Cleber Fernando Gomes é escritor e sociólogo.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
O dia só começa após uma xícara de café sem açúcar. O café que me desperta os sentidos para a rotina diária, aliás, um dia sem café é horrível, sonolento e meio perdido.
Sempre tive uma rotina matinal, o período da manhã é o único que consigo estabelecer uma rotina duradoura. Após o café da manhã, é um hábito ler jornal digital no celular, tenho por costume checar três sites jornalísticos diariamente, mas as notícias são sempre repetitivas. Em seguida, é hora de trabalhar e, como dou aulas, os dias nunca são iguais, os períodos vespertino e noturno nunca ficam ao acaso, também são preenchidos com aulas, leituras e escrita. O dia a dia de quem leciona é uma caixinha de surpresas.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
No meu caso específico, o trabalho de escrita criativa flui muito melhor nos períodos matutino e vespertino. A noite e a madrugada é quase impossível sentar para escrever alguma coisa, acho interessante quando leio sobre escritores e escritoras que só conseguem produzir no silêncio da noite, para mim é impossível, só consigo ter sono e dormir. Perdi muitas noites de sono fazendo trabalhos na época da faculdade, agora não faço mais isso, acredito que tenha ficado algum trauma daquele tempo.
Sobre rituais de escrita, não tenho nenhum, mas sempre estou com uma xícara de café ao lado e alguma coisa para comer, percebi que quando estou desenvolvendo um texto com entusiasmo, acabo sentindo fome. Recentemente li um artigo dizendo que o cérebro tem a capacidade de queimar as mesmas calorias de uma pessoa que corre por meia hora fazendo exercícios físicos, acabei entendendo porque preciso ficar lambiscando alguma coisa quando escrevo.
Para mim, é importante estar provido do material de pesquisa prévia, é quase impossível sentar para escrever sem ter feito uma pesquisa anterior, seja para um texto ficcional ou teórico. A escrita criativa ainda exige que tenho feito uma estrutura narrativa sobre a história que quero contar, esse processo passa desde a escolha do tema, até o perfil básico dos personagens e suas relações sociais dramáticas.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Depende do tempo disponível e da quantidade de trabalho para fazer. Procuro escrever com frequência, não estipulo dias e horários, pelo menos uma a duas páginas para não perder o hábito. Há períodos em que os insights criativos estão mais disponíveis para acessá-los, gosto muito dos dias mais frios para escrever com produtividade. Os dias muito quentes são difíceis de se concentrar na frente do computador, o sol tem um poder incrível de tirar a gente para fora de casa.
Não gosto de estipular metas para trabalho criativo. Não acredito que sendo rigoroso você conseguirá ser mais produtivo na sua escrita. O trabalho de escrita criativa tem que ser prazeroso e não por obrigação. Acredito que os bloqueios criativos acontecem exatamente quando se é obrigado a escrever para cumprir metas ou prazos. A criação deve ser livre e espontânea.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O processo de escrita nunca é fácil, escrever é uma das atividades mais difíceis, você tem que se comunicar com as pessoas pelo texto que você escreveu e estruturou. A sua imaginação de meses ou anos estará impressa no papel ou na web para toda a humanidade infinitamente. Só começo a escrever depois de ter feito uma pesquisa básica sobre o tema que quero explorar, também preciso fazer um esqueleto narrativo sobre a história.
Começo com papel e caneta fazendo um esboço sobre o tema. A temática é o primeiro item que decido, para fazer as primeiras pesquisas. Depois defino o tempo e espaço narrativo, para em seguida pensar sobre os ou as protagonistas e antagonistas, para então, começar a criar os perfis dos personagens.
A pesquisa prévia é essencial para começar a escrever, seja um texto ficcional ou de não ficção. As crônicas são mais flexíveis por possibilitar uma escrita etnográfica, mas, mesmo assim, é preciso saber estruturar o texto.
Depois que consigo fazer um levantamento de dados sobre a temática, aproveito para dar espaço à imaginação e deixar as ideias surgirem sem nenhuma censura. As primeiras páginas vem rápido, geralmente, após as dez primeiras páginas dou uma pausa para ler e reler e, analisar se o texto tem coerência e se terá futuro. O processo de migração da pesquisa para a escrita é sempre intuitivo, uma vez que a pesquisa sempre será necessária até a escrita e a revisão da última página.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Procrastinar é um problema sério, principalmente nesse mundo tecnológico e informatizado que vivemos. A tecnologia e as redes sociais exercem uma sedução enorme no mundo contemporâneo e isso acabou afetando a humanidade. Não é só os escritores e as escritoras que sofrem com a procrastinação, pessoas de diversos campos profissionais também estão vivenciando esse fenômeno cultural.
Para conseguir dar conta dos compromissos, procuro não ser escravo das redes sociais, estabelecendo horários para acessá-las e, aprendi que esse é um mundinho muito superficial onde muitas pessoas não são o que mostram ser.
Geralmente não tenho medo dos compromissos que assumi, mas é inegável que a ansiedade sempre aparece quando os prazos ficam mais curtos e, nesse caso, é inevitável perder algumas noites de sono para adiantar o trabalho, caso não consiga, não tenho problema em pedir ajuda.
Os projetos longos são os mais traiçoeiros, porque passam a falsa ideia de que temos mais tempo para concluí-los. Por isso, é importante seguir o cronograma que foi planejado para não atrasar o resultado final. Mas confesso que não é fácil, a única solução é sentar na frente do computador e trabalhar. Aprendi que exercícios físicos também ajudam bastante, principalmente as caminhadas para oxigenar o cérebro.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
As revisões são inúmeras e sempre necessárias. Mas é preciso saber a hora de parar, porque no meu caso específico, acabava revisando muitas vezes e alterando quase que o texto inteiro, quando relia, tinha desconfigurado toda a ideia inicial. Aprendi com o tempo que deveria estipular antecipadamente o número de capítulos ou de páginas para saber a hora de parar e revisar.
Descobri que fazer revisão parcial por capítulos ou páginas, era mais proveitoso do que deixar tudo para quando terminasse de escrever. O risco de alterações desnecessárias é muito mais controlável.
Evito enviar trabalhos muito longos para outras pessoas avaliarem antes de publicá-los, no máximo cinco páginas ou apenas um resumo expandido do trabalho. Acredito ser meio opressivo enviar um trabalho imenso para amigos e amigas lerem só para te enviarem um feedback, principalmente para quem também escreve -, a pessoa já está tentando criar as suas próprias histórias, escrevendo e reescrevendo inúmeras vezes, e ainda tem que arrumar tempo para ler os seus escritos?
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Os rascunhos à mão com caneta e papel são a primeira coisa que faço, mas nunca é um texto estruturado, e sim tópicos que começam sempre pelo tema, depois tempo e espaço e, por último, o perfil dos personagens e suas relações sociais dramáticas.
O computador é minha única ferramenta de trabalho para escrever um texto de ficção ou de não ficção. Com caneta e papel escrevo somente poesias quando não estou com o computador disponível, mesmo assim, tenho usado o celular para escrever poesias em lugares sem outros recursos.
As vezes fico imaginando como era escrever um romance ou um trabalho acadêmico em tempos analógicos, as dificuldades de organização e de revisão dessas obras deveriam levar um tempo imenso.
Minha relação com a tecnologia é de amor e ódio. De amor porque a tecnologia facilitou muito a nossa vida, diminuindo muito algumas burocracias que nos obrigavam a enfrentar filas enormes. Por outro lado, ficamos dependentes e viciados em vários produtos que ela oferece, na sua maioria, supérfluos.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
É difícil saber de onde vêm as ideias, principalmente as criativas. Pessoas nascidas e educadas em uma mesma família têm caminhos e ideias diferentes no decorrer da vida. Acredito que algumas pessoas desenvolvem uma sensibilidade maior para certas coisas, enquanto outras não conseguem seguir o mesmo destino.
No meu caso, o interesse pelos livros desde a infância, mesmo antes de ser alfabetizado, já gostava de ficar folheando os livros que tinha em casa para ver as imagens e os diversos tipos de letras. Após a alfabetização, gostava de escrever cartas para meus avós que moravam em outra cidade.
Com o tempo, a curiosidade sobre a diversidade cultural começou a despertar interesse em querer saber sobre tudo. Ainda vivendo em um mundo analógico sem celular e internet no final dos anos oitenta, eu já frequentava a biblioteca pública da cidade onde morava. Os livros da Coleção Vagalume foram os primeiros a ativar minha imaginação literária.
Na adolescência e depois de adulto, a música, o cinema, as artes visuais, a cultura popular e, claro, a literatura começaram a fazer parte da minha vida cotidiana. Pode ser que a minha criatividade venha desse caldeirão cultural brasileiro e estrangeiro.
De fato, as ideias têm muito mais facilidade de aparecerem quando a gente abastece a alma de arte e cultura, sempre com a mente livre, sem preconceitos.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Muita coisa se transforma ao longo dos tempos, algumas para melhor e outras para pior. Minha escrita criativa começou a se desenvolver no ensino médio nas aulas de redação onde a professora trabalhava a produção de textos com temas políticos e sociais da época, mas também pedia a produção de narrativas ficcionais.
Não guardei nenhum texto desse tempo, e não me recordo de ter escrito nenhuma obra prima para fazer uma comparação com os meus textos contemporâneos. Na faculdade a produção acadêmica foi mais intensa e tive textos aprovados e reprovados para publicação em revistas científicas.
As mudanças aconteceram, principalmente no controle da ansiedade para terminar logo um texto e enviar para avaliação e publicação. Atualmente não tenho mais pressa para terminar minhas produções científicas ou literárias. O processo de pesquisa e revisão também é mais detalhado. Nesse caso, a maior lição desses anos de escrita criativa é ter mais paciência e procurar decupar mais o texto.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Penso, um dia distante, escrever um romance épico em terras brasileiras. Esse pode ser um projeto para durar anos em pesquisas e escrita, mas…nada é impossível!
É difícil saber o livro que gostaria de ler e ainda não existe, são tantas as possibilidades criativas da imaginação e da realidade da humanidade. Se pensarmos na quantidade de obras que são publicadas anualmente no mundo inteiro, pode ser que já exista um livro que possa me surpreender e superar o maravilhoso Dom Casmurro de Machado de Assis, porém, ainda não encontrei esse livro.