próprio, na verdade não me preocupo em desenvolver um estilo próprio, me preocupo em melhorar minha forma de narrar, em contar histórias que prendam o leitor, através de um texto limpo, bom de ser lido, sem artificialismos e floreados. Não procuro seguir o estilo de ninguém, não acho que reproduzir o estilo de determinado escritor ou escritora funcione para mim.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, pela narrativa perfeita.
A Resistência, de Julián Fuks, por abordar de forma bela e consistente relações familiares.
Os livros do Mia Couto, pela maneira como retrata sua terra e sua gente.