Cesar Garcia Lima é poeta, professor e jornalista, autor de Bastante aos gritos (2021).

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não tenho uma rotina fixa, então cada dia é bem diferente do outro. “Tudo tem o seu tempo determinado”, como diz o livro de Eclesiastes. Em geral, começo minha jornada com meditação e alimentação para Kino e Mina, meus gatos, depois tomo café da manhã. Prefiro começar o dia devagar, já que trabalho mais à tarde e à noite. No que se refere à escrita, desde a infância tenho o hábito de escrever em cadernos ou cadernetas e mantenho uma delas na cabeceira da cama, com lápis bem apontado com borracha branca. Acontece muito de acordar lembrando de algum sonho ou ideia e aproveito para registrar tudo na caderneta, seja de madrugada ou de manhã.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Tendo a trabalhar melhor à noite ou de madrugada, quando as solicitações externas diminuem e faz mais silêncio. Esta entrevista, por exemplo, está sendo respondida às 23h25. Mesmo assim escrevo em horários variados, desde poemas, textos acadêmicos, contos ou mesmo anotações de uma palavra, frase ou qualquer coisa que tenha chamado minha atenção e possa servir de mote posterior para outro texto. Não tenho um ritual preciso, a não ser que a maior parte dos meus textos literários começa com anotações à mão. Textos acadêmicos ou jornalísticos são feitos diretamente no notebook ou computador de mesa. A criação literária inclui também papeizinhos de todo tipo ou anotações na agenda, que passo depois para o computador.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Minha tendência é escrever (ou reescrever) mais em períodos concentrados, especialmente quando estou organizando um novo livro. Os projetos de livro me mobilizam muito e, em geral, decido publicá-los apenas depois de ter definido um título. A dispersão é um problema que tento contornar porque, trabalhando a maior parte do tempo em casa, há muito o que ler, assistir, além de ouvir música, cozinhar, o que toma bastante tempo, entre outras ocupações. No momento, estou procurando retomar a escrita diária de um livro de contos, além das tarefas como professor.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
É difícil pensar em como se dá todo o meu processo de escrita ou mesmo nomear o que faço de “processo”. O hábito de escrever à mão em cadernetas certamente indica um certo método, neste sentido sou um pouco artesanal. O ponto de partida é variado, meu critério tem mais a ver com um título, como já disse, ou com temas que se repetem, pedindo para sair da gaveta. No que se refere à escrita literária nem sempre posso dizer que houve pesquisa e sim elaboração de um texto bruto para algo mais elaborado que, muitas vezes, vai sendo cortado até ficar bastante reduzido.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Já passei um longo período sem escrever literatura, especialmente nos anos em que desenvolvi minha dissertação de mestrado e tese de doutorado que, ironicamente, envolvem as obras de dois poetas: Drummond e Mário de Andrade. Falar em procrastinação quando se trata de escrita literária é bastante relativo, porque o principal compromisso fui eu mesmo que estabeleci. O que aconteceu nesse período de “seca” é que a vida acadêmica me tornou mais exigente com minha própria produção. Durante a pandemia me senti mais instigado a retomar textos antigos, o que me levou a publicar o Bastante aos gritos em 2021, reunindo poemas recentes e outros mais antigos. Quanto a corresponder às expectativas, meu maior temor é não corresponder às minhas próprias e não às dos outros, por isso reescrevo muito meus próprios textos. Prefiro trabalhar em projetos curtos, talvez por isso prefira criar poemas e contos. Penso que há uma certa preferência no meio literário pelos gêneros longos, como uma imposição comercial. Talvez isso explique um pouco da decadência atual: a poesia não é tida como uma escrita relevante.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
A questão da revisão é interminável porque dificilmente considero que um texto está pronto. Sendo assim, a quantidade de revisões varia muito e, quando não estou convencido disso, salvo o texto no computador para reler depois, o que pode levar anos. Sempre procuro que pelo menos dois amigos, leitores rigorosos, leiam meus originais já selecionados para um livro e me passem suas observações que, de alguma maneira, me ajudam a pensar no que está por vir. Às vezes divido um poema recém-escrito com alguém, mas isso é raro.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Além de escrever em cadernos ou cadernetas, também uso bastante o computador e, nos últimos anos, blocos de anotações dos smartphones. Além disso, adquiri o hábito de gravar alguns poemas no celular ou mesmo em um podcast(quando já estão prontos). A tecnologia modificou profundamente nosso modo de vida e trouxe inúmeros avanços principalmente para quem trabalha com texto e com imagem, como eu, mas também possibilitou muitos absurdos como abrir espaço para o ódio e as fake news. Uso muito o computador, ainda que preserve uma faceta analógica.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Também gostaria de saber de onde vêm minhas ideias (risos). Isso varia muito. Como a maioria dos poetas e ficcionistas, sou muito influenciado pelos livros que leio, pelos filmes e séries que vejo, mas também pela convivência com outras pessoas, pela música ou pela simples observação do mundo. Os sonhos também me “fornecem” muito material, ainda que seja improvável levar isso diretamente para o papel. A meditação é uma prática que me ajuda a ter mais tranquilidade para desenvolver minhas ideias. Outras vezes as ideias simplesmente me ocorrem como num poema recente intitulado “A mão que não é minha”, ainda que eu não ache que seja apenas o acaso, ou mesmo um dom, que me faça escrever. Escrevo para existir.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acredito que o processo de escrita muda o tempo todo e por mais que eu o descreva aqui seria uma resposta insuficiente. Se pudesse voltar no tempo diria para mim mesmo para viajar mais e ler em outras línguas, o deslocamento sempre foi um mote para minha escrita. Também teria abordado Carlos Drummond de Andrade uma vez em que o vi na rua, em Copacabana, quando era muito jovem, mas não tive coragem de falar com ele.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho muitos projetos e é inviável realizar todos porque minha autoexigência me consome muito, assim como a divulgação de um livro. Às vezes penso em fazer livros voltados para um só tema, como um livro de poemas sobre animais e outro sobre cinema. Também tenho pensado muito em escrever para teatro. Quanto à leitura, já existem tantos livros que conheço e ainda não consegui ler que pensar em um livro não inventado me parece um pouco absurdo, mas tenho curiosidade por livros perdidos, como alguns livros da Bíblia, ou diários de santos e artistas ainda inéditos.