Cassiano Santos Cabral é escritor.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
A literatura e a escrita fazem parte da minha vida, pois desde muito pequeno, com sete anos, comecei a escrever e não parei mais. Escrevi oito livros e publiquei quatro, sendo que, em breve, pretendo publicar a minha quinta obra: A Sombra da Passarela- romance policial.
Começo o dia olhando pela janela e vendo como está o tempo. Sou bastante observador. Da sacada do meu quarto se avistam alguns jacarandás e outras árvores. A luminosidade durante o dia e a coloração das folhas é diferente em cada época do ano. A natureza sempre me inspirou, sobretudo, o por do sol ao entardecer e, à noite, de preferência, quando a lua está cheia e o céu bastante estrelado.
Não há uma rotina matinal para escrever, as ideias vão fluindo, às vezes, de modo desordenado, e vou escrevendo e estruturando o texto. A poesia se processa de modo mais automático e imprevisível, quando me dou conta estou escrevendo por que a escrita, em verdade, acontece, primeiro, mentalmente. Já em relação aos contos, crônicas e romances, eu preciso “namorar” a ideia para escrever, mas não há uma rotina.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Em se tratando de narrativa longa, sem dúvida, eu trabalho melhor pela madrugada por que é nesse horário em que há silêncio, consequentemente, o nível de concentração é maior. Tenho formação jurídica e como, durante o dia, trabalho com processos em uma promotoria criminal; escrevo, à noite, quando sobra algum tempo e estou inspirado. Para mim, escrever por escrever não acho interessante porque a qualidade do seu texto despenca. Tenho a satisfação de escrever quando trabalho, no sentido de elaborar pareceres e isso também serve de subsidio para o meu trabalho de escritor. Obviamente, não uso dados de pessoas e nem de fatos em si, mas você trabalhando na área jurídica, no direito penal, lendo inquéritos e processos criminais naturalmente se familiariza mais com a matéria e isso é excelente para quem escreve romances policiais. Neste tipo de escrita, a investigação policial é sempre muito presente. Em um dos meus romances policiais há um júri; ou seja, a parte jurídica é bastante destacada nas minhas historias.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu escrevo em períodos concentrados em se tratando de romances policiais. Neste caso, em dois ou três meses, eu consigo finalizar um romance. Depois vem a revisão do texto que é um processo bastante importante porque é necessário ser detalhista e minucioso. Durante estes períodos concentrados, existe uma meta, ou seja, escrevo, em média, um capitulo por dia. Justamente porque acredito que se você escreve mais do que cinco ou sete folhas em um dia, a qualidade do seu trabalho fica comprometida. Existe uma queixa comum entre os escritores no sentido de que as pessoas, no Brasil, na sua grande maioria, não são adeptas à leitura. Eu concordo em parte com esta afirmação, mas vejo que o escritor tem uma parcela de responsabilidade também; isto é, se você não escrever algo interessante, dinâmico e que prenda a atenção, o seu leitor vai desistir nas primeiras paginas da leitura do seu livro. Eu procuro fazer uma leitura crítica para ver se o texto está interessante e conto bastante com o apoio da minha esposa.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
A narrativa longa exige uma estruturação prévia e isto inclui uma caracterização dos personagens, a relação deles entre si, a condução da historia que será dividida em partes e em capítulos, sendo que o final deve fechar com chave de ouro. Não gosto de romances previsíveis, então, eu procuro sempre surpreender os leitores, revelando ao final quem é o assassino ou assassina, sem estigmatizar os personagens. Não existem heróis ou bandidos e sim personagens que poderiam ser pessoas reais- eles os são para mim- e que lutam pela sobrevivência. Eles são capazes de cometer tanto atos heroicos como outros questionáveis sob o ponto de vista moral (e legal), mesmo os ditos “mocinhos e mocinhas” da história, mas para tudo existe uma explicação plausível. Depois de estruturado todo o esqueleto da historia, inclusive, esquematizados os capítulos, você começa a escrever e então é só dar sequência mantendo-se fiel ao seu planejamento.
Em relação à pesquisa, ela existe e é bastante aprofundada. Por exemplo, se eu pretendo escrever lugares onde nunca estive, peço a ajuda para amigos que moraram no local ou que visitaram. Como boa parte do que escrevo se situa na minha cidade, em Porto Alegre, muitas vezes, eu vou a algumas ruas onde será o cenário dos personagens procurando ver a luminosidade, a vegetação, o comércio local, sobretudo quando o local será o palco do assassinato. Também leio bastante e procuro me municiar do maior número de informações possíveis para conferir maior verossimilhança a história.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não tenho travas na escrita que me paralisem como escritor. Existem momentos em que você escreve e produz e em outros, passa por um período de hibernação. Nestes períodos, deve pensar e refletir, sentir a historia e pesquisar sobre o que será o objeto da sua escrita. O importante é prosseguir com o seu proposito, escrever o seu romance do melhor modo possível, dentro das suas limitações, mas sempre procurando supera-las. O cerne da questão é transmitir mensagens construtivas e positivas através da sua escrita, pois isto poderá impactar a vida das pessoas. Acredito que nós, os escritores, temos um papel social e, por isso, é necessário usar o dom para o bem.
Em relação às expectativas dos outros sempre haverá pessoas que vão se identificar com a sua escrita e outros não. Nunca haverá unanimidade. Talvez, por força disso, senti a necessidade de diversificar o gênero literário da minha escrita porque sou essencialmente um poeta, mas também escrevo crônicas, contos e romances policiais. Independente do seu texto, você trabalha sempre com sentimentos e emoções, o que varia é a técnica de escrever para cada gênero literário. O importante é a comunicação com o seu leitor seja em prosa ou em verso.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu reviso muitas vezes e também peço que a minha esposa o faça também. Quando a inspiração flui, você precisa colocar no papel, às vezes, de forma imediata, para não perder o fio da meada, então questões como a revisão gramatical ficam para o segundo plano onde é feita a lapidação do texto. Nesta segunda fase é que enxugo mais os parágrafos ou aumento se necessitam de uma maior explicação, bem como substituo palavras repetidas por sinônimas. Na poesia, p.ex, tem que ter coerência, unidade entre as estrofes e a escolha de apropriadas metáforas exige bastante do escritor, do contrário, não conseguirá escrever para algo diferenciado. A mesma regra vale para o conto e para a crônica onde você precisa passar uma mensagem para o leitor; ou seja, através do seu texto ele será capaz de rir, chorar, refletir, mas nunca ficar indiferente ao que foi escrito. Deve haver dialogo entre o leitor e o texto.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Os textos mais longos eu utilizo o computador porque facilita o meu trabalho. A poesia, às vezes, escrevo a mão. Acredito que o escritor precisa se modernizar não só na questão da elaboração do seu trabalho, mas também na parte de divulgação, por isso é importante a participação em lives e nas redes sociais, bem como disponibilizar o seu livro em ebook. Eu sou colunista virtual da Casa da Poesia e da Gramadosite. Por outro lado, acredito que o escritor deve continuar publicando os seus livros, participando de coletâneas e antologias e, também, de concursos literários, oficinas literárias, rádios, jornais, revistas e palestras a fim de que a sua relação com as pessoas e seus potencias leitores se torna mais direta.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
A natureza sempre me inspirou muito e nos meus poemas você lerá algo sobre o sol, as nuvens e a chuva e sua relação com sentimentos; por exemplo, nuvens correspondendo a inseguranças; o sol representativo de calor humano ou também pode estar associado a deserto, caminhada, procuras, a chuva ligada à ideia de limpeza, de transição… Em relação às crônicas e contos, a escrita parte de questões cotidianas como o enfrentamento da pandemia do coronavirus, algo relacionado às tradições gaúchas, algum fato curioso de alguma viagem ou situação de vida e o que significou para mim como lição, como aprendizado e no que isso possa ajudar a outras pessoas. Evito tratar de temas políticos. Já nos romances policiais, o subsídio vem em parte do meu trabalho, na parte jurídica, que envolve os processos e as investigações, mas como disse os meus textos são fictícios, embora algumas pessoas e lugares visitados e vividos sirvam como fonte de inspiração.
O escritor tem a capacidade de sair do mundo real e criar um mundo imaginário onde ele detém as peças do tabuleiro do jogo. A história ganha vida, o escritor participa dos cenários imaginários, fala pela boca dos personagens e consegue dar o desfecho justo para a sua história, o que muitas vezes, não acontece na vida real. A literatura é fascinante e assim deve ser tanto para quem escreve quanto para quem lê a sua história.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Como disse, eu senti a necessidade de diversificar o gênero literário porque nem todas as pessoas se identificam com a poesia. Alguns preferem uma leitura menos abstrata e subjetiva, algo mais direto e, neste prisma, a crônica e o conto se inserem perfeitamente. Escrevi três romances policiais. O primeiro surgiu a partir de um conto premiado e senti que se o estruturasse, de uma forma ordenada, poderia transformá-lo em um romance, o que representou um divisor de aguas na minha vida. Até então eu não havia trabalhado com narrativa longa, salvo quando era criança que escrevia, de forma muito rudimentar, algumas novelas manuscritas. Acredito que quando o escritor escreve diversos gêneros literários, ele se sente mais completo, é como o chef de cozinha que consegue cozinhar salgados e doces, pois sabe combinar temperos e conhece a temperatura de cozimento dos alimentos.
Se pudesse voltar no tempo, eu diria a mim mesmo que tentasse me libertar das criticas que muitas vezes não são construtivas. Geralmente, quem muito critica não sabe fazer melhor. É necessário, todavia, humildade para aceitar as críticas construtivas e aperfeiçoar o seu texto escrevendo sempre com entusiasmo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de ler mais livros sobre espionagens e sociedades secretas para abordar estas questões nos meus romances policiais. Pretendo aprimorar a minha escrita e gostaria que no futuro os meus romances pudessem ser adaptados para o cinema e audiovisual ou series de TV e as poesias para composições musicais a fim de que a minha mensagem atingisse mais e mais pessoas. Também tenho um projeto de escrever um romance de época e algo ligado ao universo cristão com analogia a passagens bíblicas sinalizando para a importância da fé.