Cezar Tridapalli é escritor e tradutor, autor de “Vertigem do chão” (Moinhos, 2019).
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Quando estou escrevendo um romance, procuro criar obrigação, como se eu tivesse um chefe ou precisasse bater cartão, algo do gênero. Meu primeiro romance, Pequena biografia de desejos, me fez ver como as coisas funcionavam para mim. Sem muita disciplina, tive muito mais dificuldade para acabá-lo, afiná-lo, deixá-lo do jeito que me parecesse orgânico. Como escrevi umas 40 páginas e abandonei-o por mais de dois anos, a retomada foi um sofrimento só, eu não encontrava mais o tom de antes. Não à toa, precisei cortar muito do que já havia escrito, páginas inteiras. Depois da retomada, reservei períodos fixos do dia para me dedicar ao livro, à escrita, sem me permitir muito espaço para subterfúgios procrastinadores. Uma tendência grande era eu achar que não tinha ainda todos os elementos necessários para escrever o livro e daí ficava adiando a escrita atrás de leituras e pesquisas e elucubrações. Ou mesmo colocava coisas que poderiam ser feitas em outro momento como prioridade absoluta, coisinhas do dia a dia mesmo, como ir ao mercado, varrer a casa…
Em relação à escrita de romance, quando estou envolvido em um, não tenho outros projetos concorrentes não. É foco total. Mal leio outros livros, para não dizer enfaticamente que não leio outros livros. Se eu pudesse viver da escrita que elaboro, talvez pudesse ampliar os focos, mas não é o caso e está longe de ser, tão longe que eu já sei que nunca vai chegar. Então, resumindo, é isso: quando estou escrevendo um romance, estipulo dias e horários fixos e naquele tempo eu preciso ir martelando o teclado, sem frescura, sem revisão apurada, preciso me confortar vendo as palavras ganhando o espaço branco da tela. As revisões posteriores serão bem minuciosas – falarei sobre isso daqui a pouco –, porém menos tensas, já que o livro se escreveu, ele existe, a sua materialidade está ali diante dos olhos.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Eu planejo tudo antes, com um rigor que, quando mostro esse planejamento nas minhas oficinas ou bate-papos, acabo impressionando as pessoas. Impressionando para o mal e para o bem, acho eu, pois há quem pense que nem parece um trabalho criativo, geralmente associado à liberdade e ao deixar rolar, e sim uma obra de engenharia, ou, bem pior, uma camisa de força, já que tudo é muito calculado. Tenho umas fotos de como projeto o livro antes de escrever a primeira linha na tela, elas estão nessa entrevista que já dei para este site. Sim, eu projeto com rigor, só que não me obrigo a seguir aquilo de modo tão fiel. Permito-me grandes mudanças no meio do caminho. O planejamento serve para me dar a primeira segurança: esse livro vai acontecer, é viável, é possível. Dizem que o general Eisenhower afirmou certa vez: “nenhuma batalha foi vencida conforme o planejado, mas nenhuma batalha foi vencida sem um plano”. No meu caso, preciso de um plano, e quanto mais detalhado melhor, nem que seja para desviar dele, o que em geral acontece. Até poderia ser desafiado a sair escrevendo do nada, abrir o editor de texto e começar. Desconfio que sairia algo, mas o trabalho posterior de corte e costura, a revisão da coisa toda – que já é demorada com planejamento –, além do processo em si da escrita, tudo seria mais arrastado. Não tenho vontade de experimentar. Gosto de certa organicidade, certa lógica. Aprecio frases bem elaboradas, mas também o conjunto amarrado dessas frases todas, o corpo que elas vão formar. Entendo a fragmentação romanesca, e gosto de algumas, mas não me sinto inclinado a fazer isso.
Sobre qual frase é mais difícil, se a primeira ou a última, eu diria que a primeira é mais difícil quando estou para escrever a primeira, e a última é mais difícil quando estou para escrever a última. Vale para as frases do meio; ou seja, a frase seguinte, aquela que está na iminência de ser escrita, que nem existe e já parece estar me interrogando, me pressionando, exigindo vir ao mundo, é sempre a mais difícil. Vou falar uma coisa meio estranha, mas não sinto um grande prazer em escrever. Há grandes momentos, sem dúvida, mas sou sempre atropelado pela angústia.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Digamos que eu tenha publicado um romance e agora queira começar outro, do zero, do branco absoluto: começo a tomar notas esparsas, totalmente aleatórias, sem conexão entre elas: pensamentos que acho interessantes, deduções, insights, frases ouvidas, inventadas, suposições, imagens que julgo poéticas, possibilidades de enredo, esboço de personagens etc. Vou acumulando isso. Depois de já ter uma quantidade razoável, penso em uma forma de unir esse monte de brinquedo espalhado pela sala (metáfora de quem tem filhos pequenos). E começo a fazer o resumo de um livro que ainda não foi escrito. Sem preocupação com linguagem, apenas o resumão tipo apostila de cursinho pré-vestibular, ou seja, aquela coisa sem graça, enfadonha, que afasta os adolescentes da leitura. Depois do resumo feito, vou espalhando a série de notas esparsas onde acho adequado. Aí eu já tenho enredo, personagens e umas coisas legais que vieram das anotações. Com tudo isso registrado, só então parto para o editor de texto, arquivo > novo documento, primeira frase e segue o barco, encalhando às vezes, mas sempre chegando ao fim, mesmo que o porto não seja aquele que eu havia planejado. Tenho minhas Índias para alcançar, mas às vezes chego a alguma terra surpresa. Ao final da primeira escrita, imprimo tudo já com um bom espaçamento entre linhas e com margens grandes, pois sei que vou riscar muito e acrescentar muito (a lápis), sempre cortando mais do que acrescentando. Depois desse primeiro tratamento (raramente você vai encontrar uma linha sem alguma mudança), passo tudo a limpo, cortando no editor de texto o que havia cortado a lápis, assim como digitando o que havia escrito à mão. Assim que termino, imprimo tudo novamente e recomeço o mesmo trabalho. Faço entre quatro (Pequena biografia de desejos) e nove (Vertigem do chão) revisões desse tipo. O beijo de Schiller teve um número intermediário, seis revisões. Depois que o texto começa então a ficar menos rabiscado, e eu percebo que estou trocando seis palavras por meia-dúzia de sinônimos, ou voltando a frases que já havia escrito e riscado em versões anteriores, aí concluo que já não consigo fazer muito mais pelo livro, está na hora de pedir para alguém ler. Tenho alguns bons amigos em quem confio e que leem os originais. Pego o feedback deles, avalio, mudo algumas coisas, finco o pé em outras e daí, então, é hora de salvar o arquivo e entregar para a agente, que vai atrás de publicar.
Preciso de silêncio sim, o que é uma pena. Não sou muito de escrever em aeroporto, rodoviária, sala de espera do dentista. Escrevo no meu local de trabalho, em casa, às vezes na praia, às vezes no lugar onde se passa o romance (fui duas vezes para Utrecht, na Holanda – uma no verão, outra no inverno – para escrever e revisar Vertigem do chão).
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travado?
A “técnica” é empurrar o texto com a barriga, ou seja, faço um trato comigo mesmo, “ponha a história para andar”. Aí não fico me preocupando em fazer revisão e retoque e corte e acréscimo logo após a escrita, nada da suposta beleza da elaboração. Muita coisa de que gosto vem nesse momento, como se a tal inspiração estivesse na ponta dos dedos que tocam o teclado (como se), em outras ocasiões eu só faço a história andar, contando quem fez o quê, como aconteceu, de onde veio um, para onde foi o outro (o planejamento de que falei antes ajuda aqui). Isso me desobriga a ter um texto limpo e lindo já de primeira, o que seria um gatilho para a procrastinação. Fazer isso me dá a sensação de que o texto está andando. Da tela em branco vou saltando para três páginas preenchidas, depois quarenta, aí sessenta e sete, quando vejo já estou chegando na cento e três e a coisa vai se desenvolvendo até o fim.
Não quero dar a impressão de que é simples. Pode ser simples para outro escritor, mas para mim não é. Desanimo na tela em branco, desanimo na página três, na quarenta, na sessenta e sete, na cento e três, vou tendo crises de desânimo até o fim. E não sei se tenho uma boa resposta para a eventual – e lógica – pergunta “mas então por que você escreve?” Tenho umas respostas-padrão para dar em entrevista, mas nem sei se é isso mesmo.
Também não sou romântico e isso pode decepcionar muita gente que gosta de mistificação. Nunca vou responder, por exemplo, coisas do tipo escrevo porque sem isso minha vida perderia sentido. Sim, os laços são gerados pelo desejo e o desejo dá sentido à vida, por isso não critico quem diz isso, só não funciona comigo, não é assim.
Ainda sobre estratégias para evitar procrastinação, nunca fiz, talvez faça um dia: acho que era o Hemingway quem dizia para nunca esgotar o texto em um dia de trabalho. Quando você escreveu e percebe que ainda tem o que dizer, deixe isso para o dia seguinte. Como ideia, gosto, mas nunca provei.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
Sem dúvida alguma foi meu terceiro romance, Vertigem do chão, pois eu abandonei o circuito fechado, restrito e conhecido de personagens de algum modo envolvidos com livros e literatura e fui buscar atletas, bailarinos, islâmicos, haitianos, marroquinos, brasileiros, turcos, holandeses, evangélicos, homens e mulheres muito diferentes, além de ter saído do raio curto de Curitiba e ter ido buscar uma realidade pouco conhecida para mim, que é a da Holanda e tudo que envolve questões de corpo, território, fronteiras, migração, as contradições do conservadorismo e a complexidade da tolerância e do acolhimento. A quantidade de notas esparsas (cerca de seiscentas), as viagens, os estudos, tudo isso fez com que eu precisasse de doses muito grandes de organização, seleção, cuidado para não entrouxar no livro as tantas informações só porque eram informações relevantes. Trata-se de um livro maior, o que demanda mais controle entre as partes, as escolhas são muitas e mais difíceis.
É também Vertigem do chão o texto de que mais me orgulho, o que não significa que para o leitor seja meu melhor livro. É grande a quantidade de leitores que prefere Pequena biografia de desejos, por exemplo, que é meu primeiro romance, também o mais singelo, e que, na opinião dos que o preferem, conta uma história muito bonita, doída e sensível. O beijo de Schiller, que ganhou prêmio nacional e tal, ficou um pouco no limbo, tenho a impressão de que os leitores falam menos a respeito, embora eu goste dele na minha trajetória, foi importante ter criado esses personagens, acho que afinei o humor, o tempero insólito em meio ao registro realista, pude explorar o cinismo e as narrativas cruzadas, algo que vai reaparecer com muito mais força em Vertigem do chão (outro motivo para achá-lo o mais trabalhoso), já que vai contando sem muita separação a vida dos dois protagonistas ao mesmo tempo, chegando ao extremo de uma frase atribuída a um personagem servir para o outro personagem que começa a ser narrado logo na frase seguinte. Vertigem do chão me deu mais trabalho e creio que dará um pouco mais de trabalho ao leitor, o que, no entanto, não faz dele um livro difícil. Peço ao leitor que dê uma chance a ele, lendo-o até a página trinta. Se não gostar, pode largar no caminho, ou, melhor, doar, vender num sebo.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém um leitor ideal em mente enquanto escreve?
Não tenho leitor ideal nenhum, a não ser que seja inconsciente. Ou talvez, respondendo de um jeito meio narcisista, eu seja meu leitor ideal, pois li o que escrevi, entendi tudo e ainda por cima gostei, rs. Outra resposta possível: sou habitado por um Outro que me constitui, que se inscreveu em mim e forjou minha subjetividade, então talvez eu escreva para esse Outro, que sou eu. Há uma extimidade aí (uma suplementação da intimidade), um eu que está espalhado fora de mim, mas que se reuniu em mim, constituindo o que sou. Eu estou dentro e fora de mim, assim como o Outro está fora e dentro. Isso é meio psicanalistês. Mas acho que a psicanálise ajuda também a explicar a escolha dos temas (ela explica, Freud explica, mas eu não sei se consigo). Será que tem a ver com os temas que eu acabo lendo mais? Mas por que eu leio mais sobre determinados temas? Que tipo de laço eles estabelecem comigo para que eu os procure mais? Por que alguns assuntos provocam em mim uma questão e outros não? Só sei que isso acontece. Às vezes não damos bola, deixamos passar algo que nos afetou até ser temporariamente esquecido, só que em algum momento ele reaparece, repete-se, insiste até que você se toca e pensa eis aí uma boa questão para eu não responder, mas pelo menos para colocá-la, virando-a e revirando-a, espalhando-a entre personagens que a abordam de modos diferentes, com vieses distintos, concordâncias, discordâncias, dissonâncias, gerando a polifonia tão característica do romance.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Serei mais sucinto aqui porque acho que já respondi essa em boas partes na terceira pergunta. Só consigo me desgrudar do que escrevi depois de achar que não tenho mais nada a acrescentar ao livro. Portanto, peço para alguém ler depois de terminadas todas as minhas forças revisoras. Os originais de meus três livros foram lidos por pessoas diferentes, e tenho medo de esquecer alguém se nomeá-las. Gosto de entregar a pessoas tanto do meio da literatura quanto de outras áreas, mas que eu sei que são boas leitoras. Porém, há dois amigos para quem eu empurrei os três romances em sua versão não-publicada (isso que é amigo!): o jornalista e tradutor Christian Schwartz e o escritor Paulo Venturelli. Foram os dois que mais me aguentaram, lendo os originais dos três romances.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Comecei por teimosia, desafiando a mim mesmo, como se eu dissesse duvido que você escreva um romance. Tive aulas na faculdade de Letras da UFPR com o Paulo Venturelli e ele instigava muito, provocava, era odiado ou amado, com poucos meios-termos. Mas ali eu comecei a ler (tardiamente, acho) os grandes romances, clássicos e tal. E eu era muito tocado por aquilo que lia. Depois fui ser professor, novamente ficava em contato direto com livros de literatura, também poesia, conto. Mas minha escolha fora das aulas era sobretudo a de romances. E percebi que o romance consegue açambarcar muita poesia, consegue requintes de linguagem que se assemelham aos encontrados nos grandes poemas. Então pensei que, se eu fosse escrever, escreveria aquilo que mais leio, que era também o que mais me afetava. Daí fui para o romance, embora tivesse meus poemas adolescentes e três ou quatro contos nunca publicados.
Não sei sinceramente o que eu gostaria de ouvir, se eu soubesse mais sobre a realidade do mercado editorial, por exemplo, isso poderia até atrapalhar, pois é uma parte muito difícil (estou falando de encontrar um editor e uma casa editora, não de autopublicar, que hoje anda mais fácil), é chato demais, a gente sequer recebe resposta, há editores que falam que estão avaliando para a agência literária, mas os anos (sim, anos) passam e nunca vem sequer uma resposta padrão pra gente viver o luto. Um pouco de organização e as editoras poderiam ao menos dar uma resposta. Tem ainda o fato de que eu não sei me vender, não sei ficar puxando assunto para fazer amizade e estabelecer algum contato para depois pedir avaliação. Sou um cara bem desconhecido das grandes editoras, do “meio”, nunca fiquei batendo na porta de forma insistente. No máximo, bati uma vez, ninguém quis abrir, eu fui embora. Isso me atrapalha, dizem. Mesmo com uma grande agência literária por trás, que leu e apostou nos meus escritos, a dificuldade é grande. Minhas redes sociais são muito caseiras, até publico as coisas legais que dizem sobre os meus livros, mas com certa vergonha, aí logo me calo. Não sei se quero mudar. Ou na verdade talvez eu queira, mas como não consigo, digo que não quero.
Acho que tudo bem o autor vender seu peixe, travar amizades com pessoas do meio, é o lógico a ser feito. Também há grandes autores que são mais caladões. Tem de tudo, qualquer tentativa de classificar e encerrar todo mundo em caixas vai fracassar e eu nem sei mais do que estou falando.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Eu nem sei se tenho um estilo próprio, mas como eu tenho uma vida própria, que é só minha, que só é vivida por mim, então tenho um jeito próprio de ver as coisas. Mas um jeito de ver as coisas não é um jeito de escrever as coisas. Estou mergulhado no caldo das linguagens.
Existe um momento que é meio de jorro, mas há também o momento da sobriedade. Dessa conversa entre o ébrio e o sóbrio nasce meu jeito de escrever, que gosta de deixar o texto correr, que enfia voz de personagem no meio da narração (novidade nenhuma, claro, o discurso indireto livre está aí há tempos), que gosta de colocar o infamiliar (termo freudiano, unheimlich, que remete a um estranho familiar, a um inquietante) aparecendo como vozes na cabeça dos personagens, coisas assim. Parece arrogância dizer que não tive dificuldades para encontrar um estilo próprio, mas é o contrário, pois nunca parei muito pra pensar ó, preciso criar um estilo todo meu, virar um mestre Yoda da literatura, inverter tudo e tal (nem assim eu estaria sendo muito original), então eu nem sei se tenho um estilo próprio. Uso a linguagem e minha tentativa é de usá-la de um modo que ela faça ver algo diferente do senso comum. Melhor do que dizer que a conversa de uma personagem não vai pra frente é dizer que “as conversas que ela começava pareciam madeira verde, soltavam fumaça mas não pegavam fogo”, como faz o Truman Capote. É isso que eu tento. Nem toda a frase precisa ser uma revelação exuberante e inovadora do mundo (talvez no verso do poema sim), mas que ao menos o conjunto de um romance proporcione isso ao leitor, que ele feche o livro e fique com alguma coisa, que ele sinta que fez uma travessia, grande ou pequena, que o livro afetou seus modos de estar no mundo. Que ele termine o livro até meio cansado. Isso às vezes a gente consegue colocar em palavras, às vezes não. Há um monte de livros (a maioria) que eu li e não consigo sequer contar o enredo básico, mas eu sei com uma certeza que até me espanta – pois sou um sujeito de poucas certezas – que muitos desses livros hoje me constituem.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Desgraçadamente, estou lendo pouquíssimo durante a pandemia, nada de ficção, somente livros de psicanálise (faço a formação permanente e pretendo começar a atender no pós-pandemia, caso venha a existir esse período), mas estou traduzindo bastantes livros e, felizmente, livros muito bons. Então, minhas dicas levam a três autoras italianas, duas delas inéditas até então (as duas primeiras):
Onde você vai encontrar um outro pai como o meu, Rossana Campo, editora Âyiné.
Um romance desconcertante pela mistura de humor e comoção, de riqueza e simplicidade narrativa, em que a autora fala de um jeito muito lindo e louco sobre a relação da protagonista (tem autobiografia aí no meio) com o pai, que é uma figuraça, para o bem e para o mal. Recomendo muitíssimo.
Lições de felicidade, Ilaria Gaspari, editora Âyiné.
O título sugere até que seja autoajuda. Mas se trata da experiência da autora, que, depois de levar um pé na bunda e estar vivendo – alerta de clichê – a “dor da separação”, resolve viver seis semanas de acordo com seis escolas filosóficas pré-socráticas. Vai então experimentando, semana a semana, viver conforme os pitagóricos, os eleáticos, os céticos, os estoicos, os epicuristas e os cínicos. Sabe aquele assunto de filosofia que um dia você prometeu a si mesmo que estudaria, mas nunca leu de verdade? Ótimo jeito de finalmente começar a cumprir a promessa.
Estrangeiros residentes: uma filosofia da migração, Donatella di Cesare, editora Âyiné
Esse é o livro mais denso da lista, para ler devagar. No entanto, apesar de ser uma obra complexa, é muito clara. Leitura fundamental para quem quer entender o movimento das migrações, hoje e ao longo dos tempos. Entendendo a história das migrações, entendemos boa parte da história do mundo.
São traduções minhas, mas só sugeri porque realmente gostei.