Cleberton Santos é poeta e professor do IFBA.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não sigo rotina para escrever. Sou efêmero na escrita. Sou alucinado. Escrevo quando chegar o dia e a hora de escrever. Sem compromisso com mais nada. Sou levado pela vontade da palavra. Sua ira. Meu alívio é existir com sons e imagens na cabeça rasgando meu peito querendo ganhar olhos.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho hora melhor. Nem turno melhor. Há apenas o desejo da palavra de ganhar papel, corpo, verso, som e ritmo. Não tenho disciplina de escrita. Não tenho métodos ou manias. Uso papel, máquina, celular, parede, tudo pode receber poesia. Gosto de leituras antes de escrever. Leio outros poetas ou escuto músicas. Tudo inspira e organiza meu caos de palavras e Ser.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Sem metas. Não sou fábrica de literatura. Não sou jornalista escrevendo por demanda. Sou apenas uma voz que ecoa algum outro universo. Em um dia posso escrever apenas um verso ou trinta poemas. Tanto faz. Não tenho projeto quantificado de escrita. Faço a vontade do nada. Escrevo enquanto vivo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo é totalmente livre. Mas, às vezes, coloco uma ideia, uma imagem, um tema na cabeça e tento perseguir os poemas. Isso funciona por pouco tempo. Minha escrita poética é rio correndo em cheia louca. Sem lógica, sem abraços de ribanceira. Minha poesia é enchente viva que inunda meu ser e pronto… Escrevo. Ou fico falando em voz alta algum verso e gravo no celular.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Fico travado durante longos períodos. Sem medo. Acho que faz parte da fonte criacional. Não tenho essa cobrança para escrever ou publicar rotineiramente como se fosse um produto mercantil. Faço poesia, não sou fábrica de sapatos. Assim como nos rios, temos o tempo da cheia e o tempo da seca. Respeito os tempos sagrados na palavra.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Gosto e preciso revisar muitas vezes meu texto-poema. Faço isso muitas vezes, mais de sete. E, claro, a cada revisão os poemas vão renascendo ou morrendo. Também compartilho meus inéditos, poemas em processo de criação e renovação, com alguns poucos e sólidos amigos-leitores. Uma ideia de troca de percepção estética mesmo. Um diálogo sensível antes do parto público do poema. Claro, não faço isso com todos os poemas, apenas alguns. Ou também antes de publicar o livro completo, mando-o para outro poeta-leitor-amigo para receber sua visão da coisa. E são diálogos tensos.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre assimilei as tecnologias no meu processo de escrita literária. Comecei pelo tradicional papel e caneta (pois só tinha papel em minha casa de Propriá, nos tempos de adolescência, não foi charme ou estilo, foi pobreza econômica mesmo), passei pela máquina de datilografia, cheguei ao computador, notebook e celular. Escrevo de toda maneira possível, no imprevisto do tempo, do espaço e do suporte. Tela, caderno ou guardanapo no barzinho. Na areia da praia. Sei lá, em todo material que receba o corpo da palavra desenhado. E, depois, organizamos os arquivos digitais para sustentar os livros.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias vêm… de tudo que é sempre nada. Sei lá. Das memórias da vida, infância, da observação cotidiana do mundo, das conversas, dos filmes, músicas, livros, de todo o tecido que forma nossa existência. Tudo e nada é sempre motivo para criar. Meu hábito para alimentar o ser criativo é Respirar. Como disse o grande Rosa “viver é muito perigoso”. Para criar basta viver nas veredas sempre. Travessias.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Ao longo dos anos, mudou minha paciência para escrever. Fiquei mais paciente comigo e com as palavras. Também mais lento. Era mais frenético. Agora sou mais brisa. Escrevo no vento calmo. Lento. Meu conselho ao jovem Cleberton seria: leia mais, viva mais e rasgue mais.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Como disse não faço projetos literários, espero a vontade da Palavra. Escrevei sobre aquilo que chegar. Acho que todos os livros já foram escritos. Somente ainda não encontrei para ler porque anda longe das minhas mãos. Dos já escritos, ainda lerei “Cem anos de Solidão.” Escrever e ler são braços de um mesmo rio que geram abraços desaguando no mar de meu ser em busca da Vida. Travessias. Palavra.