Cassionei Niches Petry é escritor, professor de literatura e crítico literário.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo o dia sempre acordando em cima da hora para ir trabalhar. Já tentei despertar mais cedo para ler e escrever, porém não consigo. Minha rotina matinal, portanto, está ligada à escola onde leciono literatura para o ensino médio, o que não impede de, numa hora de folga ou enquanto os alunos estão fazendo alguma atividade, eu rabiscar alguma coisa. Alguns contos que escrevi nasceram em meio à bagunça de uma sala de aula e até inspirados em conversas que o meu ouvido capta enquanto copio algo no quadro branco. Minhas próprias aulas já serviram de inspiração para contos e trechos dos meus romances.
No fim de semana a coisa muda de figura. Se não consigo acordar muito cedo, também não levanto tarde, então os sábados e os domingos me proporcionam uma imersão em leituras e escrita pela manhã.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Como dou aulas de manhã e à noite, é à tarde que tenho mais tempo para escrever. Gostaria de ser um escritor da madrugada, entretanto, a rotina familiar não deixa. O ritual de escrita necessita de uma grande xícara de café, mesa mais ou menos bagunçada, com anotações e livros espalhados, música no fone de ouvido, internet à disposição para consulta (apesar de me fazer perder o foco), oração aos santos literários de devoção (sou um ateu que acredita em deuses) e a mais absoluta falta de concentração possível.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Sou indisciplinado, desorganizado, distraído, preguiçoso. Não tenho paciência, persistência, força de vontade. Consequentemente, não tenho meta (apenas de leitura). Muitos projetos meus ruíram, não foram pra frente. Sou como o psicopata Jack, personagem do último filme do Lars von Trier, projetando e construindo casas e depois as demolindo por não me agradar esteticamente. Apesar disso, vou escrevendo uma coisa aqui e outra ali que gera uma resenha, uma crônica, um conto, um fragmento. Com sorte, dá para organizar um livro. E assim vou construindo minha obra. E me frustrando também.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Cada livro e cada texto têm um processo diferente. Muitos contos nasceram de uma inspiração mesmo, algo que aparentemente veio do nada e se transformou numa história. Outros contos surgiram a partir de um fato real que virou ficção. Criei um conto de Cacos e outros pedaços oralmente em sala de aula, para exemplificar os elementos de um enredo, e depois o formatei como um roteiro de curta-metragem, reproduzindo o que fiz para o alunos. Já meu primeiro romance, Os óculos de Paula, é fruto de uma pesquisa (em que pese a centelha ter surgido num título de um livro de um personagem do meu livro de contos Arranhões e outras feridas), pois fazia parte da minha dissertação de mestrado. Pesquisei muito justamente sobre o processo de criação e também sobre o suicídio. Meu romance recente (Relatos póstumos de um suicida que não morreu), lançado em e-book, surgiu de várias anotações, fragmentos, contos inacabados, que foram se juntando e se adaptando para tornar-se uma narrativa longa.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Sou movido por prazo. Meus dois projetos mais longos, ou seja, os dois romances, terminaram porque eu tinha data para entregar: o primeiro para o meu orientador no mestrado, o segundo para um concurso literário. No mais, vou adiando a escrita porque fico mais tempo lendo do que escrevendo. Quando há bloqueio, escrevo outra coisa e depois volto para o outro trabalho. O que me bloqueia hoje é a falta de perspectiva de ser lido, visto que tudo que publiquei foi um retumbante fracasso.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso muito, não sei quantas vezes, mas apenas reescrevo, não corto quase nada, pois já escrevo de forma muito concisa. Fora meu orientador de mestrado que acompanhou a escrita de um dos romances, não costumo mostrar o que escrevo para outros, somente para quem vai escrever a orelha ou o prefácio, ou seja, com a publicação já encaminhada. Não tenho muita disposição para encher a paciência dos outros para que leiam e opinem, sou muito discreto e isolado.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Às vezes rascunho algumas coisas num caderno ou caderneta, mas gosto de escrever direto no computador, sempre com um aplicativo que simula o som de uma máquina de escrever conforme eu digito.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias vêm de muitas formas. Pode ser uma lembrança de infância, a leitura de outro texto literário, a observação do que acontece ao meu redor, uma conversa ouvida sem querer (ou por querer), uma frase que puxa outra, etc. Para me manter criativo, leio (literatura, filosofia, HQ), ouço música (de diferentes estilos, procurando informações sobre o processo de criação das letras e melodias) e assisto a filmes, séries ou qualquer coisa na TV, inclusive porcarias. Tudo pode servir em algum momento para elaborar um texto literário ou um artigo de opinião.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Passei a me preocupar menos se vou ser publicado, lido, comentado. Se pudesse, diria ao Cassionei adolescente que não dividisse mais suas aspirações artísticas entre a literatura e o Rap e se dedicasse ao último. Ou melhor, diria a ele para seguir outro rumo que não a arte.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de escrever um romanção de mais de 700 páginas. Quanto ao livro para ler que ainda não existe? Bom, eu mesmo poderia escrevê-lo, portanto não vou dar ideia de graça para ninguém.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Às vezes uso a palavra projeto, mas o que menos existe na minha atividade literária é projeto. Tentei planejar, porém sou péssimo nisso. Vou escrevendo e as coisa vai acontecendo, um lampejo aqui, outro ali. O que mais me satisfaz na escrita é quando me surpreendo com o que escrevi. O mais difícil, sem dúvida, é a última frase. Saber a hora de parar, nem muito cedo (ejaculação precoce decepciona o leitor), nem muito tarde (retardamento cansa o leitor).
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Não sou nada organizado. Tento sê-lo, mas não consigo. E tudo depende do meu horário no colégio, quais os turnos que fico em casa, essas coisas. Posso, porém, escrever no meio das aulas. Fiz muito isso. Acabo, então, escrevendo vários tipos de textos diferentes, que até podem se juntar numa mesma narrativa. Como diria um locutor esportivo, “é o caos!”.
O que motiva você como escritor? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
O que motiva é me espelhar naqueles que admiro. Por isso me decepciono quando os conheço, ainda mais através das redes sociais. Escritor é um bicho esquisito. E eu sou esquisito. Escritor é um incoerente. E eu sou incoerente. Escritor é um ser que tem um olhar peculiar sobre o que está ao seu redor. E eu tenho esse olhar. Isso tudo vale para qualquer artista. E o escritor é, acima de tudo, um artista. Se ele deixar outras coisas se sobreporem, como a política e a ideologia, ele deixa de ser um escritor e se torna um escrevente. Não lembro exatamente quando decidi a me dedicar à escrita. Acredito que foi depois de aprender a ler sozinho e me embrenhar na densa floresta das palavras.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Acho que no meu primeiro livro isso aparece de forma clara. Há emulações de muitos escritores que admiro, alguns denunciados nas epígrafes: Kafka, Cortázar, Bolaño, Vila-Matas e, numa chave mais realista, Autran Dourado e Dalton Trevisan (do qual já não gosto muito). As citações nos livros posteriores continuaram denunciando as influências. Se tenho um estilo? Não sei, só sei que não abro mão da intertextualidade. É o que une as minhas narrativas.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
“Relatos”, de Julio Cortázar. Não dá para destacar um livro de contos dele. Um novo Cortázar se revela a cada releitura. Sempre surpreende. Destaque para o fantástico presente no cotidiano.
“O processo”, de Franz Kafka. Sempre estamos em busca de uma resposta para o absurdo da condição humana, mesmo sabendo que jamais a encontraremos. Somos destinados ao trágico. Não há esperança, ao menos para nós, é o que ele escreveu em outros termos. Estamos condenados, mesmo não sabendo o porquê.
“4321”, de Paul Auster. O acaso nos governa e nos perguntamos: e se tivéssemos seguido outro caminho? E se nossos antepassados tivessem feito outras escolhas?
E se?